Folha de S. Paulo
Plano econômico imita objetivos de governos petistas, sem mostrar como fazer melhor e não estourar dívida
Um governo Lula 3 seria muito parecido com
Lula 2. Talvez até com Dilma 1. É o que fica da leitura
da "Carta para o Brasil do Amanhã", um programa sintético de
governo divulgado nesta quinta-feira (27) pela candidatura de Luiz Inácio Lula
da Silva (PT).
Por fora, pelos nomes e intenções genéricas
descritas na "Carta", os programas são quase idênticos aos dos
governos petistas —"por fora, bela viola". Por dentro, não se sabe se
é o caso de pão bolorento.
Vários desses programas deram errado ou são
agora (ainda mais) insustentáveis. Os casos mais graves foram os subsídios
para empresas, de criação de indústrias nacionais que produziriam bens
para substituir importações e a atuação de BNDES e Petrobras.
Vários deles terminaram em desastre.
Sim, é possível estabelecer os mesmos objetivos da "Carta" de Lula mudando métodos e a depender de tamanho e do prazo em que se quer atingir o resultado. Não é possível saber se será assim. A "Carta" de Lula não dá pistas do que seria novo. Apenas sugere o velho
Do assunto mais urgente e difícil, déficit
e dívida públicos, que vão decidir o destino de um eventual Lula 3, mal se
fala. Os leitores mais interessados dessa "Carta" serão os credores
do governo, entre outros grupos de "o mercado". A reação será de
tédio e expectativa ("falando sério, o que vão mesmo fazer?") ou de
preocupação, irritação ou deboche (à direita). Com quem Lula estaria querendo
conversar? É só um "saludo a la bandera" de esquerda? Não deu para
entender.
Subsídio é uma palavra central no programa
Lula 3, embora não seja lá citada nenhuma vez.
Haveria juro "adequado" para o
Empreende Brasil (micro, pequenas e médias empresas), para empresa inovadoras
ou comprometidas com causas ambientais e sociais. Quer dizer, taxas de juros
menores que as de mercado (com subsídio via banco estatal ou direto, via
Tesouro Nacional).
O Minha Casa
Minha Vida (MCMV) seria retomado, o que pode ser bom, se for
consertado o desastre urbanístico que era. Mas o MCMV tinha muito subsídio.
Mais preocupante, por ora, foi ler que
BNDES e Petrobras terão "papel fundamental neste ciclo", nesse
programa econômico de Lula.
É possível recorrer ao BNDES para
incentivar tais e quais diretrizes de crescimento, de modos diversos. Em vez de
conceder crédito baratinho (subsídio, gasto público indireto), o bancão estatal
de desenvolvimento pode incentivar e garantir operações (dar um empurrão ao
crédito privado).
Sob Lula 1 e Dilma 2, o BNDES serviu muita
vez, e à larga, para baratear o custo de capital da grande empresa, para
fusões, aquisições e formação de oligopólios. O "desenvolvimentismo"
jamais foi de esquerda.
Mas retoma-se a ideia de política
industrial como se não tivesse havido fracassos e desastres. Lula quer que
empresas nacionais produzam equipamento médico, fertilizante, diesel, gasolina,
chips, aviões e plataformas de petróleo (um dos planos mais desastrosos de
Dilma 1). Vai usar de novo a Petrobras como uma espécie de banco
desenvolvimentista?
Pode haver políticas inteligentes de
incentivo e direcionamento da economia. Se faz e se fez tal coisa em qualquer
variante de economia de mercado rica. Mas qual é a ideia? Dar dinheiro para
empresa grande produzir bens ruins de modo ineficiente, bancadas por dinheiro
de impostos? De novo?
De mais novo, Lula propõe uma Nova Lei
Trabalhista, a ser elaborada por governo, trabalhadores e empresas. Muito bem.
Resta ainda uma CLT envelhecida e amputada, com um enxerto da reforma de Michel Temer,
que quase arruinou a organização trabalhista, não colocou nada no lugar e não
lidou, quanto a isso, com os novos trabalhos, os precários em particular.
Lula propõe ainda um plano
econômico-ambiental-tecnológico de transição verde e um Programa de Recuperação
de Pastagens Degradadas, o que pode ser dar em um bom ganho de eficiência. Tem
como metas o desmatamento zero na Amazônia e a emissão zero de gases de efeito
estufa na produção de energia elétrica (adeus, termelétricas? Hidrelétricas
monstro? Como vai ser?).
Propõe o Desenrola Brasil, a renegociação
de dívidas de famílias inadimplentes,
com desconto do principal e redução de juros. É uma ideia que pode ser
desenvolvida. Mas implica subsídios (o governo bancaria parte da conta), que
não iriam necessariamente para os mais pobres.
O Novo Bolsa Família vai pagar R$ 600 por
mês (assunto dramático e prioritário para o qual não há dinheiro previsto
ainda) e mais R$ 150 por criança menor de 6 anos. O salário mínimo terá aumento
real, acima da inflação, o que, por tabela, elevaria a despesa da Previdência, do INSS em
geral.
Além de gastar em tanto subsídio e aumentar
o gasto, Lula diz que vai abrir mão de receitas. Quer zerar
o Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 por mês, bilhões para a
pequena classe média. Não vai cobrar mais impostos? Nem de ricos? Vai financiar
o gasto com muito mais dívida (o que dá mais dinheiro para rico)?
Lula diz que vai elaborar um plano urgente
de retomada de obras paradas e prioritárias, com os governadores. Pode ser, se
der um jeito de juntar investimento privado com investimento estadual; de
aumentar o investimento federal aos poucos. Por ora, não há fundos no Orçamento
nem haverá tão cedo.
É possível conseguir uma "licença para
gastar" mais em 2023, desde que exista um plano crível de contenção da
dívida. Um plano crível funcionaria melhor se uma reforma tributária grande
fosse aprovada —este assunto merece apenas meia linha, como se fosse um
apêndice menor. Reforma do setor público? Nada a declarar.
Se Lula fizer tudo isso que promete, porém,
a dívida vai dar um salto, os juros irão à Lua e o governo começará a
naufragar. Pior ainda se não houver o tal "plano crível" para déficit
e dívida. Sobre este assunto, se diz apenas que haverá "metas
plurianuais", responsáveis e previsíveis, mas "compatíveis com o
enfrentamento da emergência social que vivemos e com a necessidade de reativar
o investimento público e privado para arrancar o país da estagnação".
Não quer dizer nada ou quer dizer que
haverá crescimento grande da dívida e paciência, "aceitem". Se for
verdade, isso vai dar certo apenas com a ajuda dos céus.
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