domingo, 30 de junho de 2024

Oscar Vilhena Vieira - Supremocracia desafiada

Folha de S. Paulo

Tensão entre Legislativo e STF não parte só de ressentidos com golpe frustrado contra a democracia

Temos testemunhado uma crescente tensão entre o Poder Legislativo e o Supremo Tribunal Federal. Essa tensão não decorre, no entanto, apenas do ressentimento de alguns inimigos da democracia, contra um tribunal que frustrou suas expectativas de rasgar o pacto constitucional de 1988, em 8 de janeiro de 2023.

Há também um movimento bastante intenso por parte de um grupo mais amplo de parlamentares desconfortáveis com o controle exercido pelo Supremo sobre a conduta da classe política, assim como em decorrência do que reputam ser avanços indevidos do tribunal sobre as esferas de competência reservadas ao legislador.

Até o presidente Lula, aliado da hora do Supremo, resolveu dar conselhos ao Supremo, afirmando que o tribunal não deveria se meter em tudo, em reação à decisão do STF de despenalizar o porte de maconha para consumo próprio.

A reação do Legislativo ao modelo supremocrático que foi paulatinamente se consolidando ao longo dos anos, em grande medida por delegação e incapacidade do sistema político de resolver problemas de sua competência, tem sido a propositura de uma série de iniciativas legislativas voltadas a restringir as competências do Supremo, a limitar o poder e restringir os mandatos dos ministros, assim como medidas legislativas voltadas a neutralizar decisões do Supremo, contrárias a interesses grupos parlamentares, especialmente os mais conservadores.

A aprovação de lei reestabelecendo o marco temporal, no mesmo dia em que o Supremo declarou a tese inconstitucional, e a aprovação, pelo Senado, de PEC voltada à criminalização do consumo de drogas, buscando preventivamente esvaziar a decisão tomada pelo tribunal nesta última semana, são exemplos claros desse tipo de retaliação.

Esse cabo de guerra não é incomum em circunstâncias onde prevalece uma grande distância entre o que pensam os membros do Legislativo e os que ocupam a cúpula do Judiciário. No caso brasileiro, no entanto, há que se ponderar que a maioria conservadora que passou a dominar o Legislativo está distante não apenas do pensamento médio dos membros do Supremo, mas também das diretrizes adotadas pela Constituição de 1988.

O dilema colocado ao Supremo nessas circunstâncias é como reagir a essas retaliações oriundas de um parlamento insatisfeito com a Corte e com a própria Constituição?

Uma primeira alternativa é dar um passo para atrás e buscar minimizar a zona de conflito, flexibilizando a defesa de direitos de cunho "progressista" e se eximindo de controlar atos ilegais perpetrados por membros da classe política.

Uma segunda tentação, que parece estar ocorrendo no caso do marco temporal, é transformar a Corte Constitucional, que tem por missão maior garantir direitos de minorias vulneráveis, em uma câmara de negociação.

Em ambas as hipóteses o risco é fragilizar a Constituição, transformando-a em um documento facultativo, que pode ser moldado por aqueles que têm mais poder.

Uma terceira alternativa, que certamente contribuiria para reestabelecer um equilíbrio mais saudável e pertinente entre os Poderes, parece, no entanto, sofrer resistências internas, pois exigiria uma capacidade de autocontenção e especialmente de contenção das prerrogativas individuais dos ministros.

A estratégia seria fortalecer a colegialidade, qualificar o processo de deliberação, ampliar a consistência e coerência na aplicação da lei, estabelecer posturas interpretativas que reduzissem a discricionariedade judicial, gerando precedentes capazes de orientar e estabilizar as expectativas dos jurisdicionados.

Também seria indispensável nesse processo que o Supremo adotasse regras de conduta voltadas a fortalecer a sua imparcialidade.

 

2 comentários:

Daniel disse...

Muito interessante o texto! Parabéns ao autor, e ao blog que divulga seu trabalho!
Supremocracia desafiada ou DESAFINADA?
O colunista usa o termo DESPENALIZAR para a decisão do STF em relação ao consumo de maconha, termo que talvez seja mais indicado, já que o autor é reconhecido jurista, ao invés do termo descriminalizar que toda a imprensa usou mas que o presidente do STF não adotava/aceitava para a decisão do órgão.

Anônimo disse...


O jornalista pra fazer a crítica do avanço do STF nas prerrogativa do legislativo e executivo pisou em ovos Rasgou seda pra depois mostrar que ha necessidade do STF voltar a sua posição de órgão interpretador final e garantidor dos direitos constitucionais e não um órgão autoritário Perseguidor contra a oposição e entrando nas esferas legislativas que não lhe compete pois não tem voto representativo do povo brasileiro e sim os parlamentares