quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Miriam Leitão - Dois rumos da política monetária

O Globo

O BC e o Fed não indicaram quais serão seus próximos passos, mas o caminho está óbvio: aqui inicia-se um ciclo de alta de juros e, lá, de queda

Os bancos centrais fizeram o que os mercados esperavam que eles fizessem. O Fed derrubou a taxa de juros em meio ponto percentual, na primeira queda em quatro anos, e o Copom subiu os juros em 0,25 ponto percentual, na primeira alta em dois anos. Brasil e Estados Unidos agora seguirão caminhos opostos, com a política monetária sendo relaxada lá e ficando mais restritiva aqui. Nenhum dos dois órgãos indicou o que fará nas próximas reuniões, mas está claro que o Fed inicia o ciclo de queda, o Copom, um ciclo de alta. A crítica política ronda os dois órgãos, mas aqui, é bom notar, a alta foi por unanimidade, até os indicados pelo presidente Lula concordaram com a elevação dos juros.

O BC brasileiro subiu os juros porque a inflação ficou perto do teto da meta e as expectativas são de taxa entre 4,4% e 4%, este ano, e no próximo. Pela projeção do Banco Central, só no primeiro trimestre de 2026 a inflação estará em 3,5%, sendo que a meta é 3%. Apesar de a política monetária não ter efeito nos preços no curto prazo e parte das pressões ser ocasional, o BC tem que evitar que se mantenha um índice tão perto do teto.

Na área fiscal, depois de dez anos de déficit, é possível que este ano o resultado fique perto da meta de déficit zero, mesmo assim aumentam as pressões por mais gastos e cresce a despesa obrigatória. A boa notícia é que não há previsões de descontrole inflacionário, mas, com o crescimento do país acima do esperado, boa oferta de emprego e projeções de inflação em alta, o Banco Central considerou melhor elevar os juros. Ou, como disse o comunicado do Copom: “O cenário, marcado por resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam uma política monetária mais contracionista.”

Em julho, dois dias depois da última reunião do Fed que manteve os juros, houve um número desastroso de emprego. À época, o presidente Jerome Powell havia dito que a redução da taxa de referência poderia estar sobre a mesa na reunião seguinte, ou seja, na de ontem. Com o número ruim de criação de vagas, bem abaixo do esperado, ficou claro que o corte seria mais forte e ele veio. Houve um voto por uma redução menor, de 0,25 ponto percentual, de Michelle Bowman. Ela disse haver ainda riscos inflacionários remanescentes na economia americana. Mas, na verdade, há mais indicações de um pouso suave, de convergência da inflação para a meta de 2%, e a queda de juros tenta evitar um desnecessário aumento do desemprego.

Do ponto de vista político, a queda dos juros e o pouso suave são o melhor cenário para o partido Democrata e, por isso, a candidata Kamala Harris disse que a notícia é bem-vinda, esclarecendo que ainda não está preparada para declarar “missão cumprida” no combate à inflação. O ambiente temido é o aparecimento de números ruins do PIB perto da eleição que ocorrerá daqui a 47 dias. O ex-presidente Donald Trump disse que qualquer corte de juros antes de novembro seria uma decisão política. O Fed ignorou e Powell rebateu ontem. “Nós consideramos que esta era a coisa certa para a economia e o povo ao qual nós servimos.”

Aqui também a crítica política cercou o Banco Central. O presidente Lula fez inúmeros ataques ao presidente do Banco Central, sugerindo que, num outro momento, quando Roberto Campos Neto não estivesse mais no cargo, o BC serviria mais ao Brasil. Isso acabou sendo uma armadilha para o próprio governo porque o entendimento dos economistas foi que a próxima gestão seria leniente com a inflação. Esse é o tipo de convicção que transforma profecia em realidade. Os preços sobem na aposta de que não haverá uma política monetária vigilante. Esse ruído explica em parte a alta de ontem, na primeira reunião após Gabriel Galípolo ser indicado para assumir a presidência do BC, em janeiro.

Os dois bancos centrais garantem que tomam decisões técnicas, mas lá e aqui a política monetária ficou no meio da briga política. Contudo, quando o Banco Central faz bem seu trabalho e mantém a inflação baixa, sempre favorece quem está no poder, porque o descontrole inflacionário é o pior inimigo de qualquer governante.