segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

A derrota do colonialismo iraniano - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

O Irã colecionou nos últimos meses uma série de derrotas que abalou todo o seu projeto estratégico de dominação do Oriente Médio

O “Eixo da Resistência” não resistiu. O “Eixo do Mal” quebrou. O Irã colecionou nos últimos meses uma série de derrotas que abalou todo o seu projeto estratégico de dominação do Oriente Médio, tendo como alvo a destruição do Estado de Israel. O Hamas foi militarmente destruído. O Hezbollah foi duramente atingido, sendo hoje uma pálida figura do que era. No Iraque continua reinando, embora o seu poder de influência seja menor. O Iêmen segue intacto, porém os seus dias estão contados. A joia da coroa, a Síria, sob o seu controle, desmoronou em dez dias. Gastou bilhões de dólares que desapareceram em um efeito dominó.

Frise-se aqui o seu projeto colonial, embora o seu discurso seja diametralmente oposto. Discurso esse compartilhado pela esquerda mundial, sobretudo identitária e dita decolonial. Curioso, para não dizer hilário. A esquerda teceu uma aliança em função da luta contra o colonialismo europeu e o imperialismo americano, vindo a defender o projeto colonialista iraniano. É aberrante! Mulheres são assassinadas às centenas e consideradas cidadãs de segunda categoria. Países do Oriente Médio são submetidos militarmente e financeiramente sob a complacência e aplausos esquerdistas. Será que essa forma de (des)pensamento não tem nada a dizer a respeito?

Nunca é demais lembrar que o projeto colonial (ou imperialista) iraniano teve a anuência do ex-presidente Barack Obama, celebrado paradoxalmente como “pacifista”. Foi graças a ele que, para obter o acordo nuclear, desrespeitado pelo Irã, foram liberados os ativos iranianos congelados, além de novos investimentos. Em vez de esses recursos serem canalizados para o bem-estar de sua população, foram direcionados ao financiamento de uma importante organização militar, a Guarda Revolucionária, que passou a atuar no exterior, estendendo os seus tentáculos para os países próximos e limítrofes. Nada disso teria sido possível sem esse “erro” capital norte-americano. Note-se ainda que esse mesmo presidente americano fez vista grossa aos assassinatos cometidos pelo ex-presidente Bashar alAssad à sua própria população. Estima-se meio milhão de mortos. Estabeleceu “linhas vermelhas”, que foram sistematicamente desrespeitadas pelo ditador sírio.

O Irã tentou dois ataques maciços de mísseis ao Estado judeu, resultando em um fiasco. O contragolpe destruiu todo o seu sistema de defesa antiaéreo, além de ter tido um dos seus sítios nucleares fortemente atingido. Esse último só não foi reconhecido publicamente por ser secreto, o que atingiria o que lhe resta de credibilidade. Aviões israelenses têm hoje espaço livre para atuar. O seu tão celebrado poderio militar fracassou, apesar de sua gloriosa narrativa.

O Hezbollah é atualmente uma sombra do que era. O seu suposto poderio militar, vindo a ser considerado como a maior organização militar não estatal no mundo, não demonstrou ser páreo para os israelenses. Três mil combatentes segundo estimativa deles, e 3,5 mil segundo estimativas israelenses, foram aniquilados, além de milhares de feridos. Note-se que os iranianos destruíram a soberania libanesa, com o Hezbollah tornando-se um Estado dentro do Estado. O Líbano foi literalmente colonizado, com os cristãos, drusos e muçulmanos sunitas tornando-se reféns do Irã.

O Hamas, apesar de bem-sucedido em seu ataque terrorista de outubro do ano passado, não resistiu às Forças Armadas de Israel. Sua força militar esfarelou-se, mesmo utilizando a sua população como escudo humano, o que explica o elevado número de vítimas. Estima-se que foram eliminados aproximadamente 20 mil terroristas. Hoje, tornou-se uma organização terrorista tradicional, sua eficácia se reduzindo aos assassinatos por bombas e ataques de carros em pontos de ônibus de civis. Embora sunita, vinculado à Irmandade Muçulmana, e não xiita, veio a ser igualmente um instrumento do Irã.

Coroando esse processo, a cruel ditadura de Assad não resistiu à pressão dos grupos jihadistas, e ao enfraquecimento decisivo do Hezbollah, Hamas e Irã. O apoio russo e iraniano foi de nenhuma valia, considerando o fosso existente entre a população e a dinastia dos Assads. Não há família que não tenha sido vítima dessa guerra civil. O Irã tinha militares e conselheiros em seu próprio território, agindo livremente. Utilizava entrepostos, bases militares e rotas aéreas e terrestres para fazer chegar ao Hezbollah armamentos, munições e equipamentos militares. Ora, essa organização termina isolada, tendo dificuldades para se rearmar. A Guarda Revolucionária iraniana fugiu às pressas.

O Irã está acuado. Seu projeto colonial foi duramente atingido. O presidente Donald Trump certamente não vai contemporizar, seja através de sanções, seja pela força militar direta ou em colaboração com Israel. Sua capacidade de resposta foi esfacelada, apesar de manter sua narrativa belicosa.

O mapa do Oriente Médio, logo, o do mundo, está sendo redesenhado.

 

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