quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Combustível para a tentação do populismo - Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Com aprovação de Lula em baixa, será grande a pressão por adotar medidas que elevarão as despesas

O governo espera divulgar amanhã o resultado das contas públicas em 2024, que deve ser melhor do que o esperado pelo mercado e apontar para o cumprimento da meta fiscal do ano. São boas notícias que embutem um grande risco: o de parecer que está tudo bem. Não está, e o risco é piorar.

Na prévia calculada por Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, as contas do governo central (conjunto formado por Tesouro Nacional, INSS e Banco Central) registraram no mês de dezembro saldo positivo de R$ 22,2 bilhões. No acumulado do ano, o saldo ficou negativo em R$ 44,6 bilhões, ou 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB), metade do déficit de 0,8% do PIB estimado pelo mercado no início do ano passado.

Para efeitos de meta, devem ser descontados desse valor os R$ 29 bilhões destinados ao Rio Grande do Sul, o que resulta um saldo negativo de R$ 15,6 bilhões. Porém, o resultado que realmente conta não é o apurado pelo Tesouro, e sim o do Banco Central, que usa outra metodologia. Esse, nas contas de Salto, deve ter ficado negativo em R$ 20,9 bilhões.

Ou seja, a meta teria sido cumprida. O prometido déficit zero admite um resultado negativo de até R$ 28,8 bilhões.

Esses são cálculos independentes. Mas os números oficiais devem ser parecidos.

Dar a meta de déficit zero como cumprida mesmo diante de um rombo de R$ 44,6 bilhões, desconsiderados descontos e margens de tolerância, é tema de debate entre especialistas. Mas, do ponto de vista formal, é assim que funciona.

Assim, a área econômica terá resultados positivos para produzir uma narrativa. Será uma chance de sair das cordas, depois de um final de 2024 em que a condução das contas públicas, considerada frouxa, ajudou a elevar o dólar ao recorde de R$ 6,26.

Não que isso deva ser comemorado, mas os leilões de reservas internacionais feitos pelo Banco Central em dezembro passado, no esforço para conter a disparada do câmbio, devem ajudar na narrativa governamental. Como as reservas são adquiridas por meio de dívida, sua venda reduz a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG).

O mercado estima que a DBGG encerre o ano em 77,7% do PIB, mas esse movimento das reservas pode reduzir o saldo para 76,1% do PIB, nas estimativas de Fernando Montero, economista-chefe da Tullett Prebon Brasil. Nova queda pode ocorrer em janeiro, para 75,3% do PIB, dessa vez influenciada pelo dólar mais baixo, na casa dos R$ 5,90.

“As quedas podem não ser tão fortes, e as razões, não as melhores”, observa. “Mas é a tendência.”

Tudo isso pode ajudar no marketing governamental, que ganhou força neste início de ano. Porém, os números positivos refletem movimentos episódicos. Na estrutura, as contas federais continuam deficitárias e carentes de medidas de ajuste.

O saldo primário do governo central tem rodado na faixa de 0,5% do PIB a 1% do PIB negativos, quando seria necessário um superávit da ordem de 2,5% do PIB para estabilizar e reduzir a dívida pública, aponta o economista Sergio Vale, da MB Associados.

Depois da decepção com o pacote de ajuste fiscal do ano passado, considerado insuficiente para tornar o Orçamento brasileiro mais sustentável, é grande o ceticismo no mercado quanto à possibilidade de essa agenda ser retomada no governo Lula, diz. Não há descontrole fiscal à vista nem melhora estrutural.

Na avaliação de Vale, o ajuste necessário poderá vir só em 2027. Ainda assim, não é uma certeza. Se o governo de Luiz Inácio Lula da Silva tem falhado nessa frente, a gestão fiscal no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro também frustrou, avalia. Na sua visão, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) pode ter uma compreensão melhor da importância do ajuste nas contas públicas. Porém, não se sabe ainda se disputará o Planalto ou uma reeleição ao Palácio dos Bandeirantes. A sucessão promete ser mais um fator de instabilidade nos mercados.

Mais incertezas residem nas decisões do presidente dos EUA, Donald Trump, e seus reflexos no Brasil. Esse era mais um motivo para o governo ter feito um pacote de ajuste mais robusto, diz o economista.

Os números menos ruins para as contas públicas embutem dois perigos. O primeiro é o governo agir como se estivesse tudo bem no campo fiscal.

O segundo, mais grave, é o entorno político do presidente Lula da Silva achar que há espaço para adotar novas medidas. Essa pressão tende a escalar depois que a pesquisa de opinião Genial/Quaest apontou uma taxa de desaprovação do governo de 49%, ante 47% de aprovação. Será grande a tentação de adotar medidas populistas que elevarão as despesas.

Há, além disso, há a já anunciada isenção do Imposto de Renda para pessoas que ganham até R$ 5 mil. Como a proposta passará pelo Congresso Nacional, o custo final é uma incógnita que preocupa os especialistas.

No fim do século passado, técnicos da área econômica evitavam alardear bons resultados da arrecadação para não levantar pressões do Planalto e do Congresso por mais gastos. Também agora, é recomendada prudência. A melhora é episódica e o desequilíbrio nas contas públicas não foi superado.

 

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