quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Fechando as "Portas Abertas” para enigmáticos fluxos migratórios - Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*

Lá se vão os tempos épicos dos westerns   em que os criminosos e justiceiros moviam-se de um lado para o outro nas zonas de fronteiras: alguns para evitar a justiça, outros para capturar fugitivos.  Representados no cinema por John Wayne, Gregory Peck, Clint Eastwood e outros, os justiceiros norte-americanos invadiam o território mexicano, sem constrangimentos legais, para punir com as próprias mãos crimes praticados no Meio-Oeste. Em caminho inverso, o exército mexicano não fazia o mesmo: parava no rio Bravo, e dava o caso por encerrado, satisfeito por se livrar do transgressor.  

Sem disparar um tiro, o Presidente Donald Trump pretende acabar esse trânsito e decretar o fechamento da fronteira dos EUA com o México. Começou por repatriar aqueles imigrantes, sobretudo, da América Central (brasileiros também), considerando-os clandestinos, embora vivam e trabalhem no país, mesmo sem "vistos”. 

As lições vêm dos países europeus, que se prontificam a ser solidários com os imigrantes, mas, sem alarde, estão sempre expulsando gente.  Por motivos políticos ou para fugir das guerras, quase tribais, milhares de africanos e asiáticos são despejados anualmente na Europa. Os cidadãos das velhas colônias francesas, inglesas, holandesas e portuguesas acham-se no direito histórico de transitarem, livremente, pelos territórios das ex- metrópoles.  A política de "portas abertas", defendida pelas s agências da ONU, sofre um retrocesso, com os países limitando o abrigo ao fluxo crescente de imigrantes. França, Itália e Alemanha tem tido muitos problemas comportamentos culturais e criminais mesmo.

Nos Estados Unidos, a questão não é bem a travessia da fronteira para trabalhar ilegalmente na terra do Tio Sam. Na América Central a pobreza é endêmica e os salários nos EUA compensam os riscos.  A questão tornou-se tão trivial que deu lugar à dezenas de gangues de fronteira explorando levas de imigrantes latinos, oferecendo-lhes facilidades inexistentes, e cobrando deles valores quase impossíveis de serem pagos. E aí começavam as atrocidades: violências, estupros e crimes, contra e entre imigrantes, bem como subornos das autoridades fronteiriças. Alguns foram cooptados pelo tráfico de drogas.  Trump vem cercando as fronteiras, com muradas, e dobrando o policiamento por ali.

Mas essa é uma questão aparentemente menor. Fugindo de guerras, como as invasões russas na Ucrânia, ou à procura de terras mais hospitaleiras, existem ainda grupos de pessoas que, sem entender exatamente o processo, pulam mesmo de uma região para a outra, como algumas etnias indígenas, os ciganos e povos asiáticos e africanos.  As migrações estão associadas a fatores econômicos, culturais, políticos, sociais, naturais e criminais. O Brasil mesmo abrigou representantes de algumas organizações criminosas italianas, chinesas e indivíduos condenados nos países de origem como o sérvio Darko Geisler, o britânico Ronald Biggs, os italianos Paquino, Gino Meneghetti Tomazzo Buscheta e outros.

No fluxo migratório não se distinguem transgressores de migrantes empobrecidos No Brasil como os nordestinos (Paus-de-arara ou Sem-terra) famílias inteiras deslocavam-se    do Nordeste, na década de 1950, para o Sul, fugindo das secas. O migrante é, entretanto, um sujeito solitário, sem pátria, sem proteção e que, pelas discriminações que sofre, e até injustiças, boa parte termina ajudando a compor a população carcerária no Brasil. O Brasil é usado com passagem para alguns desses fluxos migratórios As cadeias brasileiras sempre estiveram cheias de imigrantes carregados de crimes, outros acusados de tráfico de drogas e até de mulheres. 

Confundindo os sentimentos humanitários com a política "fake" e com o conveniente   acolhimento de imigrantes, na modernidade, as populações mais politizadas assustam-se mesmo é o uso politicamente estratégico desenvolvidos por alguns governos   para se livrar das oposições e das responsabilidades com a cidadania. Ao mesmo tempo uma carga, a imigração transformou-se numa arma política, sobretudo por regimes ditatoriais. É uma forma usada para   reduzir as pressões oposicionistas e conspiratórias nacionais e até de livrar-se das demandas internas por    empregos, alimentos, remédios e outros serviços públicos. A prática vem se institucionalizando, sem nenhum tiro, na medida em que se tenta purificar ideologicamente regimes políticos. Sintomas disso podem ser encontrados em países de partido único, quase sempre, expresso numa violência intangível. 

Na Venezuela de Hugo Chavez e    Nícolas Maduro, para livrar-se da oposição e reduzir a pressão sobre seu governo, adotou-se um modelo, meio retórico, de   ameaçar e prender opositores, induzindo-os a deixar o País. Cerca de 5, 2 milhões de venezuelanos fugiram para o Brasil e para a Colômbia.  Na Nicarágua aconteceu o mesmo. Copiaram Cuba Os expulsos politicamente foram buscar abrigo no México (passagem) e nos Estados Unidos.

A Rússia, adotou uma política migratória expansionista, incentivando a ocupação das fronteiras com países vizinhos, e estimulando a sua vagarosa transferência para para dentro do território alheio, até chegar as tais “autoproclamadas" República Popular de Donetsk e República Popular de Luhansk, com o apoio militar do Kremlin. Com essa estratégia invadiu também a Criméia. Há sinais evidentes dos interesses russos em incorporar os mares de Azov e o Morto. Pode estar aí um novo problema para os países do Cáucaso e dos Balcãs.

A hoje fantástica China, que perdeu alguns territórios para a Rússia em guerras não muito distante, começa a dar o troco. Com a população crescendo, a China passou a agir de forma semelhante. Fornece trabalhadores para as   cidades industriais da região russa do Pacífico - que antes lhes pertenciam. Vladivostok inclusive. Cerca de 60% das populações das cidades russas do Oeste siberiano são de trabalhadores chineses. Daí a indecisão de Ji Jinping de ajudar a Rússia na invasão da Ucrânia.  No passado, trabalhadores chineses migraram para os EUA, onde ajudaram na implantação das ferrovias ligando, hoje, o Leste e o Oeste.

Sem especificamente motivações políticas, a Índia exporta mão-de-obra e até alguns cientistas para os países ricos do Oriente Médio. De lá eles enviam parte dos salários as famílias. Os "dekasseguis"(fora de casa) brasileiros fazem isso também do Japão. A escravidão contrabandeou para o Brasil cerca de 5 milhões de africanos. Decorreu de uma política pública de imigração, primeiro para substituir a mão-de-obra indígena, depois com o propósito de melhorar a qualidade da força de trabalho. Com esses propósitos, o Brasil, o atraiu alemães, franceses, italianos e até japoneses. Chegou a ir buscá-los nas terras de origem. Cerca de 4,5 milhões de brasileiros   vivem no exterior (2023): 2 milhões nos Estados Unidos, 360 mil em Portugal, 254 mil no Paraguai. O levantamento não distingue legais de ilegais, apoiados ou não nas teses do Foro de S. Paulo. Enfim, o problema não é simples, politizá-lo é procurar confusão. Nossos repatriados estão sendo despejados em Minas Gerais, à conta do governador Zema.

*Jornalista e professor: autor de "AMERICANIDADE"

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