Folha de S. Paulo
Real se valoriza, mas volta ao nível ruim de
novembro; taxas de juros não recuaram
O dólar custava
R$ 4,95 faz um ano. Em 18 de dezembro, chegou ao pico do ano, a R$ 6,27. Nesta
terça, baixara a R$ 5,87. Copo meio cheio ou meio vazio? Continua bem
azedo, mas a baixa é um alívio até surpreendente e despiora relevante.
Quando o dólar havia chegado a R$ 5,40, lá por junho, havia gente importante na praça financeira que recomendava, na surdina, alguma intervenção do Banco Central a fim de conter as "apostas unidirecionais" (dólar sempre subindo) e os efeitos secundários do que então se chamava "exagero" ("overshooting") em expectativas inflacionárias etc. A partir de meados do ano, mais ou menos, o real passaria por um ritmo peculiar de desvalorização no mundo, consideradas as moedas relevantes e de países comparáveis.
A segunda onda de "exagero" começou
exatamente depois da divulgação
do pacote fiscal do governo, em 27 de novembro (o dólar estava a R$ 5,81).
Ao longo de dezembro, o BC diria que, além dos dezembros tipicamente secos de
oferta de dólares e ricos em remessas, havia remessas atípicas. Pelos números
do balanço de pagamentos, divulgados em janeiro, deu para ver que a disparada
se deveu em muito a pânico.
Nem mesmo o BC por vezes sabe com precisão os
motivos de movimentos de dinheiros e de preços do câmbio. No
entanto, as
intervenções acabaram por evitar que a bola de neve do pânico se
tornasse avalanche perigosa.
Ao que parece, algumas expectativas quanto ao
fortalecimento imediato do dólar depois da posse de Donald Trump parecem
frustradas, ao menos até a tarde desta terça-feira. Algumas posições foram
desmontadas (tirou-se dinheiro da operação que ganharia com a alta do dólar),
aqui e alhures. O Brasil é um barquinho no mar de dinheiro grosso mundial.
Para onde foi o receio fiscal? Sumiu?
Primeiro,
ressalte-se que o real continua bem desvalorizado. Segundo,
considerem-se as taxas de juros no
atacado de mercado de dinheiro (onde se definem os pisos dos preços do custo do
dinheiro, a taxa de financiamento de déficits e dívidas do governo). A taxa
futura de juro de um ano, real, passou de 10% ao ano no pico do pânico, em 18
de dezembro. Está em horríveis 9,2% ao ano. Em março de 2024, ainda estava na
casa de 6% ao ano. É arrocho horrendo.
Não é preciso procurar muito, pois, para ver
onde se cobra o preço do "risco fiscal" e até do aquecimento da
economia: nos juros. Risco: dívida
crescendo sem limite, sem esperança de medidas novas do governo, com
expectativa de inflação indo a 6%, não importa se previsão certeira —este é um
custo que compõe a taxa de juros exigida para se emprestar ao governo.
As expectativas começaram a piorar aos poucos
entre abril e junho, quando
o governo revisou a recém-nascida meta fiscal, quando o BC votou
dividido e quando começaram reações práticas a tentativas do governo de
recolher mais impostos.
Com a eleição de Trump e a promessa
destrambelhada do governo de apresentar um plano fiscal, o caldo engrossou, nos
juros e no câmbio.
O real continua muito desvalorizado, em nível
inflacionário, em parte por peculiaridades fiscais do Brasil. Mas despiorou em
ritmo surpreendente; o exagero de dezembro era pânico, uma camada extra de medo
ao receio razoável de que as contas fiscais não melhorariam tão cedo e
que Trump
soltaria bombas econômicas nucleares logo de cara.
A situação continua muito ruim e Trump ainda
pode apertar o botão nuclear.
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