terça-feira, 28 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É um erro criar atrito com Trump por imigração ilegal

O Globo

Ele próprio precisará da cooperação de vizinhos latino-americanos para conter a onda migratória nos EUA

A primeira onda de deportação de imigrantes ilegais dos Estados Unidos para a América Latina do governo Donald Trump tem propiciado choques diplomáticos contraproducentes tanto para os países latino-americanos quanto para os Estados Unidos. Felizmente, a crise do fim de semana — deflagrada pela reação do presidente da Colômbia, Gustavo Petro — parece ter sido debelada. Mas a turbulência é um prenúncio da nova realidade sob Trump.

Depois que ele autorizou o uso de aviões militares para deportação de imigrantes ilegais, Petro anunciou numa rede social que lhes negaria permissão para aterrissar em solo colombiano, sob a alegação de que os deportados eram tratados como criminosos por não voar em aeronaves civis. Numa reação populista, chegou a oferecer o avião presidencial para o transporte.

Trump não perdeu a oportunidade de obter ganhos políticos, tentando fazer da Colômbia um exemplo. Declarou a imposição imediata de uma tarifa de importação de 25% sobre produtos colombianos, sanções financeiras e o cancelamento de vistos a integrantes do governo. Petro reagiu prometendo aumentar as tarifas sobre produtos americanos e parecia pronto para uma guerra comercial. Depois, pensando provavelmente no prejuízo que causaria ao país, voltou atrás e aceitou o transporte por aviões militares.

Ele foi precipitado e descuidado. Concluiu que os colombianos sofriam maus-tratos depois que um avião com 88 brasileiros deportados com destino a Minas Gerais pousou em Manaus na sexta-feira. À Polícia Federal (PF), os brasileiros relataram ter sido agredidos por agentes americanos em escala no Panamá. É praxe o governo americano algemar ou acorrentar deportados. Era assim no governo Biden. Desta vez, as algemas foram mantidas não só no voo, mas em solo brasileiro. As razões são desconhecidas. Por isso o episódio precisa ser investigado, e as denúncias de tratamento desumano, caso comprovadas, condenadas. Mas jamais da forma impulsiva como fez Petro.

Nesta segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva definiu que pedirá esclarecimentos às autoridades americanas por vias oficiais. Fora o uso dos aviões militares, não há, até o momento, mudança nas políticas migratórias do governo americano — na gestão Biden, chegaram ao Brasil 32 voos fretados, com um total de 2.888 deportados (sem contar os expulsos depois de detidos pelo controle fronteiriço). É fundamental ter esses números em mente para avaliar as ameaças de deportação em massa feitas por Trump.

O Brasil precisa tomar cuidado para evitar indisposição semelhante à causada pela Colômbia. A primeira reação pareceu sóbria. “Não queremos provocar o governo americano, mas obviamente a deportação tem de ser feita com respeito aos direitos fundamentais”, disse o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. Ele tem razão. Mas o governo ainda não conseguiu esclarecer se de fato a deportação sob Trump foi diferente das ocorridas sob Biden.

Por ora, Trump conseguiu o que queria. Humilhou Petro e mostrou estar disposto a dobrar à força quem o desafiar. Ele mesmo, porém, tem a perder com isso. Para deportar ilegais e conter ondas migratórias, precisará da cooperação dos vizinhos. A atitude prepotente só cria resistência, prejudica a imagem dos Estados Unidos e, no limite, empurra países latino-americanos para a órbita de influência da China.

STF precisará ser mais incisivo para coibir disseminação do nepotismo

O Globo

Levantamento do GLOBO constatou nomeações de parentes do prefeito em 29 dos 154 municípios mais populosos

O nepotismo continua endêmico na vida pública brasileira. Levantamento feito pelo GLOBO nos 154 municípios brasileiros com mais de 200 mil habitantes encontrou 29, espalhados pelo país, em que os prefeitos empregam a família. Na maioria dos casos, o próprio cônjuge do prefeito ou prefeita é indicado para algum cargo político de confiança.

Em Aracaju (SE), Itamar Bezerra, secretário de Governo, é marido da prefeita Emília Corrêa (PL). Em Natal (RN), a mulher do prefeito Paulinho Freire (União), Nina Souza, é secretária do Trabalho e Assistência Social. Rayssa Cadena Furlan, casada com o prefeito de Macapá (AP), Dr. Furlan (MDB), é secretária de Mobilização e Participação Popular. Em Palmas (TO), Polyanna Siqueira e Gabriela Siqueira, mulher e filha do prefeito Eduardo Siqueira (Podemos), são secretárias de Ação Social e de Proteção Animal. Em Boa Vista (RR), a mulher do prefeito Arthur Henrique (MDB), Nathalia Cortez Diogenes, é secretária de Gestão Social no governo do marido.

Todos esses casos estão fora da lei, de acordo com a súmula vinculante emitida há quase 20 anos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) vedando a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente “em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau”. Quando questionados sobre suas nomeações, os prefeitos costumam responder que as secretarias, como cargos políticos, estão fora das regras contra o nepotismo. Mas no ano passado o ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspendeu a nomeação do irmão de Carlos Brandão (PSB), governador do Maranhão, ao secretariado do governo, por infringir o princípio da impessoalidade na administração pública.

Prefeitos de municípios pequenos alegam que não há grande disponibilidade de quadros qualificados para atuar no setor público, daí a necessidade de indicar parentes. O MP de São Paulo questiona uma lei municipal de Tupã, cidade de 64 mil habitantes a 514 quilômetros da capital, que permitiu a contratação pela Prefeitura de parentes do prefeito até o terceiro grau. O município atropelou, ao mesmo tempo, a Constituição, a súmula vinculante do STF e o decreto federal 7.203, de 2010, que também proíbe o nepotismo.

No mês que vem, o STF voltará ao assunto, ao decidir sobre a extensão da proibição do nepotismo. Tem sido comum assembleias legislativas nomearem mulheres de governadores para cargos vitalícios e bem remunerados em tribunais de contas estaduais. Espera-se que o Supremo estenda o entendimento a tais casos. Não importa o cargo. No próximo julgamento, a Corte terá de ser mais incisiva para evitar o uso do Estado para benefício privado dos políticos.

Salto da China em IA põe em xeque modelo das Big Techs

Valor Econômico

Ao criar uma IA generativa a um custo muito menor que os dos modelos comparáveis da OpenAI e da Meta, a DeepSeek derrubou a Nasdaq, fez a estrela do momento, a Nvidia, perder US$ 620 bilhões ao longo do pregão e mais: mostrou a possibilidade de que a China lidere a corrida do século

A Inteligência Artificial (IA) está no centro da revolução que começou a dirigir o presente, com repercussões ainda inimagináveis. Uma startup chinesa de 2 anos, a DeepSeek, desmanchou as certezas que se consolidavam, não só a tecnológica, mas também a política e a econômica. Ao criar um modelo rival de IA generativa eficiente a um custo muito menor que os dos modelos comparáveis da OpenAI e da Meta, ela derrubou a Nasdaq, fez a estrela do momento, a Nvidia, fabricante de chips, perder US$ 620 bilhões ao longo do pregão, e desvalorizou outras Big Techs. Mais: mostrou a possibilidade de que a China lidere a corrida do século, colocou em questão a escalada gigantesca de investimentos em data centers, indicou que os gastos com energia podem não ser tão monstruosos como as iniciativas americanas sugeriam e acentuou dúvidas sobre se a correção das bolsas americanas, que já vinham inquietando, terminou, estourando a bolha. Por fim, mostrou que o jogo da IA está só começando - não há uma rota predeterminada e os dominantes hoje podem ser tornar logo ultrapassados.

Os caminhos do DeepSeek-R1 foram traçados por um milionário chinês, Liang Wenfeng, que fez fortunas usando algoritmos para orientar investimentos em ações. Ele reuniu a competência de seus auxiliares de fazer dinheiro com a dos melhores especialistas das universidades chinesas, pagando os maiores salários da área de IA do país. “Essa equipe acreditou na visão de Liang: mostrar ao mundo que os chineses podem ser criativos e construir algo do zero”, disse um de seus conhecidos ao “Financial Times”, ontem. A história não é exatamente essa, assim como não se conhecem em detalhes os custos embutidos na confecção do R1, mas são muito verossímeis ou aproximados.

Para colocar o R1 na praça, a DeepSeek alega ter gastado US$ 5,6 milhões para treinar modelos com 671 bilhões de parâmetros. Especialistas apontam que esses gastos são 1/20 a 1/30 dos modelos equivalentes desenvolvidos por OpenAI e Meta. Wenfeng foi tido como milionário exótico ao comprar milhares de chips da Nvidia para desenvolver sua empresa. No meio da rota, os EUA proibiram a venda dos modelos mais sofisticados. Diz a versão de chineses que foram, então, usados chips domésticos, que o batalhão de engenheiros e pesquisadores da DeepSeek já sabia como destravar seu potencial. Outros especialistas apontam que na corrida pelo IA os que vão chegando depois têm a vantagem do aprendizado: conseguem fazer mais e ir mais longe com economia de custos.

Não se sabe o futuro que a tecnologia tomará, mas ela influenciará o rumo da disputa entre EUA e China, as atitudes do presidente Donald Trump em relação a Pequim e, talvez, os rumos de curto prazo da Bolsa americana. Pela primeira vez colocou-se em dúvida, com um exemplo concreto, que o rumo que as bilionárias Big Techs americanas vinham seguindo pode não ser o melhor, nem o mais eficiente, e, igualmente importante, nem tão caro e devorador de energia e água como os data centers que se espalham pelo mundo.

Especulando sobre as mudanças que a DeepSeek pode trazer, e supondo verdadeiras as informações do R1, Tetsuya Wadaki, do Morgan Stanley, imagina que elas podem mudar radicalmente a forma da indústria e o uso dessa tecnologia. “A IA generativa poderia rodar eventualmente em computadores cada vez menores, de supercomputadores para estações de trabalho e PCs, barateando notavelmente os preços, e ampliando sua demanda e também a dos fabricantes de chips e de equipamentos”. (FT, ontem).

Há dúvidas mais presentes. As quedas na S&P 500, na qual as 7 Big Techs somam um terço do índice, e na Nasdaq ressuscitaram o temor, já bastante difundido, de que o festival de valorização acionária americana pode ter chegado ao fim. É cedo, no entanto, para dizer. Analistas avaliaram que tomaram surra ontem a Nvidia, as demais Big Techs e setores correlatos, como os de energia e construção (data centers). As ações de pequenas empresas mal se moveram e as de outros setores tiveram perdas pequenas.

Mas o susto foi de bom tamanho. O “índice do medo”, o Vix, chegou aos 20 pontos, perto do patamar da guinada do Fed em dezembro, quando assinalou menos cortes de juros. Os juros dos títulos do Tesouro dos EUA chegaram a recuar um pouco, e investidores começaram a especular que, se as bolsas entrassem em correção, o Fed deveria acelerar a baixa dos fed funds. Estrategista global do Bank of America, Elyas Galou disse que nas ações “a concentração tem sido extrema, a valoração tem sido extrema, e assistimos ao primeiro ingrediente de uma mudança de longo prazo que não se refere só às techs ou ativos americanos” (FT).

Especialistas chineses, como Angela Zhang, dizem que a DeepSeek não é uma estranha no ninho, e que há muitas outras que podem fazer novas e rápidas incursões na tecnologia de IA. Outros apontaram que os avanços da China não foram acidentes, mas estimulados pela escalada de restrições de exportações colocadas pelos EUA. O futuro é imprevisível, mas os chineses podem ter dado um golpe fundo na estratégia de Trump, ao jeito deles - em silêncio.

Petro deu a Trump oportunidade para bravatear

Folha de S. Paulo

Presidente colombiano politiza deportações, mas recua; Brasil reclama de algemas, usadas por governos anteriores dos EUA

Começou mal a relação entre a nova administração de Donald Trump e a América Latina. Na primeira crise regional, passada apenas uma semana do mandato do republicano, o poderio da Casa Branca se impôs de modo agressivo ante uma tentativa do governo da Colômbia de fazer política com um transtorno conhecido.

No domingo (26), o presidente colombiano, o esquerdista Gustavo Petro, impediu dois cargueiros americanos de pousar em seu país. Eles transportavam imigrantes ilegais da nação andina, em uma missão típica de repatriação, quando os escoltados ficam algemados e com correntes nos pés.

Petro dava sequência ao barulho feito na véspera pelo governo brasileiro, que se queixou das condições de 88 deportados em um avião fretado que pousou em Manaus e seguiria para Belo Horizonte. A aeronave apresentou falha, e os passageiros desceram à pista exibindo seus grilhões.

O Brasil reclamou, mas o fato é que acordo de 2021 com os EUA permite a prática, que nada tem de indefensável no contexto da condução de dezenas de pessoas por poucos agentes. Já os relatos de maus-tratos, por óbvio, são outra história.

O padrão também ocorria na Colômbia, que de resto viu repatriadas milhares de pessoas no passado recente sem nenhuma queixa oficial. Petro, que assumiu o poder em 2022 após uma carreira marcada por críticas à longeva aliança estabelecida entre Washington e Bogotá, viu uma chance de explorar a desconfiança global quanto à conduta de Trump.

Ao fazer os dois gigantescos aviões retornarem, talvez o presidente tenha achado que recuperaria alguns pontos de sua dilapidada popularidade. Pode ser, mas ofereceu a Trump uma oportunidade única para tratorá-lo. O republicano anunciou a elevação de tarifas de importação de bens colombianos, além de restrições à emissão de vistos.

Para os americanos, seria um pequeno incômodo numa relação azeitada por um acordo de livre comércio. Já para o país de Petro, poderia configurar desastre.

Em questão de horas, o esquerdista baixou a guarda e aceitou os termos americanos. O episódio deu a Trump uma vitória fácil para exibir nas redes à sua base fanatizada. "Os eventos de hoje deixam claro ao mundo que os EUA são respeitados de novo", bravateou a Casa Branca.

A cautela que o Itamaraty impôs ao voluntarismo inicial do Ministério da Justiça no caso brasileiro sugere que aqui os riscos reais foram considerados de modo mais profissional.

Está claro que Trump quer dar exemplos do que considera supremacia americana —desde que o adversário seja bem mais fraco, que o digam o Panamá e seu canal, ou a Dinamarca e sua cobiçada Groenlândia.

Resta saber como irá se comportar na hora da disputa com a real nêmesis, a China, a quem até agora só dedicou boas palavras, para surpresa de muitos.

O assédio infernal do telemarketing

Folha de S. Paulo

Relatório da Anatel mostra aumento de chamadas importunas bloqueadas; é preciso endurecer regulação e fiscalização

Mais um levantamento mostra que o brasileiro padece com o uso abusivo do telemarketing por meio do celular e que empresas não estão cumprindo normas que visam conter esse tipo de assédio.

Segundo relatório da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) entregue ao Comitê de Defesa dos Usuários de Serviços de Telecomunicações (Cdust), a entidade bloqueou 82,52 bilhões de ligações importunas entre janeiro e julho de 2024, ante 76,11 bilhões entre junho e dezembro de 2023 —apesar de o número total de chamadas na rede ter se mantido estável no período.

De junho de 2022, quando a Anatel adotou medidas para restringir a prática, a dezembro de 2024 foram 184,9 bilhões de chamadas importunas bloqueadas, e estima-se que esse montante representa 85% das ligações abusivas. O que significa que, no período, cerca de 32,6 bilhões delas chegaram ao aparelhos celulares dos brasileiros, numa média de mais de 1 bilhão por mês.

No ranking realizado pelo aplicativo Truecaller em 2021, o Brasil ficou na vexatória pior posição, com 32,9 ligações indesejadas ao mês por usuário. Isso equivaleria a algo em torno de 10 bilhões de chamadas do tipo por mês.

A Anatel, entretanto, não considera esse indicador em sua avaliação porque, segundo seus critérios, a importunação ocorre quando a empresa realiza ao menos 100 mil ligações diárias. Nesse caso, ela precisa usar o prefixo de identificação 0303.

Em setembro do ano passado, a agência expandiu essa obrigatoriedade para o patamar de 10 mil ligações —incluindo ainda outras atividades que geram grande volume de chamadas, como cobranças e pedidos de doação. A data para a entrada em vigor da norma com o novo parâmetro, 5 de janeiro deste 2025, foi postergada por 90 dias a pedido das operadoras, no entanto.

Outro recurso para coibir o assédio é o site Não me Perturbe, no qual consumidores se cadastram para não serem importunados.

Mas, como indicam os número dos relatório da Anatel e condenações de operadoras de telecomunicações na Justiça, tanto o prefixo 0303 como o Não me Perturbe não têm sido respeitados.

A agência afirma ter aplicado R$ 32 milhões em multas, em 24 processos administrativos, e bloqueado 1.041 usuários de serviços de telecomunicação. Os dados, confuto, evidenciam que ainda é necessário endurecer a regulação e a fiscalização.

O poder público precisa agir com firmeza e unir esforços para trazer um pouco de paz aos telefones dos brasileiros.

Lula impopular é um perigo

O Estado de S. Paulo

Pesquisa aponta derretimento da aprovação ao presidente, sobretudo no Nordeste e entre a população de baixa renda, o que deve fazer o governo acelerar medidas demagógicas

Uma pesquisa da Genial/Quaest divulgada ontem trouxe más notícias para o governo do presidente Lula da Silva. Na comparação com o último levantamento, realizado em dezembro, a aprovação ao petista caiu 5 pontos porcentuais, de 52% para 47%, e pela primeira vez ficou atrás do porcentual dos que reprovam a atual gestão, com evidente viés de baixa para o governo.

Trata-se da mais significativa desaprovação ao trabalho de Lula desde o início do terceiro mandato, resultado até natural ante a corrosão constante de sua popularidade, que os petistas invariavelmente creditam aos culpados habituais – a alegada desordem deixada pelo antecessor, Jair Bolsonaro, as fake news e as big techs, a comunicação do governo e uma suposta incapacidade da população de perceber as virtudes do atual governo.

A notícia mais dura para o presidente Lula, porém, vem dos grupos em que a deterioração da popularidade apareceu com mais força: no Nordeste, tradicional reduto do presidente, onde o governo perdeu quase 10 pontos porcentuais de aprovação, e na população de baixa renda (-7 pontos) e renda média (-5 pontos). Mais: metade acredita que o País está na direção errada, e 65% acham que Lula não conseguiu cumprir suas promessas de campanha.

Ou seja, há uma fratura naquela que é a maior base social do presidente e, para piorar, o atual governo está produzindo frustração nos brasileiros em vez de incutir-lhes esperança de melhorar de vida. Um desalento que emerge não de alguma perversa conspiração da mídia ou do mercado financeiro, tampouco de uma eventual máquina de desinformação da extrema direita. É, isso sim, o retrato da vida real, cuja raiz é uma só: a inépcia de Lula e sua incapacidade de entender as aflições do Brasil que governa.

Não se gastaria tempo e esforço neste espaço se a revelação dos números servisse apenas para perturbar o humor presidencial, habituado aos aplausos frequentes que recebe dos sabujos palacianos. O problema vai além de Lula e dos morubixabas petistas, que até hoje têm a mais plena convicção de que as dificuldades com a popularidade decorrem de mentiras e desinformações que impedem que as ações do governo cheguem à população. Ocorre que ninguém que torce pelo Brasil pode sentir-se bem diante do fato de que apenas 25% dos brasileiros reconhecem que a economia melhorou no último ano e que, portanto, a percepção popular sobre a situação econômica continua majoritariamente negativa. Ou que apenas 39% acreditam que o País esteja na direção certa, que o aumento dos preços dos alimentos passou a ser uma tormenta e que a economia, mesmo malvista pela população, foi ultrapassada pela violência na lista de temas que inquietam os eleitores.

Tão sério quanto essas evidências é o risco embutido na pressa de Lula para mudar os números de sua popularidade e, sobretudo, garantir a viabilidade de sua reeleição em 2026. Afinal, se já é mau sinal quando as pesquisas de opinião pública ditam os rumos e a ansiedade de um governo e de um presidente, torna-se um perigo para a população ter um Lula obcecado com a popularidade, inconformado com a desaprovação e ansioso pela eleição. Para o presidente, como se sabe, é algo rotineiramente menor avaliar e aperfeiçoar programas, ajustar a gestão, corrigir rotas ou modelos que não mais funcionam. É o que fazem bons governantes. Mas, como bom demagogo, Lula tem a indisfarçável ambição de quem se enxerga um mítico representante dos interesses do povo e, como tal, em situações de crise, recuperar o amor popular significa escolher atalhos populistas, capazes de gerar resultados vistosos no curto prazo e devastadores no longo.

Sempre que precisou escolher entre a responsabilidade e a popularidade, Lula nunca titubeou. Donde se conclui que os números revelados pela Quaest certamente servirão de pretexto para ampliar o arsenal de estultices produzidas pelo governo, desde “intervenção” nos preços até guerra de araque contra as big techs. Serão dois longos anos pela frente.

A ‘doutrina Trump’ em tempo real

O Estado de S. Paulo

O entrevero com a Colômbia ilustra a nova política externa dos EUA e suas consequências: tensões comerciais economicamente injustificáveis que empobrecem todo mundo e alienam aliados

No domingo, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, anunciou nas redes sociais que se recusaria a receber aviões militares americanos com deportados colombianos até que fossem tratados com “dignidade e respeito”. Imediatamente, o presidente americano, Donald Trump, respondeu em seus próprios perfis que os EUA imporiam tarifas de 25% sobre as importações colombianas e as aumentariam em 50% a cada semana, além de impor sanções financeiras e banir vistos a membros do governo daquele país. Petro disse que não apertaria as mãos de “escravizadores brancos” e chegou a ameaçar com suas próprias tarifas, mas, pouco depois, o chanceler colombiano declarou que o impasse estava resolvido e que um avião presidencial seria disponibilizado para garantir condições dignas aos imigrantes. A Casa Branca suspendeu as tarifas e acrescentou: “Os eventos de hoje tornam claro ao mundo que os EUA são respeitados de novo”.

Foi uma oportunidade de ver em tempo real a “doutrina Trump” e suas consequências: medidas econômicas como arma de coerção política; retórica superaquecida; troca de farpas em redes sociais; ameaças desproporcionais; desrespeito a princípios tradicionais da política externa americana e a tratados bilaterais; e, se necessário, alienação de seus aliados.

Os EUA são o principal comprador das exportações da Colômbia. Pelas contas do Kiel Institute, as tarifas de 25% causariam um choque de 0,4% a 0,6% no PIB anual do país. Mas a Colômbia, por sua vez, é o principal mercado sul-americano para produtos agrícolas dos EUA. Mais importante, é o país que tem a parceria estratégica mais longa e profunda com os EUA na América do Sul.

Este episódio em particular talvez esteja encerrado, mas Trump prometeu impor tarifas de 25% sobre o México e o Canadá ainda em fevereiro. “Essas tarifas permanecerão em vigor até que as drogas, em particular o fentanil, e todos os imigrantes ilegais parem a invasão do nosso país”, disse em novembro. O que chama a atenção de pronto é que essas ameaças não têm nada a ver com pretextos tradicionais para esse tipo de retaliação, como “dumping”, danos econômicos ou riscos à segurança nacional. Trump ameaça dois vizinhos e aliados com sanções econômicas se eles não o ajudarem a resolver um problema doméstico dos EUA.

Uma questão é até que ponto essas estratégias são eficazes para atingir seus objetivos políticos. Outra é até que ponto elas impõem custos aos próprios americanos.

Começando pela segunda, dois séculos de experiência mostram que tarifas são basicamente um imposto repassado aos consumidores. Elas protegem algumas indústrias, mas impõem custos de importação à maioria. A curto prazo têm um efeito inflacionário; a longo, inibem a inovação e a produtividade.

Elas podem ser justificadas em casos específicos de segurança nacional ou para retaliar práticas comerciais desleais. Mas o uso que Trump pretende dar a elas vai muito além disso e, além de seus impactos econômicos, ele passa aos aliados e parceiros comerciais dos EUA a mensagem de que o país não é confiável. Adversários como China e Rússia certamente cortejarão os países agredidos por Trump com promessas de um mercado exportador mais seguro.

A tendência é que a diplomacia truculenta de Trump cause na América Latina o que a agressividade da China causou na Ásia: a alienação de aliados, sua remilitarização e a aproximação de potências rivais.

É um argumento com pouca aderência para Trump e ninguém sabe o que virá nos próximos meses. Por ora, Trump se sente particularmente empoderado e um sentimento de húbris domina o movimento MAGA. Mas é provável que sua mania tarifária seja contida pela própria realidade doméstica. O Congresso conferiu poderes demais aos presidentes americanos, mas os mercados devem oferecer seus próprios freios e contrapesos, e os americanos, mais cedo do que tarde – como é comum em segundos mandatos –, repudiarão rupturas que não se traduzam em uma prosperidade que todos possam compartilhar.

Para aliados e parceiros comerciais, como o Brasil, é hora de manter o sangue-frio, escolher as brigas certas e evitar distrações com os elementos mais performáticos da doutrina Trump. Mas é hora também de se preparar para diversificar suas alianças e parcerias.

Discurso fajuto

O Estado de S. Paulo

No governo que se jacta de defender minorias, empilham-se denúncias de assédio a mulheres

Mal passou o desgaste das suspeitas de assédio sexual contra o então ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, demitido por isso em setembro do ano passado, o governo Lula da Silva enfrenta agora outra crise em um Ministério ligado às causas mais caras à esquerda. Desta vez, surgiram denúncias de assédio moral, xenofobia e racismo contra o primeiro escalão do Ministério das Mulheres, comandado por Cida Gonçalves.

O Estadão revelou que ex-servidoras fizeram denúncias formais que foram encaminhadas à Controladoria-Geral da União (CGU) e à Comissão de Ética Pública da Presidência da República. A reportagem teve acesso a cinco queixas e três gravações de reuniões internas feitas pelas denunciantes. Além de Cida, são alvo a secretária executiva, Maria Helena Guarezi, a corregedora interna, Dyleny Teixeira Alves da Silva, e a ex-diretora de Articulação Institucional Carla Ramos.

Segundo as denunciantes, a tensão começou após um desentendimento entre a ministra e a então secretária de Articulação Institucional, Ações Temáticas e Participação Política, Carmem Foro. Militante do PT no Pará, Carmem foi uma indicação do partido, e não da cota pessoal de Cida, que é indicada pela primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja.

Carmem foi exonerada em 9 de agosto do ano passado e, três dias depois, Cida comandou uma reunião, que foi gravada por servidoras, na qual deixou claro que o Ministério “tem hierarquia” e que sabe “o que acontece nos corredores”. E ainda fez uma declaração que foi interpretada como ultimato: “Pode ser que boa parte de vocês também pode sair ou não”. Pelas gravações, Cida insistiu em dizer que é ela quem manda, porque, afinal, “enquanto estiver” na pasta, tem “autoridade de ministra”. Além disso, segundo as denúncias, havia cobrança de trabalho em prazo exíguo, tratamento hostil, manifestações de preconceito e gritos.

Se essas atitudes da ministra e de algumas de suas auxiliares configuram assédio, somente as investigações e eventualmente a Justiça poderão determinar. O caso, porém, é relevante porque mostra a distância colossal entre o discurso petista em defesa de mulheres e outras minorias e a prática de uma administração sob cujas barbas se empilham denúncias de assédio contra mulheres.

A rigor, nada disso deveria surpreender. Embora faça praça de sua advocacia em favor das minorias, sobretudo das mulheres, o governo de Lula da Silva, na prática, jamais as colocou em primeiro lugar. Até aqui, neste terceiro mandato, Lula só nomeou homens para o Supremo Tribunal Federal. Seus ministros mais próximos são todos homens. A formação inicial de seu Ministério tinha mulheres como titulares em apenas um terço das pastas. Uma dessas poucas ministras, a ex-atleta Ana Moser, logo foi trocada por um homem, André Fufuca, para satisfazer acordos políticos.

Ou seja, o governo Lula, a começar pelo presidente, capricha na retórica de defesa das minorias, explorando estridentemente essa causa para fins políticos, enquanto demonstra inaceitável desleixo quando se trata de garantir que essas mesmas minorias não sejam vítimas de assédio em seus próprios gabinetes.

Falha estrutural no combate à violência contra os trans

Correio Braziliense

O Brasil é o que mais mata transexuais no mundo há 16 anos consecutivos, sem ter conseguido, no período, desenvolver medidas que, de fato, reduzissem a violência em todas as suas formas e promovessem a inclusão dessa comunidade

A cada três dias de 2024, uma pessoa trans ou travesti foi assassinada, em média, no Brasil. Crimes, na maioria dos casos, com "requintes de crueldade" e praticados em espaços públicos. Para qualquer um ver, evidenciando um histórico de preconceito e violência tão enraizado na sociedade brasileira que consolida o país em vergonhosa liderança mundial. O Brasil é o que mais mata transexuais no mundo há 16 anos consecutivos, sem ter conseguido, no período, desenvolver medidas que, de fato, reduzissem a violência em todas as suas formas e promovessem a inclusão dessa comunidade. 

Os dados fazem parte da versão mais recente do relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), divulgado nesta segunda-feira. Houve uma queda no assassinato de pessoas trans e travestis em relação a 2023, 122 contra 145, mas sem alterar siginificativamente o fluxo de oscilações contabilizado na última década pela entidade — o menor número foi o de 2015 (118) e o maior o de 2017 (181). Há de se considerar que a falta de notificação e o despreparo dos agentes de segurança para lidar com os casos escondem os reais números da violência contra essa população. 

Os números do relatório da Antra sinalizam nesse sentido. Segundo a entidade, as unidades da Federação com os maiores índices de assassinato são também onde existem mais resistência à implementação de políticas públicas que assegurem o respeito aos direitos de trans e travestis. São Paulo lidera o ranking de 2024 com 16 casos, seguido de Minas Gerais (12), Ceará (11) e Rio de Janeiro (10). Todos esses estados estão no topo dos últimos cinco relatórios divulgados. O DF tem um caso citado no documento mais recente. O assassinato, porém, deu-se dentro da penitenciária Papuda, local em que o Estado tem por obrigação garantir a integridade física e moral de seus ocupantes.

Especialistas falam que impera no país uma espécie de exclusão dos sistemas de proteção do Estado, o que favorece a sensação de impunidade aos crimes cometidos. Nesse contexto, é de se comemorar o aumento das denúncias de violência contra a população trans recebidas pelo Disque 100 em 2024. O número é 45% maior que o do ano anterior e tem como grande impulsionador as mudanças na metodologia adotadas pelo governo Lula — a gestão Bolsonaro excluiu a categoria "identidade de gênero" nos registros.  É, porém, apenas um avanço diante de toda uma estrutura que impede que trans e travestis sejam tratados como cidadãos de direito, com porta-vozes ocupando, inclusive, as tribunas do poder.

Também ressoam sem desembaraços os discursos transfóbicos por outras partes do continente. Donald Trump parece estar em uma cruzada contra a comunidade — ordenou, no primeiro dia de mandato, que o governo passasse a reconhecer apenas dois gêneros. Na mesma linha, Javier Milei, na Argentina, prepara um projeto de lei para acabar com documentos de identidade não binários, entre outros descalabros. 

É indiscutível a influência desses líderes para a intensificação dos discursos de ódios para além dos territórios em que dirigem. Até porque suas gestões parecem contar com o apoio de ícones da tecnologia, como sinaliza a presença em massa dos CEOs das big techs na posse recente de Trump. Em um momento em que o governo brasileiro insiste tanto, acertadamente, na defesa da democracia, é preciso também que dê o exemplo. Um dos pilares do regime democrático é a proteção dos direitos das minorias. Com relação à comunidade trans e travesti, o Brasil acumula falhas e omissões.

 


 

 

 

Nenhum comentário: