sexta-feira, 2 de maio de 2025

Ausência estratégica - Bernardo Mello Franco

O Globo

Pela primeira vez desde que voltou ao poder, Lula faltou aos atos do Dia do Trabalhador. O presidente despontou como líder operário, ajudou a fundar a CUT e comanda o maior partido de esquerda do país. Ontem preferiu fugir do palanque do 1º de Maio.

Foi uma ausência estratégica. O petista temia repetir o fiasco de 2024, quando discursou para menos de 2 mil pessoas. Irritado, ele repreendeu o ministro Márcio Macêdo e disse que o ato teria sido “mal convocado”. Pode ser, mas isso não explica tudo.

O sindicalismo vive uma crise estrutural, que reflete as mudanças no mundo do trabalho. As fábricas se esvaziaram por causa da automação e da concorrência com a China. Os trabalhadores se espalharam e perderam a fé nas lutas coletivas.

O fim do imposto sindical depenou os cofres das centrais, que ficaram sem capacidade de mobilização. O quadro se completou com o avanço do discurso individualista que demoniza a carteira assinada e ilude trabalhadores com a ideia de que todos podem enriquecer por conta própria.

O governo só entendeu o tamanho da encrenca ao fracassar na tentativa de regular o mercado de aplicativos. Motoristas e entregadores resistiram à proposta que poderia beneficiá-los. Em parte, por acreditarem na propaganda que confunde precarização com empreendedorismo.

Se a ida de Lula ao 1º de Maio já balançava, o escândalo do INSS a tornou uma operação de altíssimo risco. O caso trouxe à tona um esquema de desvios bilionários de aposentadorias. O dinheiro foi sugado por sindicatos picaretas em conluio com lobistas e servidores corruptos.

Ainda que os culpados sejam punidos individualmente, a fraude tende a aumentar o ambiente de descrédito geral do sindicalismo.

Depois de uma semana sem se manifestar, Lula quebrou o silêncio no pronunciamento de quarta na TV. Em apenas 26 segundos, exaltou a Polícia Federal e disse que o governo “desmontou” o esquema criminoso iniciado na gestão passada. Faltou acrescentar que os descontos só aumentaram em seu governo, sob as barbas do INSS e do Ministério da Previdência.

O Planalto quer estancar a crise, mas ainda tem muitas explicações a dar. E a ausência do presidente no 1º de Maio não fará o caso sumir de cena.

 

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