sexta-feira, 2 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Trump já colhe resultado do caos que semeou

O Globo

Com as tarifas, PIB americano encolhe, Bolsas desabam, empresas registram menos vendas e mais custos

Em meros cem dias de seu segundo mandato, Donald Trump semeou o caos com barreiras comerciais e decisões erráticas. Não demorou a colher o resultado. O Produto Interno Bruto (PIB) americano sofreu contração de 0,3% no primeiro trimestre. A confiança dos consumidores atingiu em abril o menor nível em cinco anos. A rede de lanchonetes McDonald’s sofreu a maior queda nas vendas desde os piores tempos da Covid-19. A General Motors prevê redução nos lucros de 2025 entre US$ 4 bilhões e US$ 5 bilhões em consequência das tarifas. Desde a posse de Trump, mais de US$ 6,5 trilhões viraram pó nas Bolsas de Valores — pior desempenho dos mercados para um início de mandato desde 1974, quando Gerald Ford assumiu após a renúncia de Richard Nixon. Trump não tem ninguém mais a culpar por tudo isso além de si mesmo.

Como se trata da maior economia mundial, as decisões da Casa Branca reverberam mundo afora. O Banco Central do Japão reduziu sua previsão de crescimento para 2025 a menos da metade — a expectativa de 1,1% deu lugar a magro 0,5%. Nas próximas semanas, é provável que mais países façam o mesmo. Em abril, o Fundo Monetário Internacional reduziu a estimativa para o PIB de todos os integrantes do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) e das principais economias emergentes: África do Sul, Brasil, China e Índia.

Para que lado Trump irá agora? Só ele sabe — se é que sabe. Alguns caminhos são menos ruins, mas nenhum devolverá o mundo ao lugar onde estava. Há um mês, Trump promoveu o maior choque tarifário da História americana. No anúncio, empunhava uma placa com os países atingidos e percentuais associados. Não havia ordem alfabética, ordem crescente ou decrescente, muito menos lógica. Até ilhas povoadas por pinguins foram afetadas. Nenhum economista sério viu nexo na fórmula usada para definir as tarifas. Uma semana depois, ele deu meia-volta e suspendeu por 90 dias as alíquotas mais altas (manteve 10% para todos, com exceção da China). Nesta semana, mais uma vez retrocedeu, relaxando tarifas do setor automotivo.

O mais provável é que Trump busque acelerar acordos com as maiores economias, tentando vender a ideia de que tudo não passou de estratégia de negociação. Na quinta-feira, a imprensa oficial chinesa começou a dar sinais de estar aberta a conversas. O tom foi diferente do usado na semana passada, quando o Ministério do Comércio exigiu corte considerável das tarifas antes de abrir o diálogo. Se fechados, esses acordos seriam uma alternativa menos traumática, mas de qualquer forma haverá dor, porque as alíquotas não voltarão ao que eram — e ninguém mais terá confiança no que estiver decidido.

Diante da reação negativa, Trump elegeu Jerome Powell, presidente do banco central americano, o Fed, como bode expiatório. Com uma estratégia de morde e assopra, o acusa injustamente de ser culpado pela freada na economia, ao não reduzir os juros. Noutra tentativa de esconder os fatos, ligou para Jeff Bezos depois de a Amazon informar que apresentaria nas notas fiscais valores pagos em razão do aumento das tarifas. Com a pressão, Bezos recuou. Enquanto isso, os novos empregos prometidos na indústria — pretexto para o tarifaço — continuam nos sonhos. As únicas certezas são a freada na economia e a aceleração da inflação. E não só nos Estados Unidos.

Suspeita de corrupção em tribunais exige apuração e punição exemplares

O Globo

PF concluiu que sete desembargadores e um conselheiro do TCE de Mato Grosso do Sul vendiam sentenças

A Polícia Federal (PF) concluiu haver provas de que sete desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS) e um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MS) vendiam sentenças. A acusação, enviada ao Supremo Tribunal Federal, levou o ministro Cristiano Zanin, relator do caso, a prorrogar o afastamento por mais 180 dias dos desembargadores Alexandre Aguiar Bastos, Marcos José de Brito Rodrigues, Sérgio Fernandes Martins, Sideni Soncini Pimentel, Vladimir Abreu da Silva e do conselheiro do TCE-MS Osmar Jeronymo. Também são acusados os desembargadores aposentados Júlio Roberto Siqueira Cardoso e Divoncir Schreiner Maran.

Todos negam as acusações e devem ter amplo direito de defesa durante o processo. Ninguém pode ser condenado antes do exame exaustivo das provas, mas é fundamental que sejam julgados com rigor. Toda vez que têm a oportunidade de julgar seus pares, juízes podem contribuir para fortalecer o Poder Judiciário e afastar o espectro do corporativismo que infelizmente continua a assombrá-lo.

Num país conhecido por leis e burocracia labirínticas, são inúmeros os caminhos para a venda de facilidades nos balcões do Estado. A investigação sobre os desembargadores, batizada Operação Ultima Ratio — princípio segundo o qual a Justiça é o último recurso do poder público para estancar a criminalidade —, surgiu como desdobramento da Operação Mineração de Ouro, de 2021, criada para apurar a participação de conselheiros do TCE-MS em fraudes em licitações, superfaturamento de obras e desvio de dinheiro público. Na ocasião pelo menos três conselheiros foram afastados, e o processo foi enviado ao Superior Tribunal de Justiça. Mandados de busca e apreensão encontraram R$ 1,6 milhão, dólares, euros e libras.

No caso agora sob investigação, a PF afirma que filhos de desembargadores usavam seus escritórios de advocacia para dificultar o rastreamento das propinas. A filha do desembargador Pimentel é acusada de ter recebido R$ 920 mil porque seu pai, com os desembargadores Cardoso e Abreu da Silva, permitiu a venda de uma fazenda em inventário. A quebra do sigilo telefônico de pais e filhos desvendou o esquema. Também constam do inquérito da PF suspeitas contra os desembargadores Maran e Brito numa disputa judicial em torno de um terreno no estado. O relatório traz mensagens de texto e áudio em que são combinadas sentenças. Há ainda a participação de um advogado, considerado operador do esquema. Além de praticar extorsões, ele também é acusado de falsificar a escritura de uma propriedade.

Toda investigação de crimes relacionados ao desvio de dinheiro público tem importância especial. Mas o crime de corrupção se torna ainda mais condenável quando cometido nos tribunais, onde os conflitos na sociedade devem ser decididos com base nas leis, ou em tribunais de contas, guardiões da lisura nos gastos públicos. Por isso, uma vez comprovado, a punição precisa ser exemplar.

Aos 25 anos, comprometido com a ética e a excelência

Valor Econômico

O jornal se guia por princípios estritamente democráticos e pluralistas, que segue à risca

Um quarto de século se passou desde que o Valor Econômico estreou, em 2 de maio de 2000, e, em retrospectiva, o mundo passou por várias revoluções desde aquela época. Uma das boas maneiras de entendê-las foi e continua sendo acompanhar seus reflexos nas páginas do jornal. Nesse período, o Valor consolidou sua posição como principal leitura para quem faz da economia sua profissão ou seu hobby e ampliou seu raio de ação em várias mídias.

Quando o Valor surgiu, a China estava apenas começando a dar os passos que a levariam a ser a segunda potência econômica global - e um deles, fundamental, foi sua adesão à Organização Mundial do Comércio, no fim de 2001. A internet prometia elevar a comunicação global a um nível jamais visto, o que fez depois da grave crise das pontocom, com o crash da Nasdaq em março de 2000 e cujas consequências formaram um dos primeiros desafios da estreia do jornal, nascido dois meses depois.

O Brasil também era bem outro. Nunca o PT havia conquistado a Presidência, o que fez na eleição de 2002. Como prova de seu apartidarismo e pluralismo, o jornal estampou em seu primeiro número artigos do então presidente, Fernando Henrique Cardoso, e do futuro presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o primeiro operário que viria a ocupar o cargo. Fake news não passavam de boatos difundidos boca a boca. Golpes de Estado haviam sido enterrados - a democracia vigia havia 15 anos.

Foi em um ambiente democrático e cheio de promessas para o país - o Plano Real conseguira degolar a hiperinflação - que o Valor surgiu com uma abordagem aberta a um mundo em transformação. Já nasceu com seu site, algo pouco comum na época, apontando para canais multidirecionais de difusão de notícias. Embora seu foco fosse a economia, não se limitava a ela e não se constrangia de abordar todos os temas da vida política, social e cultural. A convicção de que a economia é apenas um dos aspectos - fundamentais - da vasta obra em construção das sociedades humanas se materializou em generosos espaços dedicados aos demais afazeres do espírito humano, tanto na cobertura cotidiana quanto no caderno EU& Fim de Semana, que tem uma legião de seguidores até hoje.

Não bastam talento e dedicação para realizar um bom jornal. É preciso ter princípios, que ordenam os esforços e a visão geral de mundo à qual os jornalistas se dedicarão. Desde seu enunciado no primeiro número, foram seguidos e tornaram-se uma bússola segura que ajudou o jornal e seus leitores a se guiar em um mundo complexo. Um dos fundamentais: “O Valor acredita que só numa sociedade politicamente organizada na forma da democracia representativa é possível florescer a atividade econômica em benefício do maior número de pessoas. Por isso, sua linha editorial vai sustentar as instituições democráticas e combater violações das liberdades civis”. Isso significa vigilância e denúncia da “injustiça, corrupção, violência, arbitrariedade, incompetência no trato dos assuntos públicos e qualquer outra prática que ameace a democracia”.

Seu desdobramento no campo econômico inclui a defesa da “liberdade dos indivíduos e das organizações de inovar, empreender e competir numa sociedade com economia de mercado aberta, em que o Estado concentre sua ação nas funções regulatórias e nos setores dos serviços públicos em que a iniciativa privada não tenha interesse ou condições de participar”. Como não há progresso real sem ampla liberdade de expressão e incentivos à multiplicidade de ideias, o Valor prometeu abrir suas páginas ao debate, “independentemente de suas próprias posições editoriais, que serão explicitadas com clareza neste espaço”.

Essa orientação pressupõe também que o jornal seja apartidário, não atrelado a governos, grupos econômicos, facções políticas e candidaturas. “O jornal só deve satisfações editoriais ao seu leitor e aos seus ideais”, resume a intenção inaugural do Valor, comprovada na prática e consumada em 25 anos de edição. Hoje, o Valor se norteia também por um código igualmente firme e ético, os Princípios Editoriais do Grupo Globo, do qual é 100% parte (até 2016, metade do jornal pertencia à Folha de S. Paulo).

Não há sociedade digna desse nome quando parte de seus cidadãos vive na miséria e gasta todas as suas energias para obter alimentação sempre incerta. Ou naquelas em que viceja o preconceito social, racial, sexual ou qualquer outro. O Valor defende os direitos humanos e, entre eles, a “garantia de acesso a condições dignas de vida para todos os cidadãos”. Hegel dizia que o jornal era “a oração da manhã do homem moderno”. Nossos “mandamentos” são estritamente democráticos e pluralistas. Pela reação positiva dos leitores, o júri decisivo, estamos seguindo-os à risca.

Emprego dá sinais de leve perda de vigor

Folha de S. Paulo

Desocupação vai a 7% no 1º trimestre, mas é a menor no período desde 2012; governo deve conter gastos para baixar juros

Após meses de altas seguidas dos juros e de um crescimento de 3,4% no ano passado, a economia brasileira parece dar sinais incipientes de desaceleração, um mal necessário para conter a inflação e estancar a escalada da taxa Selic, hoje em custosos 14,25% anuais.

A julgar pelos dados do mercado de trabalho, a política monetária restritiva mostra algum impacto. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o país registrou a criação de 71,6 mil empregos formais em março, muito abaixo das expectativas de analistas.

Na leitura do trimestre, a abertura acumulada de postos ficou em 456 mil, ante 533 mil no mesmo período de 2024.

A pesquisa de domicílios do IBGE também revela uma moderada acomodação, com a taxa de desocupação subindo ligeiramente para 7% nos primeiros três meses de 2025, uma leve alta em relação aos 6,8% da média do trimestre encerrado em fevereiro. Mesmo assim, trata-se da menor para o período desde 2012.

Ajustado por fatores sazonais, o desemprego tem se mantido estável em torno de 6,5% desde outubro do ano passado, tendo cessado a tendência de redução que vigorou por dois anos.

Em vez de aguardar os resultados da política monetária e contribuir —com controle de gastos— para a queda dos juros, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) demonstra ansiedade e opera na direção contrária ao implementar medidas de estímulo. É o caso do novo programa de crédito consignado, que amplia o acesso a empréstimos com desconto em folha para celetistas.

A expansão do crédito, embora estimule a atividade no curto prazo, dificulta o controle da inflação no atual contexto.

O mesmo vale para o acúmulo de despesas públicas fora do Orçamento, que o governo vem expandindo em vários programas.

É temerária essa conduta, ainda mais diante de um panorama global incerto. Na contenção dos preços, ao menos, a guerra comercial de Donald Trump pode ajudar. O temor de uma recessão econômica mundial, em tese, tem o potencial de baratear para o Brasil bens industriais e importados.

A incerteza derrubou as cotações do petróleo e é capaz de facilitar a valorização das moedas emergentes ante o dólar, reduzindo repasses internos de custos.

Não por acaso, estabilizaram-se as projeções de inflação, embora em patamar ainda alto —5,5% e 4,5% para este ano e 2026, respectivamente. Não se antevê convergência para a meta de 3% antes de meados de 2027.

Na soma geral, o mercado financeiro revisa para baixo sua estimativa de juros. Se há dois meses trabalhava-se com a taxa básica em 15,5% ao final do ciclo de elevação, agora já não se descarta que o pico fique inferior a 15% —um progresso, mesmo tímido.

A esta altura é fundamental consolidar a desinflação e abrir espaço para alívio monetário o quanto antes. Insistir em estímulos artificiais será um erro.

Equívoco na educação paulista

Folha de S. Paulo

Governo insiste no modelo cívico-militar e seleciona escolas com boas notas, desvirtuando objetivo de ajudar vulneráveis

Diante dos modestos indicadores da educação do estado de São Paulo, é temerário que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) insista em pautas bolsonaristas e no descaso com evidências.

Na segunda (28), foram anunciadas as 100 escolas estaduais que adotarão o modelo cívico-militar a partir do segundo semestre. Menos de 5% das mais de 5.500 unidades da rede (302) se interessaram pelo programa e só 132 conseguiram aval da comunidade escolar por meio de consulta pública. A partir desse montante, o governo fez sua seleção.

Tal modelo baseia-se na ideia equivocada de que a dura disciplina da caserna é capaz de melhorar a aprendizagem. Contudo sabe-se que as melhores notas nessas escolas têm origem em rígidos processo de seleção do alunado e no acesso a maiores volumes de verbas públicas.

O ensino continuará a cargo dos professores, e policiais militares da reserva serão contratados para atuar em segurança e projetos extracurriculares sobre civismo e direitos e deveres dos cidadãos. Para isso, receberão pagamentos de R$ 301,70 a cada jornada diária de 8 horas, podendo cumprir até 40 horas semanais. O gasto estimado pelo governo é de cerca de R$ 7,2 milhões.

Durante a discussão da proposta, em fevereiro de 2024, previu-se que o modelo seria implantado em escolas com baixos resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e localizadas em regiões de vulnerabilidade social.

Mas levantamento da Folha revelou que, das 100 unidades, apenas 22 não alcançaram as médias da edição mais recente do Ideb, com dados relativos a 2023, para o 9º ano do ensino fundamental (5,1) e o ensino médio (4,2).

Ademais, 90 atendem alunos de nível socioeconômico médio alto, segundo critérios do Ministério da Educação (MEC) —vivem em lares com mais de dois quartos, têm acesso a dois celulares com internet, wifi e carro, e os pais concluíram ao menos o ensino médio.

Um dos estados mais ricos do país ainda não conseguiu se recuperar dos efeitos da pandemia no setor. A nota do Ideb no final do ensino fundamental foi de 5,3 em 2019 para 5,1 em 2023; no ensino médio, passou de 4,3 para 4,2, ficando abaixo de estados mais pobres como Pará (4,3), Ceará (4,4) e Pernambuco (4,5).

O governo Tarcísio precisa escapar de fetiches ideológicos e investir em políticas baseadas em estudos técnicos —como a iniciativa de parcerias público-privadas em infraestrutura escolar. Ecos bolsonaristas não ajudarão a melhorar o quadro do ensino.

Lula não tem o que dizer aos trabalhadores

O Estado de S. Paulo

Incapaz de falar o idioma dos trabalhadores do século 21, o ex-líder sindical se ausentou do 1.º de Maio nas ruas e preferiu fazer propaganda demagógica de seu governo na TV

Os tradicionais atos de 1.º de Maio, Dia do Trabalho, contaram com uma ausência ilustre: o presidente Lula da Silva. Sua desistência foi creditada ao desejo de evitar um constrangimento igual ao do ano passado, quando discursou para um punhado de gatos-pingados – uma evidência de que a agenda política da esquerda e do PT, em particular, é tão vazia quanto a minguada plateia reunida naquele constrangedor evento.

Neste ano, como informou o Estadão, auxiliares aconselharam o presidente a não se expor novamente a um eventual fiasco. Enquanto isso, um bocado de trabalhadores compareceu ao ato das centrais sindicais na Praça Campo de Bagatelle, na zona norte de São Paulo. Eles certamente estavam mais interessados em preencher os cupons para concorrer ao sorteio de carros do que para ouvir o que os sindicalistas tinham para lhes dizer.

Não foi a primeira vez que o presidente se ausentou. Ele também não compareceu em 2007 e 2008, no seu segundo governo, e em 2023, primeiro ano do atual mandato. A falta de novidade, contudo, não significa que se trata de algo rotineiro. É, isso sim, uma ausência simbólica que, somada a outros sinais, escancara o tamanho da atual dificuldade de Lula, do governo, do PT e dos sindicatos em falar com os trabalhadores.

Para começo de conversa, a tal “classe trabalhadora” a que Lula e os sindicalistas se referem, como se ainda estivéssemos nos anos 1970, não existe mais. O que há hoje é uma teia complexa de distintos interesses, convicções e aspirações em diferentes categorias, modelos de trabalho e formas de lidar com o mundo e com a política.

Ocorre que o demiurgo petista ainda pensa como o sindicalista que eletrizava operários com seus discursos. Lula sabe – ou deveria saber – que o Brasil não é mais o mesmo daquela época, e que não se aproxima sequer do tempo em que o PT chegou ao poder pela primeira vez, mais de 20 anos atrás. Os trabalhadores também mudaram, fruto das profundas transformações não só nas relações de trabalho – antes baseadas na oposição entre patrões e empregados – como também na visão que os próprios trabalhadores passaram a ter tanto de si quanto dos sindicatos que pretendem representá-los.

Mas Lula acha que basta mobilizar a “classe trabalhadora” para que a mágica aconteça. No fiasco do 1.º de Maio do ano passado, ao se exasperar diante de uma plateia rarefeita, disse que o ato fora “mal convocado”. Na terça-feira passada, ao receber em Brasília líderes de centrais sindicais, cobrou-lhes que “ocupem mais as ruas”. Basta observar a imagem desse encontro para perceber o abismo geracional que há entre os líderes sindicais e os trabalhadores: nenhum deles ali, a começar por Lula, conhece o idioma do trabalho no século 21.

Sem ter o que dizer, o presidente concentrou-se então na agenda palaciana com os sindicalistas e no pronunciamento, na noite de quarta-feira, em rede nacional de rádio e TV. Recorreu ao clássico lulopetista: a demagogia. Defendeu a redução da jornada de trabalho sem redução de salário – ignorando a já baixíssima produtividade no Brasil – e a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais – aquele projeto cuja pretensão é taxar os mais ricos para compensar as perdas. Além disso, fez um inventário dos programas de incentivo a pequenas empresas e de renegociação de dívidas, tudo com estética de programa eleitoral, supervisionado pelo ministro e marqueteiro Sidônio Palmeira. Ali, os brasileiros sorriam – algo que não se reflete nas pesquisas de opinião sobre o governo Lula.

Ante trabalhadores que tocam um dobrado para encontrar a prosperidade, faltam ideias a Lula e seus exegetas para ajudá-los de fato. Se as tivesse, o presidente provavelmente teria estado em cima do palanque. Preferiu um pronunciamento protocolar, bem adequado a uma data convertida tão somente em mais um dia dedicado ao descanso para quem pode.

O exemplo deve vir do governo

O Estado de S. Paulo

A falta de recursos para o Pé-de-Meia é só mais um caso a ilustrar a recusa do Executivo em liderar um esforço fiscal que, para contar com os demais Poderes, deve começar por si próprio

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, parece bastante incomodado com os apelos que recebe sobre a necessidade de o governo agir com mais responsabilidade fiscal. Para ele, essas cobranças devem recair não apenas sobre o governo, mas também sobre o Legislativo e o Judiciário, cujas decisões nessa seara, em sua visão, podem ser tão ou mais prejudiciais que as do Executivo.

Para provar seu ponto, o ministro citou exemplos de despesas que foram criadas por aqueles dois Poderes nos últimos anos e que geraram R$ 200 bilhões à União sem que houvesse uma fonte de receitas para financiá-las. São elas as emendas impositivas, o reforço da verba do Fundeb, a mudança no pagamento dos precatórios e a chamada tese do século, por meio da qual o ICMS, um imposto estadual, foi retirado da base de cálculo do PIS/Cofins.

“Essa foi uma gastança que foi contratada quando? E a pessoa está preocupada com o Pé-de-Meia? Tem alguma coisa errada com o debate público”, afirmou, ao participar de um evento do mercado financeiro em São Paulo.

Foi, por óbvio, uma resposta às críticas que o governo tem recebido por não ter conseguido incluir no Orçamento a verba para o Pé-de-Meia, que paga bolsas a estudantes de baixa renda para incentivá-los a concluir o ensino médio. Neste ano, o programa custará R$ 12,5 bilhões, mas o Executivo previu apenas R$ 1 bilhão na peça orçamentária e pretende usar recursos de fundos privados para quitar o restante.

A declaração mostra que Haddad ainda não entendeu seu papel enquanto ministro da Fazenda. Como dono da chave do “cofre” do Executivo, cabe a ele dizer “não” quando todos buscam o “sim”. É dele, certamente, a tarefa mais difícil da Esplanada dos Ministérios, pois segurar gastos é algo que desagrada a colegas, parlamentares e até mesmo ao seu chefe, o presidente da República.

Como mostram os indicadores econômicos, Haddad não tem sido muito bem-sucedido nessa missão. Seu arcabouço fiscal, apresentado no início de 2023, não tem sido suficiente para conter a trajetória da dívida pública e terá vida ainda mais curta que a de seu antecessor, o teto de gastos.

A morte precoce da âncora fiscal, por sinal, não foi mau agouro da oposição. Foi a ministra do Planejamento, Simone Tebet, quem disse que o próximo presidente, seja ele quem for, não conseguirá governar o País com o arcabouço sem gerar inflação, elevar a dívida e prejudicar a economia.

O arcabouço fiscal do ministro já era demasiadamente frouxo desde o nascedouro, e nem teria como ser diferente. O governo, afinal, só apresentou a âncora fiscal depois que aprovou a emenda constitucional da transição, que elevou os gastos do Orçamento em quase R$ 170 bilhões.

Em meio às negociações para aprovar a nova âncora fiscal, foram os parlamentares do PT que trabalharam com afinco para enfraquecê-la ainda mais ao retirar duas das principais despesas do governo de seu alcance: os pisos constitucionais da Saúde e da Educação, que voltaram a ser vinculados às receitas, e o salário mínimo, que passou a ter reajustes acima da inflação.

Esses gastos tiveram impacto muito mais relevante do que o que o Pé-de-Meia causaria ao Orçamento. Mais do que isso, eles contribuíram de maneira fundamental para reduzir o já diminuto espaço para gastos discricionários no qual as bolsas estudantis seriam incluídas. Convenientemente, esse contexto não foi mencionado por Haddad, que discorreu sobre o assunto como se fosse um mero observador das contas públicas.

De fato, o Congresso teria muito a contribuir com o cenário fiscal se assumisse a responsabilidade de criar receitas para cobrir a perda de arrecadação de cada incentivo que aprovasse. Da mesma forma, o Judiciário ajudaria se parasse de criar penduricalhos isentos de Imposto de Renda para driblar o teto remuneratório.

O problema não é o Pé-de-Meia, tanto que este jornal reconheceu o mérito da iniciativa desde seu anúncio pelo governo. O problema é que o Pé-de-Meia é só mais um exemplo a ilustrar a recusa do governo em dar o exemplo e liderar um esforço fiscal que, para contar com a adesão dos demais Poderes, deve começar por si próprio.

Hora de repensar o BPC

O Estado de S. Paulo

Auxílio a idosos e deficientes deve ter critério realista para garantir manutenção futura

Programa assistencial dedicado a dotar de renda básica idosos e pessoas com deficiência em situação de pobreza, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) cresce a um ritmo acelerado, a ponto de se transformar em pedra no sapato do governo, premido entre a necessidade urgente de conter gastos e a busca alucinada por ações que restituam ao presidente Lula da Silva sua popularidade.

Nas duas últimas décadas, a quantidade de beneficiários do BPC quase quadruplicou, passando de 1,71 milhão em janeiro de 2004 para 6,26 milhões, em fevereiro deste ano. Os gastos com os pagamentos crescem a dois dígitos de forma contínua nos últimos anos, e o maior fator de alta no número de concessões é a obtenção do benefício por via judicial, como mostrou reportagem do Estadão.

Dados do Tesouro Nacional mostram que em 2022 o aumento dos gastos com pagamentos do BPC foi de 16,5% em relação ao exercício anterior; em 2023, alta de 17,5%, e, em 2024, 19,9%. Para 2026, estimativas do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), enviado ao Congresso em 15 de abril, apontam um aumento de quase 18%, quando consumirá R$ 140,1 bilhões do Orçamento.

No ano passado, o governo tentou conter o avanço dessas despesas com algumas medidas saneadoras propostas pelo Ministério da Fazenda, como a retomada de critérios objetivos para caracterizar deficiências físicas e mentais dos candidatos ao benefício, abandonando a forma subjetiva que passou a ser adotada durante a pandemia. Assunto delicado entre a classe política, a proposta foi desidratada no Congresso e pouco efeito surtiu no Orçamento.

O próprio governo Lula da Silva resiste a encampar mudanças capazes de evitar a explosão do BPC. Entre essas mudanças, talvez a mais importante seja a desvinculação desses benefícios da mesma fórmula de reajuste do salário mínimo, que passou a ter aumento acima da inflação. Visto que não é aposentadoria, embora destinado a idosos carentes, nem salário, mesmo que represente renda mensal a deficientes pobres sem condições de trabalhar, o BPC deveria seguir a excepcionalidade que lhe é inerente.

Previsto pela Constituição, o BPC é um auxílio social. Quando foi implementado, em 1996, destinava-se a idosos acima de 70 anos, mesmo que não tivessem contribuído para o INSS. Dois anos depois, a idade mínima baixou para 67 anos e, em 2003, no primeiro mandato de Lula da Silva, para 65 anos, idade em que se mantém até hoje. São idosos que recebem um salário mínimo, mesmo valor da aposentadoria de quem contribuiu pelo piso da Previdência durante a vida laboral.

A exigência para a concessão do benefício – renda per capita de um quarto do salário mínimo entre os membros da família – também foi flexibilizada e alcançou, em alguns casos, quem ganhava até meio salário mínimo per capita. O BPC faz, assim, o caminho inverso do que é recomendado para reduzir o rombo previdenciário. Encontrar critérios realistas para a manutenção do auxílio social não é desumanidade. Pelo contrário, é cuidar para garantir que, no futuro, o País continue a amparar quem necessita.

Os desafios para conter o glaucoma

Correio Braziliense

Se diagnosticado no início, o glaucoma pode ser estagnado. Para isso, é preciso uma equipe multiprofissional, já que deficiências visuais demandam adaptações em áreas diversas, das fisiológicas às sociais

Várias são as doenças que acometem severamente a visão. O glaucoma é um desses exemplos, além da maior causa evitável de cegueira no mundo e a primeira de cegueira irreversível. Nesse último caso, até as intervenções mais complexas disponíveis, como o transplante de córneas, não revertem a deficiência. Os desdobramentos também são críticos, como maior risco de acidentes e a elevação de quadros de ansiedade (13% a 30% dos pacientes) e depressão (11% a 25%), segundo a Sociedade Brasileira de Glaucoma (SBG). 

Diante de tamanha gravidade, era de se esperar um suporte adequado aos pacientes e indivíduos com maior vulnerabilidade para desenvolver o glaucoma. Não é o que acontece, principalmente pela dificuldade em se ter um acesso regular aos serviços oftalmológicos no país. Para se ter ideia, a Sociedade Brasileira de Odontologia (SBO) calcula que quase 12% dos brasileiros nunca consultaram um oftalmologista. Não à toa, calcula-se que, dos 2 milhões de pessoas com glaucoma no país, apenas 900 mil, ou seja 45%, sabem dessa condição.   

A doença, por sua vez,  é silenciosa, provocando sintomas apenas nos estágios mais avançados, quando, geralmente, brasileiras e brasileiros recorrem ou conseguem ter acesso ao suporte médico. Outro problema é que nem todas as pessoas com pressão intraocular elevada têm glaucoma e algumas com glaucoma têm pressão intraocular normal, evidenciando mais uma vez a necessidade de um acompanhamento especializado ininterrupto.   

A tendência é de que o universo de prejudicados por essa falta de prevenção e pelo baixo índice de diagnóstico precoce cresça substancialmente em pouco tempo. No planeta, 78 milhões de indivíduos têm glaucoma e, até 2040, o número deve subir 43%, chegando a 111,8 milhões, segundo a SBG. Além disso, há a crise da subnotificação. Nos países desenvolvidos, metade dos casos não são detectados atualmente, e a média brasileira é ainda pior.

Há previstos no Sistema Único de Saúde (SUS) 19 procedimentos para acompanhamento, avaliação e tratamento do glaucoma. Nas maternidades, o teste do olhinho é obrigatório. O exame é simples, não dói e detecta alterações no eixo visual. Ao longo da vida, porém, as pessoas têm pouca ou nenhuma iniciativa para buscar acompanhamento especializado. 

Embora ações como a Política Nacional da Assistência Farmacêutica (Pnaf), do Ministério da Saúde, venham se expandindo, ainda há muito o que se considerar. Em 20 anos do programa, incluindo a distribuição de medicamentos de uso oftalmológico, o montante de recursos aplicados passou de R$ 1,4 bilhão para R$ 21,9 bilhões em 2024. Em outra frente, o governo federal investirá R$ 2,4 bilhões este ano no Programa Mais Acesso a Especialistas, o que também inclui a saúde ocular. A intenção é reduzir o tempo de espera para consultas, exames e resultados.

Há de se destacar que, ainda que irreversível, se diagnosticado no início, o glaucoma pode ser estagnado. Para isso, é preciso uma equipe multiprofissional, já que deficiências visuais demandam adaptações em áreas diversas, das fisiológicas às sociais. Ao entrar no Maio Verde, mês de conscientização e combate ao glaucoma, debates e novos estudos sobre essa grave complicação oftalmológica devem ganhar os holofotes. A cura ainda é uma realidade distante, mas é certo que o poder público, as universidades e as instituições de saúde estão diante do desafio gigante de evitar também que se chegue aos quadros de irreversibilidade.

O Plano Diretor e o meio ambiente

O Povo

É preciso disposição para confrontar aqueles que desprezam a proteção ambiental

Logo ao assumir o mandato como chefe do Executivo Municipal, uma das primeiras atividades do prefeito de Fortaleza, Evandro Leitão (PT), foi organizar a Primeira Conferência do Meio Ambiente, como o tema "Emergência Climática, o Desafio da Transformação".

Durante o evento, o prefeito afirmou que o cuidado com o meio ambiente seria prioridade da gestão municipal, com o objetivo de proteger o ecossistema e as populações que vivem em áreas de risco. "Não podemos perder nenhuma área de preservação ambiental", assinalou o prefeito.

Consoante a esse discurso, Evandro enviou à Câmara Municipal (CMFor) projetos para revogar leis que reduziam a proteção ambiental em diversas áreas da cidade. Essa nova legislação foi votada pela CMFor nos últimos dias da gestão anterior.

No entanto, a iniciativa do prefeito em revogar essas leis teria causado "incômodo" na CMFor, mesmo em sua base aliada, como relata notícia publicada na edição de ontem. É o caso do primeiro vice-presidente da Câmara, Adail Júnior (PDT), declarando que defenderá o projeto de lei de sua autoria que exclui áreas de proteção ambiental e de recuperação ambiental no entorno do Parque Rachel de Queiroz.

Fica difícil entender, em tempos de aquecimento global — que preocupa governos em todo o mundo —, o porquê da insistência em implementar medidas que prejudicam o meio ambiente. Uma das desculpas recorrentes é que algumas áreas já estariam degradadas, e que não valeria mais a pena defender sua proteção. Ocorre que, em situações assim, a melhor proposta é a recuperação desses territórios, e não a sua simples extinção.

Quanto a Fortaleza, são louváveis as iniciativas que o prefeito Evandro vem tomando em favor do ecossistema, mas é preciso lembrar que o Plano Diretor, em reformulação, precisa garantir efetivamente a proteção ao meio ambiente, acima de interesses privados. O prefeito tem de fazer valer suas próprias palavras: "Fortaleza não pode mais perder áreas verdes". E isso significa disposição para confrontar aqueles que desprezam a proteção ambiental.

Também é preciso considerar que, desde 2020, Fortaleza tem metas a cumprir pelo Plano Local de Ação Climática. Uma delas é "ampliar a quantidade e a acessibilidade de áreas verdes da cidade".  Assim, além do trabalho de impedir o desaparecimento da vegetação, as políticas públicas têm de estar voltadas para a  ampliação e restauração desses territórios. 

A discussão em torno do assunto, como sempre ocorre, vai opor interesses coletivos e privados, principalmente do setor imobiliário, com impactos na economia e na urbanização da cidade. A proposta da Prefeitura é que o Plano Diretor seja discutido de forma participativa, com fóruns, audiências públicas e disponibilidade de uma plataforma virtual. Uma boa oportunidade para debater os problemas e as soluções para Fortaleza.

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