Trump já colhe resultado do caos que semeou
O Globo
Com as tarifas, PIB americano encolhe, Bolsas
desabam, empresas registram menos vendas e mais custos
Em meros cem dias de seu segundo
mandato, Donald Trump semeou
o caos com barreiras comerciais e decisões erráticas. Não demorou a colher o
resultado. O Produto Interno Bruto (PIB) americano sofreu contração de 0,3% no
primeiro trimestre. A confiança dos consumidores atingiu em abril o menor nível
em cinco anos. A rede de lanchonetes McDonald’s sofreu a maior queda nas vendas
desde os piores tempos da Covid-19. A General Motors prevê redução nos lucros
de 2025 entre US$ 4 bilhões e US$ 5 bilhões em consequência das tarifas. Desde
a posse de Trump, mais de US$ 6,5 trilhões viraram pó nas Bolsas de Valores —
pior desempenho dos mercados para um início de mandato desde 1974, quando
Gerald Ford assumiu após a renúncia de Richard Nixon. Trump não tem ninguém
mais a culpar por tudo isso além de si mesmo.
Como se trata da maior economia mundial, as decisões da Casa Branca reverberam mundo afora. O Banco Central do Japão reduziu sua previsão de crescimento para 2025 a menos da metade — a expectativa de 1,1% deu lugar a magro 0,5%. Nas próximas semanas, é provável que mais países façam o mesmo. Em abril, o Fundo Monetário Internacional reduziu a estimativa para o PIB de todos os integrantes do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) e das principais economias emergentes: África do Sul, Brasil, China e Índia.
Para que lado Trump irá agora? Só ele sabe —
se é que sabe. Alguns caminhos são menos ruins, mas nenhum devolverá o mundo ao
lugar onde estava. Há um mês, Trump promoveu o maior choque tarifário da
História americana. No anúncio, empunhava uma placa com os países atingidos e
percentuais associados. Não havia ordem alfabética, ordem crescente ou
decrescente, muito menos lógica. Até ilhas povoadas por pinguins foram
afetadas. Nenhum economista sério viu nexo na fórmula usada para definir as
tarifas. Uma semana depois, ele deu meia-volta e suspendeu por 90 dias as
alíquotas mais altas (manteve 10% para todos, com exceção da China). Nesta
semana, mais uma vez retrocedeu, relaxando tarifas do setor automotivo.
O mais provável é que Trump busque acelerar
acordos com as maiores economias, tentando vender a ideia de que tudo não
passou de estratégia de negociação. Na quinta-feira, a imprensa oficial chinesa
começou a dar sinais de estar aberta a conversas. O tom foi diferente do usado
na semana passada, quando o Ministério do Comércio exigiu corte considerável
das tarifas antes de abrir o diálogo. Se fechados, esses acordos seriam uma
alternativa menos traumática, mas de qualquer forma haverá dor, porque as alíquotas
não voltarão ao que eram — e ninguém mais terá confiança no que estiver
decidido.
Diante da reação negativa, Trump elegeu
Jerome Powell, presidente do banco central americano, o Fed, como bode
expiatório. Com uma estratégia de morde e assopra, o acusa injustamente de ser
culpado pela freada na economia, ao não reduzir os juros. Noutra tentativa de
esconder os fatos, ligou para Jeff Bezos depois de a Amazon informar que
apresentaria nas notas fiscais valores pagos em razão do aumento das tarifas.
Com a pressão, Bezos recuou. Enquanto isso, os novos empregos prometidos na
indústria — pretexto para o tarifaço — continuam nos sonhos. As únicas certezas
são a freada na economia e a aceleração da inflação. E não só nos Estados
Unidos.
Suspeita de corrupção em tribunais exige
apuração e punição exemplares
O Globo
PF concluiu que sete desembargadores e um
conselheiro do TCE de Mato Grosso do Sul vendiam sentenças
A Polícia Federal (PF) concluiu haver provas
de que sete desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do
Sul (TJ-MS) e um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MS)
vendiam sentenças. A acusação, enviada ao Supremo Tribunal Federal, levou o
ministro Cristiano Zanin, relator do caso, a prorrogar o afastamento por mais
180 dias dos desembargadores Alexandre Aguiar Bastos, Marcos José de Brito
Rodrigues, Sérgio Fernandes Martins, Sideni Soncini Pimentel, Vladimir Abreu da
Silva e do conselheiro do TCE-MS Osmar Jeronymo. Também são acusados os
desembargadores aposentados Júlio Roberto Siqueira Cardoso e Divoncir Schreiner
Maran.
Todos negam as acusações e devem ter amplo
direito de defesa durante o processo. Ninguém pode ser condenado antes do exame
exaustivo das provas, mas é fundamental que sejam julgados com rigor. Toda vez
que têm a oportunidade de julgar seus pares, juízes podem contribuir para
fortalecer o Poder Judiciário e afastar o espectro do corporativismo que
infelizmente continua a assombrá-lo.
Num país conhecido por leis e burocracia
labirínticas, são inúmeros os caminhos para a venda de facilidades nos balcões
do Estado. A investigação sobre os desembargadores, batizada Operação Ultima
Ratio — princípio segundo o qual a Justiça é o último recurso do poder público
para estancar a criminalidade —, surgiu como desdobramento da Operação
Mineração de Ouro, de 2021, criada para apurar a participação de conselheiros
do TCE-MS em fraudes em licitações, superfaturamento de obras e desvio de
dinheiro público. Na ocasião pelo menos três conselheiros foram afastados, e o
processo foi enviado ao Superior Tribunal de Justiça. Mandados de busca e
apreensão encontraram R$ 1,6 milhão, dólares, euros e libras.
No caso agora sob investigação, a PF afirma
que filhos de desembargadores usavam seus escritórios de advocacia para
dificultar o rastreamento das propinas. A filha do desembargador Pimentel é
acusada de ter recebido R$ 920 mil porque seu pai, com os desembargadores
Cardoso e Abreu da Silva, permitiu a venda de uma fazenda em inventário. A
quebra do sigilo telefônico de pais e filhos desvendou o esquema. Também
constam do inquérito da PF suspeitas contra os desembargadores Maran e Brito
numa disputa judicial em torno de um terreno no estado. O relatório traz
mensagens de texto e áudio em que são combinadas sentenças. Há ainda a
participação de um advogado, considerado operador do esquema. Além de praticar
extorsões, ele também é acusado de falsificar a escritura de uma propriedade.
Toda investigação de crimes relacionados ao
desvio de dinheiro público tem importância especial. Mas o crime de corrupção
se torna ainda mais condenável quando cometido nos tribunais, onde os conflitos
na sociedade devem ser decididos com base nas leis, ou em tribunais de contas,
guardiões da lisura nos gastos públicos. Por isso, uma vez comprovado, a
punição precisa ser exemplar.
Aos 25 anos, comprometido com a ética e a
excelência
Valor Econômico
O jornal se guia por princípios estritamente
democráticos e pluralistas, que segue à risca
Um quarto de século se passou desde que
o Valor Econômico
estreou, em 2 de maio de 2000, e, em retrospectiva, o mundo passou por várias
revoluções desde aquela época. Uma das boas maneiras de entendê-las foi e
continua sendo acompanhar seus reflexos nas páginas do jornal. Nesse período,
o Valor consolidou
sua posição como principal leitura para quem faz da economia sua profissão ou
seu hobby e ampliou seu raio de ação em várias mídias.
Quando o Valor surgiu, a China estava apenas começando
a dar os passos que a levariam a ser a segunda potência econômica global - e um
deles, fundamental, foi sua adesão à Organização Mundial do Comércio, no fim de
2001. A internet prometia elevar a comunicação global a um nível jamais visto,
o que fez depois da grave crise das pontocom, com o crash da Nasdaq em março de
2000 e cujas consequências formaram um dos primeiros desafios da estreia do
jornal, nascido dois meses depois.
O Brasil também era bem outro. Nunca o PT
havia conquistado a Presidência, o que fez na eleição de 2002. Como prova de
seu apartidarismo e pluralismo, o jornal estampou em seu primeiro número
artigos do então presidente, Fernando Henrique Cardoso, e do futuro presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, o primeiro operário que viria a ocupar o cargo. Fake
news não passavam de boatos difundidos boca a boca. Golpes de Estado haviam
sido enterrados - a democracia vigia havia 15 anos.
Foi em um ambiente democrático e cheio de
promessas para o país - o Plano Real conseguira degolar a hiperinflação - que
o Valor surgiu
com uma abordagem aberta a um mundo em transformação. Já nasceu com seu site,
algo pouco comum na época, apontando para canais multidirecionais de difusão de
notícias. Embora seu foco fosse a economia, não se limitava a ela e não se
constrangia de abordar todos os temas da vida política, social e cultural. A
convicção de que a economia é apenas um dos aspectos - fundamentais - da vasta
obra em construção das sociedades humanas se materializou em generosos espaços
dedicados aos demais afazeres do espírito humano, tanto na cobertura cotidiana
quanto no caderno EU& Fim de Semana, que tem uma legião de seguidores até
hoje.
Não bastam talento e dedicação para realizar
um bom jornal. É preciso ter princípios, que ordenam os esforços e a visão
geral de mundo à qual os jornalistas se dedicarão. Desde seu enunciado no
primeiro número, foram seguidos e tornaram-se uma bússola segura que ajudou o
jornal e seus leitores a se guiar em um mundo complexo. Um dos fundamentais:
“O Valor acredita
que só numa sociedade politicamente organizada na forma da democracia
representativa é possível florescer a atividade econômica em benefício do maior
número de pessoas. Por isso, sua linha editorial vai sustentar as instituições
democráticas e combater violações das liberdades civis”. Isso significa
vigilância e denúncia da “injustiça, corrupção, violência, arbitrariedade,
incompetência no trato dos assuntos públicos e qualquer outra prática que
ameace a democracia”.
Seu desdobramento no campo econômico inclui a
defesa da “liberdade dos indivíduos e das organizações de inovar, empreender e
competir numa sociedade com economia de mercado aberta, em que o Estado
concentre sua ação nas funções regulatórias e nos setores dos serviços públicos
em que a iniciativa privada não tenha interesse ou condições de participar”.
Como não há progresso real sem ampla liberdade de expressão e incentivos à
multiplicidade de ideias, o Valor prometeu
abrir suas páginas ao debate, “independentemente de suas próprias posições
editoriais, que serão explicitadas com clareza neste espaço”.
Essa orientação pressupõe também que o jornal
seja apartidário, não atrelado a governos, grupos econômicos, facções políticas
e candidaturas. “O jornal só deve satisfações editoriais ao seu leitor e aos
seus ideais”, resume a intenção inaugural do Valor, comprovada na prática e
consumada em 25 anos de edição. Hoje, o Valor se norteia também por um código
igualmente firme e ético, os Princípios Editoriais do Grupo Globo, do qual é
100% parte (até 2016, metade do jornal pertencia à Folha de S. Paulo).
Não há sociedade digna desse nome quando
parte de seus cidadãos vive na miséria e gasta todas as suas energias para
obter alimentação sempre incerta. Ou naquelas em que viceja o preconceito
social, racial, sexual ou qualquer outro. O Valor defende os direitos
humanos e, entre eles, a “garantia de acesso a condições dignas de vida para
todos os cidadãos”. Hegel dizia que o jornal era “a oração da manhã do homem
moderno”. Nossos “mandamentos” são estritamente democráticos e pluralistas.
Pela reação positiva dos leitores, o júri decisivo, estamos seguindo-os à
risca.
Emprego dá sinais de leve perda de vigor
Folha de S. Paulo
Desocupação vai a 7% no 1º trimestre, mas é a
menor no período desde 2012; governo deve conter gastos para baixar juros
Após meses de altas seguidas dos juros e de
um crescimento de 3,4% no ano passado, a economia brasileira
parece dar sinais incipientes de desaceleração, um mal necessário para conter
a inflação e
estancar a escalada da taxa Selic, hoje em
custosos 14,25% anuais.
A julgar pelos dados do mercado de trabalho,
a política monetária restritiva mostra algum impacto. Segundo o Cadastro Geral
de Empregados e Desempregados (Caged), o país registrou a criação de 71,6 mil
empregos formais em março, muito abaixo das expectativas de analistas.
Na leitura do trimestre, a abertura acumulada
de postos ficou em 456 mil, ante 533 mil no mesmo período de 2024.
A pesquisa de domicílios do IBGE também
revela uma moderada acomodação, com a
taxa de desocupação subindo ligeiramente para 7% nos primeiros três
meses de 2025, uma leve alta em relação aos 6,8% da média do trimestre
encerrado em fevereiro. Mesmo assim, trata-se da menor para o período desde
2012.
Ajustado por fatores sazonais, o desemprego tem
se mantido estável em torno de 6,5% desde outubro do ano passado, tendo cessado
a tendência de redução que vigorou por dois anos.
Em vez de aguardar os resultados da política
monetária e contribuir —com controle de gastos— para a queda dos juros, o
governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) demonstra
ansiedade e opera na direção contrária ao implementar medidas de
estímulo. É
o caso do novo programa de crédito consignado, que amplia o acesso a
empréstimos com desconto em folha para celetistas.
A expansão do crédito, embora estimule a
atividade no curto prazo, dificulta o controle da inflação no atual contexto.
O mesmo vale para o acúmulo de despesas
públicas fora do Orçamento, que o governo vem expandindo em vários programas.
É temerária essa conduta, ainda mais diante
de um panorama global incerto. Na contenção dos preços, ao menos, a guerra
comercial de Donald Trump pode
ajudar. O
temor de uma recessão econômica mundial, em tese, tem o potencial de
baratear para o Brasil bens industriais e importados.
A incerteza derrubou as cotações do petróleo e
é capaz de facilitar a valorização das moedas emergentes ante o dólar, reduzindo
repasses internos de custos.
Não por acaso, estabilizaram-se as projeções
de inflação, embora em patamar ainda alto —5,5% e 4,5% para este ano e 2026,
respectivamente. Não se antevê convergência para a meta de 3% antes de meados
de 2027.
Na soma geral, o mercado financeiro revisa
para baixo sua estimativa de juros. Se há dois meses trabalhava-se com a taxa
básica em 15,5% ao final do ciclo de elevação, agora já não se descarta que o
pico fique inferior a 15% —um progresso, mesmo tímido.
A esta altura é fundamental consolidar a
desinflação e abrir espaço para alívio monetário o quanto antes. Insistir em
estímulos artificiais será um erro.
Equívoco na educação paulista
Folha de S. Paulo
Governo insiste no modelo cívico-militar e
seleciona escolas com boas notas, desvirtuando objetivo de ajudar vulneráveis
Diante dos modestos indicadores da educação do
estado de São
Paulo, é temerário que o governador Tarcísio
de Freitas (Republicanos)
insista em pautas bolsonaristas e no descaso com evidências.
Na segunda (28), foram anunciadas as 100
escolas estaduais que adotarão o modelo cívico-militar a partir do segundo
semestre. Menos de 5% das mais de 5.500 unidades da rede (302) se interessaram
pelo programa e só 132 conseguiram aval da comunidade escolar por meio de
consulta pública. A partir desse montante, o governo fez sua seleção.
Tal modelo baseia-se na ideia equivocada de
que a dura disciplina da caserna é capaz de melhorar a aprendizagem. Contudo
sabe-se que as melhores notas nessas escolas têm origem em rígidos processo de
seleção do alunado e no acesso a maiores volumes de verbas públicas.
O ensino continuará a cargo dos professores,
e policiais militares da reserva serão contratados para atuar em segurança e
projetos extracurriculares sobre civismo e direitos e deveres dos cidadãos.
Para isso, receberão pagamentos de R$ 301,70 a cada jornada diária de 8 horas,
podendo cumprir até 40 horas semanais. O gasto estimado pelo governo é de cerca
de R$ 7,2 milhões.
Durante a discussão da proposta, em fevereiro
de 2024, previu-se que o
modelo seria implantado em escolas com baixos resultados no Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e
localizadas em regiões de vulnerabilidade social.
Mas levantamento da Folha revelou
que, das
100 unidades, apenas 22 não alcançaram as médias da edição mais
recente do Ideb, com dados relativos a 2023, para o 9º ano do ensino
fundamental (5,1) e o ensino médio (4,2).
Ademais, 90 atendem alunos de nível
socioeconômico médio alto, segundo critérios do Ministério da Educação (MEC) —vivem em
lares com mais de dois quartos, têm acesso a dois celulares com internet, wifi
e carro, e os pais concluíram ao menos o ensino médio.
Um dos estados mais ricos do país ainda não
conseguiu se recuperar dos efeitos da pandemia no setor. A nota do Ideb no
final do ensino fundamental foi de 5,3 em 2019 para 5,1 em 2023; no ensino
médio, passou de 4,3 para 4,2, ficando abaixo de estados mais pobres como Pará
(4,3), Ceará (4,4) e Pernambuco (4,5).
O governo Tarcísio precisa escapar de
fetiches ideológicos e investir em políticas baseadas em estudos técnicos
—como a
iniciativa de parcerias público-privadas em infraestrutura escolar.
Ecos bolsonaristas não ajudarão a melhorar o quadro do ensino.
Lula não tem o que dizer aos trabalhadores
O Estado de S. Paulo
Incapaz de falar o idioma dos trabalhadores
do século 21, o ex-líder sindical se ausentou do 1.º de Maio nas ruas e
preferiu fazer propaganda demagógica de seu governo na TV
Os tradicionais atos de 1.º de Maio, Dia do
Trabalho, contaram com uma ausência ilustre: o presidente Lula da Silva. Sua
desistência foi creditada ao desejo de evitar um constrangimento igual ao do
ano passado, quando discursou para um punhado de gatos-pingados – uma evidência
de que a agenda política da esquerda e do PT, em particular, é tão vazia quanto
a minguada plateia reunida naquele constrangedor evento.
Neste ano, como informou o Estadão,
auxiliares aconselharam o presidente a não se expor novamente a um eventual
fiasco. Enquanto isso, um bocado de trabalhadores compareceu ao ato das
centrais sindicais na Praça Campo de Bagatelle, na zona norte de São Paulo.
Eles certamente estavam mais interessados em preencher os cupons para concorrer
ao sorteio de carros do que para ouvir o que os sindicalistas tinham para lhes
dizer.
Não foi a primeira vez que o presidente se
ausentou. Ele também não compareceu em 2007 e 2008, no seu segundo governo, e
em 2023, primeiro ano do atual mandato. A falta de novidade, contudo, não
significa que se trata de algo rotineiro. É, isso sim, uma ausência simbólica
que, somada a outros sinais, escancara o tamanho da atual dificuldade de Lula,
do governo, do PT e dos sindicatos em falar com os trabalhadores.
Para começo de conversa, a tal “classe
trabalhadora” a que Lula e os sindicalistas se referem, como se ainda
estivéssemos nos anos 1970, não existe mais. O que há hoje é uma teia complexa
de distintos interesses, convicções e aspirações em diferentes categorias,
modelos de trabalho e formas de lidar com o mundo e com a política.
Ocorre que o demiurgo petista ainda pensa
como o sindicalista que eletrizava operários com seus discursos. Lula sabe – ou
deveria saber – que o Brasil não é mais o mesmo daquela época, e que não se
aproxima sequer do tempo em que o PT chegou ao poder pela primeira vez, mais de
20 anos atrás. Os trabalhadores também mudaram, fruto das profundas
transformações não só nas relações de trabalho – antes baseadas na oposição
entre patrões e empregados – como também na visão que os próprios trabalhadores
passaram a ter tanto de si quanto dos sindicatos que pretendem representá-los.
Mas Lula acha que basta mobilizar a “classe
trabalhadora” para que a mágica aconteça. No fiasco do 1.º de Maio do ano
passado, ao se exasperar diante de uma plateia rarefeita, disse que o ato fora
“mal convocado”. Na terça-feira passada, ao receber em Brasília líderes de
centrais sindicais, cobrou-lhes que “ocupem mais as ruas”. Basta observar a
imagem desse encontro para perceber o abismo geracional que há entre os líderes
sindicais e os trabalhadores: nenhum deles ali, a começar por Lula, conhece o
idioma do trabalho no século 21.
Sem ter o que dizer, o presidente
concentrou-se então na agenda palaciana com os sindicalistas e no
pronunciamento, na noite de quarta-feira, em rede nacional de rádio e TV.
Recorreu ao clássico lulopetista: a demagogia. Defendeu a redução da jornada de
trabalho sem redução de salário – ignorando a já baixíssima produtividade no
Brasil – e a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais –
aquele projeto cuja pretensão é taxar os mais ricos para compensar as perdas.
Além disso, fez um inventário dos programas de incentivo a pequenas empresas e
de renegociação de dívidas, tudo com estética de programa eleitoral,
supervisionado pelo ministro e marqueteiro Sidônio Palmeira. Ali, os
brasileiros sorriam – algo que não se reflete nas pesquisas de opinião sobre o
governo Lula.
Ante trabalhadores que tocam um dobrado para
encontrar a prosperidade, faltam ideias a Lula e seus exegetas para ajudá-los
de fato. Se as tivesse, o presidente provavelmente teria estado em cima do
palanque. Preferiu um pronunciamento protocolar, bem adequado a uma data
convertida tão somente em mais um dia dedicado ao descanso para quem pode.
O exemplo deve vir do governo
O Estado de S. Paulo
A falta de recursos para o Pé-de-Meia é só
mais um caso a ilustrar a recusa do Executivo em liderar um esforço fiscal que,
para contar com os demais Poderes, deve começar por si próprio
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
parece bastante incomodado com os apelos que recebe sobre a necessidade de o
governo agir com mais responsabilidade fiscal. Para ele, essas cobranças devem
recair não apenas sobre o governo, mas também sobre o Legislativo e o
Judiciário, cujas decisões nessa seara, em sua visão, podem ser tão ou mais
prejudiciais que as do Executivo.
Para provar seu ponto, o ministro citou
exemplos de despesas que foram criadas por aqueles dois Poderes nos últimos
anos e que geraram R$ 200 bilhões à União sem que houvesse uma fonte de
receitas para financiá-las. São elas as emendas impositivas, o reforço da verba
do Fundeb, a mudança no pagamento dos precatórios e a chamada tese do século,
por meio da qual o ICMS, um imposto estadual, foi retirado da base de cálculo
do PIS/Cofins.
“Essa foi uma gastança que foi contratada
quando? E a pessoa está preocupada com o Pé-de-Meia? Tem alguma coisa errada
com o debate público”, afirmou, ao participar de um evento do mercado
financeiro em São Paulo.
Foi, por óbvio, uma resposta às críticas que
o governo tem recebido por não ter conseguido incluir no Orçamento a verba para
o Pé-de-Meia, que paga bolsas a estudantes de baixa renda para incentivá-los a
concluir o ensino médio. Neste ano, o programa custará R$ 12,5 bilhões, mas o
Executivo previu apenas R$ 1 bilhão na peça orçamentária e pretende usar
recursos de fundos privados para quitar o restante.
A declaração mostra que Haddad ainda não
entendeu seu papel enquanto ministro da Fazenda. Como dono da chave do “cofre”
do Executivo, cabe a ele dizer “não” quando todos buscam o “sim”. É dele,
certamente, a tarefa mais difícil da Esplanada dos Ministérios, pois segurar
gastos é algo que desagrada a colegas, parlamentares e até mesmo ao seu chefe,
o presidente da República.
Como mostram os indicadores econômicos,
Haddad não tem sido muito bem-sucedido nessa missão. Seu arcabouço fiscal,
apresentado no início de 2023, não tem sido suficiente para conter a trajetória
da dívida pública e terá vida ainda mais curta que a de seu antecessor, o teto
de gastos.
A morte precoce da âncora fiscal, por sinal,
não foi mau agouro da oposição. Foi a ministra do Planejamento, Simone Tebet,
quem disse que o próximo presidente, seja ele quem for, não conseguirá governar
o País com o arcabouço sem gerar inflação, elevar a dívida e prejudicar a
economia.
O arcabouço fiscal do ministro já era
demasiadamente frouxo desde o nascedouro, e nem teria como ser diferente. O
governo, afinal, só apresentou a âncora fiscal depois que aprovou a emenda
constitucional da transição, que elevou os gastos do Orçamento em quase R$ 170
bilhões.
Em meio às negociações para aprovar a nova
âncora fiscal, foram os parlamentares do PT que trabalharam com afinco para
enfraquecê-la ainda mais ao retirar duas das principais despesas do governo de
seu alcance: os pisos constitucionais da Saúde e da Educação, que voltaram a
ser vinculados às receitas, e o salário mínimo, que passou a ter reajustes
acima da inflação.
Esses gastos tiveram impacto muito mais
relevante do que o que o Pé-de-Meia causaria ao Orçamento. Mais do que isso,
eles contribuíram de maneira fundamental para reduzir o já diminuto espaço para
gastos discricionários no qual as bolsas estudantis seriam incluídas.
Convenientemente, esse contexto não foi mencionado por Haddad, que discorreu
sobre o assunto como se fosse um mero observador das contas públicas.
De fato, o Congresso teria muito a contribuir
com o cenário fiscal se assumisse a responsabilidade de criar receitas para
cobrir a perda de arrecadação de cada incentivo que aprovasse. Da mesma forma,
o Judiciário ajudaria se parasse de criar penduricalhos isentos de Imposto de
Renda para driblar o teto remuneratório.
O problema não é o Pé-de-Meia, tanto que este
jornal reconheceu o mérito da iniciativa desde seu anúncio pelo governo. O
problema é que o Pé-de-Meia é só mais um exemplo a ilustrar a recusa do governo
em dar o exemplo e liderar um esforço fiscal que, para contar com a adesão dos
demais Poderes, deve começar por si próprio.
Hora de repensar o BPC
O Estado de S. Paulo
Auxílio a idosos e deficientes deve ter
critério realista para garantir manutenção futura
Programa assistencial dedicado a dotar de
renda básica idosos e pessoas com deficiência em situação de pobreza, o
Benefício de Prestação Continuada (BPC) cresce a um ritmo acelerado, a ponto de
se transformar em pedra no sapato do governo, premido entre a necessidade
urgente de conter gastos e a busca alucinada por ações que restituam ao
presidente Lula da Silva sua popularidade.
Nas duas últimas décadas, a quantidade de
beneficiários do BPC quase quadruplicou, passando de 1,71 milhão em janeiro de
2004 para 6,26 milhões, em fevereiro deste ano. Os gastos com os pagamentos
crescem a dois dígitos de forma contínua nos últimos anos, e o maior fator de
alta no número de concessões é a obtenção do benefício por via judicial, como
mostrou reportagem do Estadão.
Dados do Tesouro Nacional mostram que em 2022
o aumento dos gastos com pagamentos do BPC foi de 16,5% em relação ao exercício
anterior; em 2023, alta de 17,5%, e, em 2024, 19,9%. Para 2026, estimativas do
Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), enviado ao Congresso em 15
de abril, apontam um aumento de quase 18%, quando consumirá R$ 140,1 bilhões do
Orçamento.
No ano passado, o governo tentou conter o
avanço dessas despesas com algumas medidas saneadoras propostas pelo Ministério
da Fazenda, como a retomada de critérios objetivos para caracterizar
deficiências físicas e mentais dos candidatos ao benefício, abandonando a forma
subjetiva que passou a ser adotada durante a pandemia. Assunto delicado entre a
classe política, a proposta foi desidratada no Congresso e pouco efeito surtiu
no Orçamento.
O próprio governo Lula da Silva resiste a
encampar mudanças capazes de evitar a explosão do BPC. Entre essas mudanças,
talvez a mais importante seja a desvinculação desses benefícios da mesma
fórmula de reajuste do salário mínimo, que passou a ter aumento acima da
inflação. Visto que não é aposentadoria, embora destinado a idosos carentes,
nem salário, mesmo que represente renda mensal a deficientes pobres sem
condições de trabalhar, o BPC deveria seguir a excepcionalidade que lhe é
inerente.
Previsto pela Constituição, o BPC é um
auxílio social. Quando foi implementado, em 1996, destinava-se a idosos acima
de 70 anos, mesmo que não tivessem contribuído para o INSS. Dois anos depois, a
idade mínima baixou para 67 anos e, em 2003, no primeiro mandato de Lula da
Silva, para 65 anos, idade em que se mantém até hoje. São idosos que recebem um
salário mínimo, mesmo valor da aposentadoria de quem contribuiu pelo piso da
Previdência durante a vida laboral.
A exigência para a concessão do benefício – renda per capita de um quarto do salário mínimo entre os membros da família – também foi flexibilizada e alcançou, em alguns casos, quem ganhava até meio salário mínimo per capita. O BPC faz, assim, o caminho inverso do que é recomendado para reduzir o rombo previdenciário. Encontrar critérios realistas para a manutenção do auxílio social não é desumanidade. Pelo contrário, é cuidar para garantir que, no futuro, o País continue a amparar quem necessita.
Os desafios para conter o glaucoma
Correio Braziliense
Se diagnosticado no início, o glaucoma pode
ser estagnado. Para isso, é preciso uma equipe multiprofissional, já que
deficiências visuais demandam adaptações em áreas diversas, das fisiológicas às
sociais
Várias são as doenças que acometem
severamente a visão. O glaucoma é um desses exemplos, além da maior causa
evitável de cegueira no mundo e a primeira de cegueira irreversível. Nesse
último caso, até as intervenções mais complexas disponíveis, como o transplante
de córneas, não revertem a deficiência. Os desdobramentos também são críticos,
como maior risco de acidentes e a elevação de quadros de ansiedade (13% a 30%
dos pacientes) e depressão (11% a 25%), segundo a Sociedade Brasileira de
Glaucoma (SBG).
Diante de tamanha gravidade, era de se
esperar um suporte adequado aos pacientes e indivíduos com maior
vulnerabilidade para desenvolver o glaucoma. Não é o que acontece,
principalmente pela dificuldade em se ter um acesso regular aos serviços
oftalmológicos no país. Para se ter ideia, a Sociedade Brasileira de
Odontologia (SBO) calcula que quase 12%
dos brasileiros nunca consultaram um oftalmologista. Não à toa,
calcula-se que, dos 2 milhões de pessoas com glaucoma no país, apenas 900 mil,
ou seja 45%, sabem dessa condição.
A doença, por sua vez, é silenciosa,
provocando sintomas apenas nos estágios mais avançados, quando, geralmente,
brasileiras e brasileiros recorrem ou conseguem ter acesso ao suporte médico.
Outro problema é que nem todas as pessoas com pressão intraocular elevada têm
glaucoma e algumas com glaucoma têm pressão intraocular normal, evidenciando
mais uma vez a necessidade de um acompanhamento especializado
ininterrupto.
A tendência é de que o universo de
prejudicados por essa falta de prevenção e pelo baixo índice de diagnóstico
precoce cresça substancialmente em pouco tempo. No planeta, 78 milhões de
indivíduos têm glaucoma e, até 2040, o número deve subir 43%, chegando a 111,8
milhões, segundo a SBG. Além disso, há a crise da subnotificação. Nos países
desenvolvidos, metade dos casos não são detectados atualmente, e a média
brasileira é ainda pior.
Há previstos no Sistema Único de Saúde
(SUS) 19 procedimentos para acompanhamento, avaliação e tratamento do
glaucoma. Nas maternidades, o teste do olhinho é obrigatório. O exame é
simples, não dói e detecta alterações no eixo visual. Ao longo da vida, porém,
as pessoas têm pouca ou nenhuma iniciativa para buscar acompanhamento
especializado.
Embora ações como a Política Nacional da
Assistência Farmacêutica (Pnaf), do Ministério da Saúde, venham se expandindo,
ainda há muito o que se considerar. Em 20 anos do programa, incluindo a
distribuição de medicamentos de uso oftalmológico, o montante de recursos
aplicados passou de R$ 1,4 bilhão para R$ 21,9 bilhões em 2024. Em outra
frente, o governo federal investirá R$ 2,4 bilhões este ano no Programa Mais
Acesso a Especialistas, o que também inclui a saúde ocular. A intenção é
reduzir o tempo de espera para consultas, exames e resultados.
Há de se destacar que, ainda que irreversível, se diagnosticado no início, o glaucoma pode ser estagnado. Para isso, é preciso uma equipe multiprofissional, já que deficiências visuais demandam adaptações em áreas diversas, das fisiológicas às sociais. Ao entrar no Maio Verde, mês de conscientização e combate ao glaucoma, debates e novos estudos sobre essa grave complicação oftalmológica devem ganhar os holofotes. A cura ainda é uma realidade distante, mas é certo que o poder público, as universidades e as instituições de saúde estão diante do desafio gigante de evitar também que se chegue aos quadros de irreversibilidade.
O Plano Diretor e o meio ambiente
O Povo
É preciso disposição para confrontar aqueles
que desprezam a proteção ambiental
Logo ao assumir o mandato como chefe do
Executivo Municipal, uma das primeiras atividades do prefeito de Fortaleza,
Evandro Leitão (PT), foi organizar a Primeira Conferência do Meio Ambiente,
como o tema "Emergência Climática, o Desafio da Transformação".
Durante o evento, o prefeito afirmou que o
cuidado com o meio ambiente seria prioridade da gestão municipal, com o
objetivo de proteger o ecossistema e as populações que vivem em áreas de risco.
"Não podemos perder nenhuma área de preservação ambiental", assinalou
o prefeito.
Consoante a esse discurso, Evandro enviou à
Câmara Municipal (CMFor) projetos para revogar leis que reduziam a proteção
ambiental em diversas áreas da cidade. Essa nova legislação foi votada pela
CMFor nos últimos dias da gestão anterior.
No entanto, a iniciativa do prefeito em
revogar essas leis teria causado "incômodo" na CMFor, mesmo em sua
base aliada, como relata notícia publicada na edição de ontem. É o caso do
primeiro vice-presidente da Câmara, Adail Júnior (PDT), declarando que
defenderá o projeto de lei de sua autoria que exclui áreas de proteção
ambiental e de recuperação ambiental no entorno do Parque Rachel de Queiroz.
Fica difícil entender, em tempos de
aquecimento global — que preocupa governos em todo o mundo —, o porquê da
insistência em implementar medidas que prejudicam o meio ambiente. Uma das
desculpas recorrentes é que algumas áreas já estariam degradadas, e que não
valeria mais a pena defender sua proteção. Ocorre que, em situações assim, a
melhor proposta é a recuperação desses territórios, e não a sua simples
extinção.
Quanto a Fortaleza, são louváveis as
iniciativas que o prefeito Evandro vem tomando em favor do ecossistema, mas é
preciso lembrar que o Plano Diretor, em reformulação, precisa garantir
efetivamente a proteção ao meio ambiente, acima de interesses privados. O
prefeito tem de fazer valer suas próprias palavras: "Fortaleza não pode
mais perder áreas verdes". E isso significa disposição para confrontar
aqueles que desprezam a proteção ambiental.
Também é preciso considerar que, desde 2020,
Fortaleza tem metas a cumprir pelo Plano Local de Ação Climática. Uma delas é
"ampliar a quantidade e a acessibilidade de áreas verdes da
cidade". Assim, além do trabalho de impedir o desaparecimento da
vegetação, as políticas públicas têm de estar voltadas para a ampliação e
restauração desses territórios.
A discussão em torno do assunto, como sempre ocorre, vai opor interesses coletivos e privados, principalmente do setor imobiliário, com impactos na economia e na urbanização da cidade. A proposta da Prefeitura é que o Plano Diretor seja discutido de forma participativa, com fóruns, audiências públicas e disponibilidade de uma plataforma virtual. Uma boa oportunidade para debater os problemas e as soluções para Fortaleza.
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