domingo, 8 de maio de 2016

Opinião do dia – Roberto Freire

(...) O que me move, nesse problema que nós estamos vivendo hoje no Brasil, é o mesmo sentimento que o PCB teve no fim da ditadura. Nada de revanchismo. Tem que apurar, investigar, não esquecer, mas nada de revanchismo. A mesma coisa tem que ser agora: não tem que ter espírito de revanche nenhum, pelos 13 anos do PT, nada disso. Nós temos que cuidar é do futuro.

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Roberto Freire, deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS, em entrevista O Estado de S, Paulo, 8/5/2016

10.000 É o número de cargos de confiança ocupados por filiados do PT que estarão à disposição de Temer

• Petistas estão distribuídos entre ministérios, Presidência e Banco Central

Troca de cadeiras na máquina federal deverá provocar um rombo de pelo menos R$ 7 milhões ao partido, quantia doada à sigla por esses funcionários em 2014

Caso a presidente Dilma Rousseff seja afastada pelo Senado esta semana, o vice-presidente Michel Temer assumirá a Presidência e terá em mãos cerca de dez mil cargos comissionados na máquina federal ocupados por petistas e que poderão ser redistribuídos entre os aliados do novo governo, contam André de Souza, Gabriela Allegro, Stella Borges e Tiago Dantas. A maior concentração de filiados ao partido está na pasta do Desenvolvimento Agrário. A troca de cadeiras representará um baque financeiro para o PT, que só em 2014 arrecadou R$ 7 milhões com doações dos ocupantes desses espaços nos ministérios, na Presidência da República e no Banco Central. O Executivo federal tem 107 mil funcionários em cargos comissionados. Temer poderá usá-los para satisfazer o apetite de sua base e obter sustentação política.

O espólio petista

• Caso assuma a Presidência, Temer terá 10 mil cargos ocupados por petistas para oferecer a aliados

André de Souza, Gabriela Allegro, Stella Borges e Tiago Dantas - O Globo

-BRASÍLIA, RIO E SÃO PAULO- Filiados ao PT ocupam cerca de 10% dos cargos comissionados do governo federal. Estimativa feita pelo Núcleo de Dados do GLOBO aponta que há em torno de 10 mil petistas entre os 107.121 funcionários que ocupam cargos comissionados no Executivo federal. Caso a presidente Dilma Rousseff seja afastada pelo Senado nesta semana, parte desses cargos de segundo e terceiro escalões entrará na partilha feita pela equipe do vice-presidente Michel Temer para partidos aliados.

A estimativa foi feita a partir do cruzamento de nomes de filiados ao PT, disponível no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com a lista de servidores comissionados do Portal da Transparência do governo federal. O levantamento inclui servidores concursados que também ocupam cargos de confiança. Por conta de disparidades entre dados do TSE e do Executivo, a lista pode conter homônimos. Ainda assim, os números encontrados podem estar abaixo do real tamanho da fatia petista na administração federal, pois não estão contemplados cargos de confiança de indicados pelo PT que não são filiados.

A maior concentração de petistas está no Ministério do Desenvolvimento Agrário (25% do total de cargos comissionados). A pasta responsável por políticas fundiárias e agricultura familiar é comandada pelo partido desde 2003, quando Lula assumiu a Presidência. Quadros do PT integram também a presidência e parte da direção do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que concentra 75% do orçamento do ministério.

Na última reunião do seu Diretório Nacional, em 19 de abril, o partido decidiu não reconhecer a legitimidade de um possível governo Temer. A tendência, segundo dirigentes, é que filiados e apoiadores deixem cargos comissionados caso Dilma seja afastada.

— O PT não reconhece um governo que não seja oriundo das urnas. Logo, um filiado ao PT não deve participar de um eventual governo Temer — afirma o secretário de Organização do PT, Florisvaldo Souza.

Para ele, o número de cargos comissionados ocupados pelo PT mostra que o partido não aparelhou o Estado:

— O que aconteceu foi uma distribuição dos cargos entre os aliados para governar, algo absolutamente normal.

A possível troca de governo pode representar mais um baque para as contas do partido. Filiados em cargos de confiança doaram R$ 7 milhões ao PT em 2014, segundo última prestação de contas disponível no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O número representa cerca de 2% da receita de R$ 342,4 milhões. A maior parte da receita (R$ 193,1 milhões) veio de doações para as campanhas eleitorais de 2014.

O cientista político Marco Antônio Teixeira, da Fundação Getulio Vargas (FGV/SP), diz acreditar que a tendência é que o número de cargos comissionados não diminua caso o vice-presidente Michel Temer assuma, já que eles são usados para abrigar aliados.

— De início, o Temer dizia que, caso assumisse a Presidência, ia reduzir consideravelmente o número de ministérios. Hoje, a conversa já é outra, porque ele sabe que vai precisar acomodar todos os que estão dando suporte a ele nessas pastas, em cargos de confiança.

Teixeira defende a discussão sobre o excesso de comissionados:

— Qual é a quantidade de cargos de que o governo precisa? Se o Temer assumir, vai haver apenas uma troca de atores e de parte das siglas, porque apenas PT e PCdoB devem sair da base. Esse número não deve mudar.

Em um estudo publicado em outubro do ano passado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o pesquisador Félix Garcia Lopes concluiu que a maior parte dos servidores comissionados não faz parte de partidos políticos e que a presença de filiados no Estado é mais comum em partidos “mais orgânicos”, como o PT.

Na opinião dele, a indicação partidária não é necessariamente ruim, já que, segundo seu texto, trata-se de “dirigentes públicos que são responsáveis por graus importantes de formulação e implementação de políticas, com alto grau de discricionariedade. Espera-se que governos partidários deem cara e rosto à orientação das políticas que vão implementar”.


Os desafios de Temer

Eventual governo do PMDB terá que recuperar economia, fazer cortes, mas preservar programas sociais

Júnia Gama, Martha Beck e Simone Iglesias - O Globo

Contas públicas

Este é visto como o principal desafio de um eventual governo Michel Temer. Técnicos da área econômica e analistas ouvidos pelo GLOBO são unânimes em dizer que um novo governo precisa mostrar que o Brasil voltará a ser capaz de gastar menos do que arrecada e de reduzir a dívida pública. Essa sinalização, que precisa ser rápida, já seria capaz de recuperar um pouco da confiança do mercado financeiro e animar investidores que hoje estão em compasso de espera por causa das turbulências na política. Assim, naturalmente, a taxa de juros cairia e a inflação cederia. Mesmo com um nome bem visto pelo mercado, como Henrique Meirelles, apontado como possível ministro da Fazenda, o ajuste fiscal será difícil. ça na área no Congresso. De um lado, enfrentará o PT, que não deixou nem Dilma mexer nas regras da Previdência. De outro, o vice terá de confrontar parte de sua base de apoio ligada às centrais sindicais.

Impostos

Aumento de impostos e a volta da impopular CPMF podem ser remédios amargos, mas necessários, diante da forte deterioração das contas e da necessidade de preservar programas sociais como o Bolsa Família. Em 2014, o rombo do setor público foi de R$ 32,5 bilhões. Em 2015, ele subiu para R$ 111,2 bilhões por causa do pagamento das pedaladas fiscais. Este ano, o governo já pediu ao Congresso autorização para que o montante possa chegar a quase R$ 100 bilhões. “Não existe corte de despesa que possa ser feito em curto prazo que seja suficiente para reequilibrar as contas sem alguma ação do lado da receita”, afirma um técnico do Ministério da Fazenda.

Desemprego

Para trazer de volta ao mercado o batalhão de 11 milhões de desempregados, Temer e sua equipe terão o desafio de fazer a economia voltar a crescer. Para isso, um dos principais eixos serão as privatizações. A ideia é transferir para o setor privado tudo o que for possível na infraestrutura. “Teremos pouco mais de dois anos. Serão dois dias de trabalho em um”, resume o ex-ministro Moreira Franco. Mas, além de enfrentar resistências ideológicas, a nova gestão terá de reformar marcos regulatórios ultrapassados, aumentar a confiança do investidor, diminuir a burocracia e melhorar o ambiente de negócios.

Previdência

O principal ajuste nas despesas do governo precisa ser feito na Previdência Social que, junto com benefícios assistenciais, consome mais de 50% dos gastos primários da União. É por isso que Henrique Meirelles tem defendido a reforma da Previdência e a fixação de um teto para os gastos públicos. Apesar do consenso no mundo econômico sobre a necessidade de revisão das regras previdenciárias, Temer terá de suar a camisa para aprovar qualquer mudança na área no Congresso. De um lado, enfrentará o PT, que não deixou nem Dilma mexer nas regras da Previdência. Do outro, o vice terá de confrontar parte de sua base de apoio ligada às centrais sindicais.

Medidas sociais

Um dos grandes desafios de Michel Temer, caso assuma a presidência, será equalizar os programas sociais com o corte de despesas que pretende fazer na máquina pública, que seus assessores econômicos consideram fundamental para recuperar o crescimento. Naqueles que podem ser seus últimos dias de governo, a presidente Dilma Rousseff e seus principais auxiliares intensificaram o discurso de que Temer acabaria com as conquistas sociais do PT, especialmente os programas de inclusão como o Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida. No que pareceu um desafio ao seu possível sucessor, Dilma resolveu aumentar o valor do benefício. O vice terá de se equilibrar se quiser levar adiante a operação pente-fino nos programas sem provocar a ira dos beneficiados.

PT nas ruas

Um presidente sem voto e com alto índice de rejeição enfrentará como principal antagonista a esquerda mobilizada nas ruas pelo discurso de que Dilma Rousseff teria sofrido um golpe com o impeachment. Se não conseguir um rápido êxito, mesmo que parcial, na recuperação da economia, Temer poderá ficar fragilizado diante de movimentos sociais, oposicionistas no Congresso e toda a resistência que possivelmente será comandada pelo ex-presidente Lula.

Lava-Jato

Não só o governo do PT foi alvejado frontalmente com os desdobramentos da Operação Lava-Jato, que acertou desde a presidente Dilma Rousseff, alvo de pedido de inquérito, ao ex-presidente Lula, passando por ministros palacianos. O PMDB de Michel Temer é um dos partidos com maior número de envolvidos no esquema e, em seu provável ministério, um dos principais nomes, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) — cotado para o Planejamento —, é um dos investigados. O próprio vice teve o nome citado durante a investigação, embora não haja pedido de abertura de inquérito contra ele. Outros dois nomes do entorno de Temer, Henrique Eduardo Alves (cotado para o Turismo) e Geddel Vieira Lima, provável articulador político, são citados na operação.

Congresso

A convivência entre o presidente do Senado, Renan Calheiros, e Michel Temer é conturbada. Ambos os caciques disputam áreas de influência no PMDB. Em sua eventual gestão, Temer pode esperar instabilidade vinda do Senado enquanto Renan estiver no comando. Além de ter ficado até o último momento ao lado do governo, as divergências entre os dois se tornaram públicas e dificilmente serão esquecidas depois que, apenas poucos meses atrás, trocaram ofensas. Renan disse que medidas de Temer fariam “Ulysses tremer na cova” e acusou o vice de se preocupar exclusivamente com indicações para cargos quando ocupou a articulação política do governo Dilma. Em resposta, Temer disse que o PMDB não tinha dono, “nem coronel”.

Já na Câmara, se por um lado o afastamento de Cunha gerou certo alívio para Temer, que não terá mais a preocupação de deixar na cadeira presidencial um réu na Lava-Jato quando precisar se ausentar do país, por outro, os desdobramentos disto são ainda incertos e prometem causar turbulências. A sucessão de Cunha no comando da Casa deve desencadear uma corrida com potencial para tumultuar a base de apoio que vem sendo construída por Temer a custo de muitas ofertas de cargos, que inclusive o levou a descumprir uma de suas primeiras promessas, de reduzir o número de ministérios. Em segundo lugar, o vice e tantos outros viverão agora sob a sombra de uma possível delação premiada de Cunha.

TSE

Se herdar a cadeira presidencial como despojo da guerra do impeachment, Michel Temer terá ainda sobre sua cabeça a espada do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que julgará nos próximos meses o processo de cassação da chapa presidencial. O vice-presidente já pediu a separação das responsabilidades na análise das contas, para romper o laço que atrela seu destino ao de Dilma. Mas, na semana passada, o Ministério Público Eleitoral recomendou que o TSE rejeite o pedido de separação, argumentando que o suposto abuso de poder econômico cometido pela campanha de Dilma teria beneficiado também seu vice. O PSDB, autor do pedido na Corte, vai apoiar o governo Temer, mas não dá o menor sinal de que irá recuar do processo e pretende continuar apostando na tese de que cabe ao tribunal punir os supostos crimes eleitorais de 2014 e determinar novas eleições.

Se virar presidente, Temer quebrará jejum centenário de paulistas no cargo

Rodrigo Vizeu – Folha de S. Paulo

Na hipótese de a mineira Dilma Rousseff ser cassada em julgamento no Senado e Michel Temer ser empossado, o Brasil veria algo que não ocorre há 110 anos: um presidente paulista.

Nascido em Tietê, o vice será, em caso de saída definitiva da petista, o primeiro titular paulista da Presidência da República desde Francisco de Paula Rodrigues Alves, um natural de Guaratinguetá que governou o Brasil de 1902 a 1906.

O início do período republicano parecia promissor para os entusiastas da hegemonia presidencial bandeirante. Depois de iniciada sob os alagoanos Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, a Presidência passou para o ituano Prudente de Moraes, eleito em 1894.

Prudente foi sucedido por Campos Sales, de Campinas, que passou o cargo a Rodrigues Alves. Firmou-se o "tricampeonato" paulista.

Rodrigues Alves chegou a ser eleito novamente em 1918, mas, com saúde debilitada, contraiu gripe espanhola, não tomou posse e morreu no ano seguinte.

Finda-se assim a participação, até hoje, dos naturais do mais rico e populoso Estado à frente plenamente do Executivo federal.

O jejum ameaçou acabar em 1930, quando Júlio Prestes, de Itapetininga, foi eleito presidente. Sua posse, porém, acabou atropelada pelo levante liderado pelo gaúcho Getúlio Vargas, que comandaria o país pelos 15 anos seguintes –e de novo entre 1951 e 1954.

Um paulista voltaria a flertar com a faixa presidencial em 1961, quando Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara nascido em Caconde, assumiu interinamente na crise que se seguiu à renúncia de Jânio Quadros acompanhada da ausência do vice, João Goulart, que estava na China.

Militares resistentes a Jango, porém, não conseguiram impedir a posse do vice.

Conseguiriam em 1964, com o golpe militar daquele ano, levando mais uma vez à passagem transitória de Mazzilli pela Presidência por 14 dias, até a eleição indireta do marechal cearense Humberto Castelo Branco.

Outro paulista ilustre que não chegou lá foi Ulysses Guimarães, de Itirapina.

Era considerado favorito para disputar a Presidência pela oposição à ditadura se fossem aprovadas as eleições diretas, em 1984, o que não ocorreu. Disputou em 1989, mas ficou em sétimo lugar.

A ausência paulista na cadeira presidencial é acompanhada de outra ainda maior: a paulistana. A capital, que tem como lema "Não sou conduzido, conduzo", nunca fez um presidente.

Quase paulistas
Apesar de rarearem os paulistas de nascimento, não foram poucos presidentes que fizeram sua vida no Estado ou na cidade de São Paulo.

Washington Luís, deposto por Vargas, nasceu em Macaé (RJ), mas construiu a carreira em São Paulo. O mesmo ocorreu com Jânio Quadros, de Campo Grande (MS), Fernando Henrique Cardoso, do Rio, ou Lula, de Garanhuns (PE).

Para 2018, os nomes por enquanto mais bem colocados são a acriana Marina Silva, o pernambucano Lula e o mineiro Aécio.

Para os que têm esperanças de ver um paulista na cadeira ocupada por Rodrigues Alves –e provavelmente por Temer–, as apostas são Geraldo Alckmin, de Pindamonhangaba, José Serra, da capital, ou Jair Bolsonaro –que, apesar de ter feito carreira no Rio, nasceu em Campinas.

Odebrecht relata pressão do BNDES para doar a Dilma

Mantega usou BNDES para pedir doação, diz Odebrecht

Marina Dias, Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Marcelo Odebrecht relatou a procuradores da Operação Lava Jato, em roteiro para negociar sua delação premiada, que o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega eram os responsáveis por cobrar doações para a campanha de Dilma Rousseff em 2014.

Segundo o empreiteiro, ex-presidente e herdeiro do grupo que leva seu sobrenome –e que está preso desde junho de 2015 no Paraná–, Coutinho e Mantega dividiam a tarefa de obter o compromisso de doações entre empresários que tinham financiamento do BNDES para projetos no exterior.

As declarações de Odebrecht são uma tentativa de fechar acordo de colaboração com o qual conseguiria benefícios, como a redução de pena. Ele já foi condenado a 19 anos e 4 meses de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e por integrar organização criminosa.

Apesar das revelações, a Lava Jato ainda não fechou o acordo de delação premiada. Os procuradores cobram que o empresário explique como funcionaria o esquema de financiamento de projetos no exterior de empreiteiras brasileiras por meio do BNDES.

A Folha apurou que a Lava Jato acredita que Odebrecht pode trazer novidades nesta área, na qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendia interesses de construtoras brasileiras na disputa de projetos na América Latina e na África.

As obras financiadas pelo banco de fomento no exterior e executadas pela Odebrecht tiveram um salto a partir de 2007. De 1998 a 2006, a média anual de financiamento de obras da empresa fora do Brasil era de US$ 166 milhões. De 2007 a 2014, passou para US$ 1 bilhão.

Propina
Por meio da delação de executivos da Andrade Gutierrez, os investigadores da Lava Jato já sabem que o PT cobrava 1% de propina de empréstimos concedidos pelo BNDES para financiar obras fora do país. A empresa, porém, isentou o banco de participar de um esquema de corrupção. Coutinho e Mantega negam qualquer conversa sobre doações de campanha.

Segundo a Folha apurou, um ex-executivo de uma construtora envolvida na Lava Jato disse que, em agosto de 2014, ouviu de Coutinho, ao final de reuniões técnicas sobre financiamentos do BNDES, perguntas sobre a relação da empresa com o então tesoureiro da campanha de Dilma, o hoje ministro Edinho Silva (Comunicação Social).

O empresário, que à época discutia sobre os valores a serem doados para a campanha à reeleição da petista, entendeu as perguntas do presidente do BNDES como uma forma de pressão. O acordo para a doação foi fechado nas semanas seguintes.

Mantega já havia sido citado na Lava Jato como responsável por negociar doações para a campanha dilmista, inclusive com intermediação de pagamentos de caixa 2.

Mulher do marqueteiro João Santana, Monica Moura, também em tentativa de fechar colaboração premiada, disse que o ex-ministro se reuniu com ela por mais de uma vez para indicar executivos de empresas, inclusive da Odebrecht, que deveriam ser procurados para receber contribuições em dinheiro que não foram declaradas à Justiça Eleitoral.

Relatos de empresários dão conta de que Mantega e Coutinho eram responsáveis, em 2014, por receber grandes empreiteiros e pedir que eles se reunissem com Edinho para que "continuassem a ser ajudados" pelo governo.

Perguntado pelos investigadores, Odebrecht confirmou ainda que Dilma deflagrou uma ofensiva para garantir a liberdade de empreiteiros presos na Lava Jato, inclusive a dele.

A trama teria contado com a nomeação do ministro Marcelo Navarro para o Superior Tribunal de Justiça, como revelou o senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS) em sua delação premiada.

A delação de Delcídio já foi usada de base pela Procuradoria-Geral da República para pedir ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito para investigar a presidente. Dilma nega as acusações e diz que as declarações de Delcídio são "mentirosas" e "levianas".

Outro lado
Procurados pela reportagem, o presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Luciano Coutinho, e o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega afirmam que "nunca" trataram de doações para campanhas eleitorais.

Em nota, Coutinho afirmou que "este tema [as doações] jamais foi abordado durante qualquer contato com executivos da Odebrecht ou de qualquer outra empresa" e que "os financiamentos para a exportação de bens e serviços de engenharia brasileiros em obras de infraestrutura obedecem a uma governança baseadas em órgãos colegiados".

"Os desembolsos ocorrem, exclusivamente, no Brasil, em reais, e mediante a efetiva comprovação, por empresas de auditoria independente, da realização das exportações financiadas", completa a nota.

Por meio de seu advogado, José Roberto Batochio, o ex-ministro Mantega afirmou que "jamais tratou de assunto de campanha de quem quer que seja" e que "rechaça essa insinuação".

"Como ministro da Fazenda, Guido Mantega se ocupava de outras políticas públicas e, como membro do PT, jamais teve a incumbência de tratar de doações de campanha", afirmou Batochio.

Então tesoureiro da campanha de Dilma Rousseff à Presidência da República em 2014, Edinho Silva afirma que as doações foram legais e que as contas da campanha da petista foram aprovadas pela Justiça Eleitoral.

O PT e o tesoureiro João Vaccari Neto negam que o partido tenha feito cobranças de propina em relação a empréstimos concedidos pelo BNDES a empreiteiras referentes a projetos financiados no exterior.

Vaccari e a sigla afirmaram que todas as doações realizadas para a campanha foram legais.

Procurador denuncia Gleisi e Paulo Bernardo

• Rodrigo Janot suspeita de corrupção passiva e lavagem de dinheiro; defesa nega e fala em ‘especulações’

Carolina Brígido - O Globo

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) denúncia contra a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), o marido dela, o ex-ministro Paulo Bernardo, e o empresário Ernesto Kugler. Eles teriam cometido corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Segundo as investigações da Lava-Jato, a campanha de Gleisi ao Senado em 2010 recebeu R$ 1 milhão do esquema de desvios de dinheiro da Petrobras. Há indícios de que o dinheiro foi entregue pelo doleiro Alberto Youssef. A quantia teria sido paga em quatro parcelas a Kugler, a pedido de Gleisi e do marido.

O ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no STF, vai avaliar a denúncia e levar o caso para a análise da Segunda Turma do tribunal, formada por cinco integrantes. O colegiado pode recebê-la ou simplesmente arquivá-la, por falta de provas suficientes para justificar a continuidade das investigações. Se a denúncia for recebida, o inquérito será transformado em ação penal, e os investigados, em réus. Não há data prevista para isso acontecer.

Uma das principais vozes do governo no Congresso Nacional, Gleisi foi ministra da Casa Civil no governo Dilma Rousseff entre junho de 2011 e fevereiro de 2014. Paulo Bernardo foi ministro do Planejamento no governo Lula, de 2005 a 2011, e das Comunicações já no governo Dilma, de 2011 a 2015.

Fruto de delações
A suposta participação do casal na Lava-Jato surgiu nas delações premiadas de Youssef e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Em seguida, veio a delação do advogado Antônio Carlos Fioravante Pieruccini, que detalhou como o dinheiro foi repassado para a campanha da petista. Em depoimento ao Ministério Público Federal, Pieruccini afirmou ter transportado R$ 1 milhão de São Paulo para Curitiba, a pedido de Youssef. O doleiro teria dito que a destinatária final do dinheiro era a campanha de Gleisi.

Pieruccini disse que as entregas ocorreram em uma sala de propriedade de Ernesto Kugler, localizada em um shopping de Curitiba. Pieruccini teria levado uma caixa lacrada com a inscrição “P.B./Gleisi”. Ainda segundo Pieruccini, Kugler contou as notas, em um total de R$ 250 mil, e disse que o valor “não dava nem para o cheiro”. Kugler também teria reclamado da inscrição na caixa, tendo recomendado que as próximas remessas fossem mais discretas. Teriam ocorrido outras três entregas no mesmo molde, segundo o delator.

Em nota, a defesa de Gleisi disse que recebeu a notícia da denúncia com “inconformismo”. Em nota, os advogados Rodrigo Mudrovitsch e Verônica Sterman afirmaram que “todas as provas que constam no inquérito comprovam que não houve solicitação, entrega ou recebimento de nenhum valor por parte da senadora. A denúncia sequer aponta qualquer ato concreto cometido. Baseia-se apenas em especulações que não são compatíveis com o que se espera de uma acusação penal”.

“Declarações inverossímeis”
A defesa também argumentou que os depoimentos de delatores são contraditórios, o que tira “toda a credibilidade das supostas delações”. Ainda segundo os advogados, Pieruccini era funcionário de Youssef. Isso fragilizaria a denúncia da PGR. “Ao apagar das luzes, depois de um ano e meio da abertura do inquérito, uma terceira pessoa aparece disposta a dizer que teria realizado a suposta entrega de valores, numa nova versão que foge de qualquer raciocínio lógico. Vale lembrar que esta pessoa é amigo/sócio/funcionário de Alberto Youssef, o que comprova ainda mais a fragilidade das provas e se vale do mesmo advogado de Alberto Youssef para fazer sua delação”, diz a nota.

Os mesmos advogados afirmaram que as referências a Paulo Bernardo na denúncia também foram feitas com base em “declarações contraditórias e inverossímeis”. Segundo a defesa, “não houve qualquer envolvimento dele com os fatos narrados na denúncia. Demonstraremos isso com veemência e acreditamos que a denúncia não pode ser recebida”.

Em depoimentos prestados à Polícia Federal, Gleisi e Paulo Bernardo negaram quaisquer irregularidades na campanha da senadora de 2010. O ex-ministro admitiu que Kugler já atuou na “mobilização do empresariado para participar de reuniões no período eleitoral”. Mas negou que ele tivesse participado da campanha diretamente.

No mês passado, a Polícia Federal indiciou Gleisi por conta das investigações da Lava-Jato. Em seguida, Janot recorreu ao STF do indiciamento. Segundo o procurador-geral, pessoas com direito ao foro especial no STF não podem ser indiciadas pela Polícia Federal. No parecer, o procurador lembra que “o indiciamento é um ato processualmente irrelevante”. Ou seja: “o Ministério Público pode denunciar uma pessoa que não tenha sido indiciada (aliás, sequer precisa haver inquérito policial), como também pode arquivar a investigação contra uma pessoa indiciada”.

A denúncia apresentada pela PGR contra Gleisi, Paulo Bernardo e Kluger é a nona da Lava-Jato no STF. Até agora, são investigadas no tribunal 88 pessoas em 42 inquéritos e uma ação penal. Nos próximos dias, o tribunal poderá abrir inquéritos contra mais 19 pessoas, também a pedido de Janot. Entre elas, estariam a presidente Dilma e o ex-presidente Lula.

Entrevista. Roberto Freire, deputado e presidente nacional do PPS

‘Senado não pode esperar 180 dias para julgar Dilma’

• Presidente do PPS avaliaque País não suportaráesperar por muito tempo o desfecho total do processo de impeachment

Luiz Maklouf Carvalho – O Estado de S. Paulo

O deputado federal e presidente do PPS, Roberto Freire – cotado para um ministério no eventual governo Michel Temer –, disse ao Estado que, sendo a presidente Dilma Rousseff afastada do cargo, como espera, o Senado não deve esperar até 180 dias, ou seis meses, para marcar o julgamento definitivo da perda ou não do mandato presidencial.

“O Senado deve fazer isso quase de imediato, como foi feito com o Collor”, disse Freire. “O que não pode é o País ficar numa interinidade longa. Já basta o sangramento que nós estamos sofrendo.”

No impeachment do então presidente Fernando Collor, em 1992, o Senado demorou 88 dias para decidir – de 2 de outubro, quando houve o afastamento e Itamar Franco assumiu, até 30 de dezembro, quando, por 76 votos a favor e 3 contra, Collor foi condenado à perda do mandato e à inelegibilidade por oito anos. “Esse período é mais do que suficiente”, disse o presidente nacional do PPS.
Pernambucano do Recife, 74 anos, nove netos, Roberto João Pereira Freire está na política desde os anos 60. Entrou pela porta do então clandestino Partido Comunista Brasileiro, o chamado Partidão, filiando-se ao MDB depois do golpe de 1964. Foi uma vez deputado estadual, seis vezes deputado federal – inclusive constituinte, de volta ao PCB – e uma vez senador (1995-2003), já pelo PPS.
Não conseguiu se reeleger em 2014, ficando na quarta suplência. Por várias vezes assumiu o mandato, como neste momento. Com ou sem ele, participou ativamente das articulações contra o governo petista, e foi dos primeiros a defender o impeachment que agora se discute.

• O sr. defende maior rapidez para o julgamento definitivo da presidente Dilma, pelo Senado. Mas é preciso combinar com os russos, não?

Se for afastada, a presidente não tem que dar mais nenhum pitaco. Não tem que fazer nada. Está afastada. Pode até continuar morando no Alvorada, pode ter algumas regalias, porque ex-presidentes também têm isso, mas é só.

• O sr. acha que a presidente afastada vai ficar parada, politicamente falando?

É por isso que eu digo: o julgamento não pode demorar. No momento em que você afasta um presidente, a responsabilidade do Senado com o país exige um julgamento de imediato, para saber se ela vai definitivamente se afastar, ou se ela vai voltar. O Senado tem que apressar isso...

• Mas como, se a lei determina que pode ser até 180 dias?

Pela correlação de forças das votações. A Câmara deu o primeiro passo, com mais de 2/3 dos deputados a favor. A correlação de forças do Senado será definida pela Comissão Especial, pelo plenário, e daí vai a julgamento. Não há porque ficar procrastinando isso, dando embargo de gaveta, sentando em cima, com o País ficar sangrando, e com dois governos. Como é que alguém de bom senso pode imaginar ter um presidente afastado, conspirando, enquanto o Senado demora para marcar o julgamento?

• Hoje ainda não existem, que se saiba, os 54 votos necessários para o afastamento definitivo.

O Lula também dizia, lá no bunker dele, que ia ter um terço para barrar o processo, na Câmara. Mas não adianta ficar imaginando, porque nunca terá um momento que a gente possa dizer ‘eu agora tenho certeza que vou ter isso’. Não é assim. Não pode ser decidido por ser mais oportuno, por questões menores. O País exige que esse processo se resolva o mais rápido possível, até para saber se ela continua ou se ela vai embora.

• Estender por 180 dias ou perto disso pode ser fator de agravamento da situação do País?

Claro. De qualquer forma já vai ter uma dualidade. Mesmo com o poder diminuído, afastada, ela vai ficar criando problemas. Você não pode ter um governo para enfrentar a crise tendo um outro governo tentando impedir que você resolva os problemas.

• Mas os até 180 dias são um direito que a presidente afastada tem.

E eu estou querendo, dentro da Constituição, apressar, como foi feito no Collor. Qual é o problema? Não estou atropelando nada. O direito de defesa dela está totalmente garantido.

• Como o Senado vai poder apressar o prazo?

No momento em que o plenário decidir que deve ser instalada a sessão de julgamento, cabe à presidência determinar uma data para a realização dessa sessão. Pronto. Se a maioria do Senado determina, você cumpre. Não pode procrastinar essa decisão. Se não tiver os 2/3, não terá impeachment. É simples. O que eu quero é que se convoque a sessão para decidir. Quem está sangrando não é Dilma. Dilma é que está sangrando o País. Tem onze milhões de desempregados sem nenhuma perspectiva de como se vai resolver isso. Não é que um novo governo vai resolver, mas um novo governo abre a perspectiva de discutir o enfrentamento da crise e talvez a solução. Quem disse que não? Mas com este desgoverno que aí está não tem nenhuma perspectiva de você enfrentar essa crise. Ao contrário, ela só se aprofunda.

• O sr. é otimista com um possível governo Temer?

Eu sou otimista pela mudança. Tem determinados momentos que você tem que mudar – até para poder despertar a capacidade de como enfrentar crises e resolvê-las. O simples momento da mudança desperta, na sociedade, aquele espaço do mínimo de confiança: vamos saber o que pretendem fazer. Daí a responsabilidade de ter um bom Ministério, que responda para a sociedade afirmando determinados valores. O Temer está tendo o cuidado de colocar, por exemplo, que em nenhum momento haverá qualquer obstáculo ou empecilho para aquilo que está sendo investigado no País.

• Qual vai ser o seu ministério?

Meu? Eu não sei. O que eu sei, que foi falado, é que ele gostaria de ter o PPS participando do governo dele, inclusive a nível ministerial. Desde o Itamar nós defendemos que o governo que surge com o impeachment é de responsabilidade direta das forças políticas que votaram a favor do impeachment. Ninguém pode votar a favor do impeachment e depois fazer o que o PT fez com o Itamar, ir pra oposição. Isso é uma irresponsabilidade.

O governo tem carimbado fortemente o vice-presidente Michel Temer como conspirador e traidor. O que o sr. acha?

Esse governo, e o PT, não tem o mínimo respeito com a sociedade democrática. Quer dividir a sociedade entre amigos e inimigos – o que é próprio de uma mentalidade fascista. Temer era alguém que inclusive ajudou tremendamente Dilma, a ponto de entregarem a ele a articulação política. Foi escolhido por eles, foi votado por eles, não adianta vir questionar a legitimidade do voto, porque ele teve a mesma legitimidade que Dilma. O sistema eleitoral brasileiro dá a ele a quantidade de votos que deu a titular. O Temer merecia, da parte deles, reverência e respeito. A partir do momento que discorda, passa a ser o traidor, o inimigo, e precisa desconstruí-lo, destruí-lo. Mas essa é uma prática que o PT vem tendo em relação a todos aqueles que não concordam ou que dele se afastam.

O sr. foi um quadro importante do partido comunista há alguns anos, e depois mudou a sua posição.

O mundo mudou a sua posição. O que me move, nesse problema que nós estamos vivendo hoje no Brasil, é o mesmo sentimento que o PCB teve no fim da ditadura. Nada de revanchismo. Tem que apurar, investigar, não esquecer, mas nada de revanchismo. A mesma coisa tem que ser agora: não tem que ter espírito de revanche nenhum, pelos 13 anos do PT, nada disso. Nós temos que cuidar é do futuro.

Os últimos dias de Dilma Rousseff

• Às vésperas do impeachment, a presidente se isola e evita até mesmo os empregados do palácio. Sem expectativas de sobreviver à sessão no Senado e com poucas esperanças de vencer no julgamento final, já faz planos para um futuro longe do poder e não esconde a mágoa por aqueles que a traíram

Por: Thaís Oyama - Veja

Entre os muitos enganos que a presidente Dilma cometeu desde que subiu pela primeira vez a rampa do Palácio do Planalto, um foi definitivo para selar seu destino. Dilma sempre teve certezas demais.

Acreditou que seria capaz de "corrigir" certas leis de mercado, convenceu-se de que poderia governar apenas com quem bem quisesse e pensou que conseguiria pairar, impoluta, "acima da sujeira do PT".

Agora, a última certeza presidencial é que o seu afastamento iminente do poder é o resultado de um complô tecido com os fios da vingança, do oportunismo e da ambição - um golpe urdido por Eduardo Cunha, apoiado pela oposição e consumado por Michel Temer, a quem hoje dedica os epítetos mais cabeludos, sendo "santinho de prostíbulo" o mais suave deles.

A poucos dias da votação no Senado que deve determinar seu afastamento provavelmente sem volta, Dilma está mais isolada do que nunca. No Palácio da Alvorada, recolhida aos aposentos privativos no 2º andar, evita até mesmo lidar com os servidores, que trata como espiões ou espectadores incômodos do seu calvário. Na hora das refeições, a comida sai da cozinha e é enviada às dependências presidenciais por um elevador. Os servidores só ficam sabendo como anda o humor da chefe quando ela liga para a cozinha reclamando de algo (o fracasso em servir ovos cozidos no "ponto Dilma" - gema mole e clara dura - já derrubou ao menos um taifeiro).

Todos os presidentes da República padecem de solidão, mas é certo que Dilma é uma presidente mais sozinha do que foram seus antecessores. No Alvorada, mora só com a mãe. Dilma Jane, de 92 anos, é assistida diariamente por três enfermeiras, locomove-se em cadeira de rodas e, por causa dos lapsos de memória, já não é capaz de fazer companhia à filha. Recentemente, Dilma chamou um deputado petista, que é também advogado, para ir ao Alvorada num sábado discutir estratégias de defesa. O deputado chegou no meio da tarde e permaneceu a seu lado por duas horas e meia. Na saída, espantou-se ao perceber que, durante todo esse tempo, o celular de Dilma não tocara nenhuma vez - ninguém havia procurado a presidente.

Circunstâncias pessoais e políticas ajudaram Dilma a erguer seu próprio muro. Tendo ocupado cargos gerenciais na maior parte da vida, aprendeu sobretudo a mandar. Subordinados conhecem bem o seu estilo. A presidente quer tudo para ontem ("Te dou meio segundo pra me trazer essa informação"). Acha que entende de qualquer assunto ("O que ocê tá falando é uma besteira. Olha aqui, lição de casa pra você"). Impacienta-se diante de um trabalho que considera malfeito ("Ocês só fazem porcaria, só fazem m., pô"). Quando está exasperada, não deixa o interlocutor terminar as frases ("Ô... ô... ô, querido: negativo. Pode parar já"). Por fim, nos momentos de grande fúria, pode mesmo lançar objetos sobre o seu interlocutor (grampeadores de seu gabinete já tiveram de ser repostos mais de uma vez).

Pouco empenhada na arte de agradar, frequentemente frustra aliados carentes de afagos. No último dia 14, por exemplo, às vésperas da votação da Câmara que decidiu pela abertura do impeachment, convidou ministros e deputados da base para um café da manhã no Alvorada. Muitos dos parlamentares, governistas de primeira hora, nunca haviam pisado no palácio antes. Um deles, do PR mineiro, ao passar ao lado da piscina de 50 metros de comprimento onde Dilma entrou apenas duas vezes em seus seis anos como presidente, comentou com assessores palacianos: "Bem que ela poderia convidar a gente para nadar aqui um dia". Esse tipo de coisa nunca passou pela cabeça da petista. Pelo contrário, Dilma se notabilizou por gestos bem menos simpáticos, como riscar na última hora da lista de passageiros do avião presidencial parlamentares previamente convidados a viajar com ela.

Se nunca se deu ao trabalho de distribuir os pequenos mimos que tanto aquecem o coração dos políticos, não foi apenas porque isso não é do seu feitio, mas porque os atalhos que a levaram à Presidência permitiram-lhe pular certas etapas. "Dilma nunca disputou uma prévia nem tinha enfrentado uma campanha antes de virar presidente da República. Recebeu o cargo numa bandeja. Não teve de aprender a seduzir", afirma um de seus ministros mais próximos.

(Leia o texto integral na revista)
Com reportagem de Robson Bonin

Lula a um passo da prisão

Reportagem da IstoÉ desta semana mostra que o cerco contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva praticamente se fechou e que sua prisão é uma questão de tempo. A revista menciona as sete frentes de investigação, na primeira instância e no STF, de que Lula é alvo.

O petista “é acusado de liderar o comando da quadrilha, que desviou milhões da Petrobrás, participar da tentativa de comprar o silêncio do delator Nestor Cerveró, ex-diretor da estatal, obstruir a Justiça ao ser nomeado na Casa Civil para ganhar foro privilegiado, receber favores de empreiteiras ligadas ao Petrolão em reforma de um sítio em Atibaia, frequentado pela família; ocultar patrimônio e lavar dinheiro por meio de um apartamento tríplex no Guarujá, – que Lula jura não ser dele – , e de receber dinheiro de propina, por meio de empreiteiras, por palestras realizadas no Brasil e no exterior.”

Veja a matéria do site da revista

Governo entra com novo recurso no STF para barrar impeachment

• Deputado Paulo Teixeira (PT-SP) entrou com novo mandado de segurança na quinta-feira, 5; Ação vai ser relatada pelo ministro Luiz Fux

Isadora Peron - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Mesmo com o processo de impeachment avançando no Senado, o governo ainda tenta barrar o afastamento da presidente Dilma Rousseff no Supremo Tribunal Federal. Na última quinta-feira, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) entrou com um novo mandado de segurança na Corte pedindo para que a votação da matéria no plenário da Câmara fosse anulada. A ação vai ser relatada pelo ministro Luiz Fux.
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Diante do afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara, o dvogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, também já sinalizou que pretende entrar com um novo recurso no STF para anular o processo de impeachment sob o argumento de que Cunha cometeu desvio de poder ao aceitar o pedido de afastamento de Dilma.

Apesar da insistência dos aliados da presidente, o Supremo já deu sinais de que não há espaço para reverter a decisão do Congresso. Na véspera da votação do impeachment na Câmara, a Corte rejeitou todos os recursos do governo que tinham esse objetivo.

Na peça protocolada esta semana, o deputado petista questiona o fato de líderes partidários terem encaminhado os votos da bancada durante a votação na Câmara, o que teria "violentado o direito dos parlamentares à liberdade do juízo subjetivo de apreciação".

Ele aponta que o artigo 23 a Lei do Impeachment, de 1950, proíbe a prática. "Encerrada a discussão do parecer, será o mesmo submetido a votação nominal, não sendo permitidas, então, questões de ordem, nem encaminhamento de votação", diz a norma.

O argumento de Teixeira é que muitos deputados votaram a favor do impeachment por medo de represália, como a possibilidade de serem expulsos do partido. A peça cita casos de parlamentares que preferiram se abster da votação do que contrariar a indicação do partido.

"Infelizmente, não vou poder votar como o meu coração manda. Mas, como não posso descumprir uma determinação do meu Partido Progressista, eu me abstenho de votar", disse o deputado Mário Negromonte (PP-BA) durante a sessão.

A votação na Câmara terminou com um placar de 367 votos a favor do impeachment e 146 votos (incluindo abstenções e ausências) contra. Nesta sexta, o parecer favorável ao afastamento foi aprovado na comissão especial do Senado. A questão vai ser analisada na próxima quarta-feira pelo plenário da Casa. Se a maioria dos senadores votar pela admissibilidade do parecer, Dilma será afastada do cargo por até 180 dias e o vice Michel Temer assume o seu lugar.

Eduardo Paes afirma estar triste com saída da presidente Dilma

• Prefeito também declarou, na manhã deste sábado, 7, que vai se manter longe de Brasília e não tem participado da montagem de um eventual governo de Michel Temer, nem mesmo indicado nomes

Alfredo Mergulhão -O Estado de S. Paulo

RIO - A quatro dias da votação do impeachment, que deve levar o PMDB a assumir a presidência da República, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), afirmou estar triste com o momento político brasileiro, inclusive com o provável afastamento da presidente Dilma Rousseff. Paes também declarou, na manhã deste sábado, 7, que vai se manter longe de Brasília e não tem participado da montagem de um eventual governo de Michel Temer, nem mesmo indicado nomes.

"Acho que a gente está vivendo um momento triste no Brasil. Ninguém está feliz com esse momento, ninguém está feliz com a presidente (Dilma) saindo, com a situação do governo do Estado (do Rio). Acho que isso tudo é muito ruim mas que sirva de lição, de ensinamento", afirmou Paes, durante a inauguração de mais um trecho da Orla da Guanabara Prefeito Luiz Paulo Conde, no centro do Rio. O prefeito acrescentou que se manterá afastado da política nacional. Ele não participou da cerimônia para acender a tocha olímpica dos Jogos Rio-2016, no Palácio do Planalto, com a presidente Dilma, na terça-feira, 3.

Eduardo Paes Paes também defendeu que o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), dê autonomia ao vice, Francisco Dornelles, na administração do Estado. Licenciado desde março para tratamento de um câncer no sistema linfático, Pezão foi alvo de críticas do presidente estadual do PMDB e da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Jorge Picciani.

"Todos nós aqui torcemos e rezamos pela recuperação do governador Pezão. Mas é uma doença que certamente o debilita, deixa dificuldades. Então, o pedido do presidente Picciani é 'vá cuidar da sua saúde', que é prioritário para todos nós. Todo mundo quer que ele (Pezão) cuide da sua saúde e permita que o governador em exercício possa governar", disse Paes.

O prefeito inaugurou na manhã deste sábado o segundo trecho da Orla da Guanabara Prefeito Luiz Paulo Conde. O boulevard está situado entre os armazéns 1 e 6 do Cais do Porto, na Avenida Rodrigues Alves, no centro, local que ficava abaixo do Elevado da Perimetral, cuja demolição começou em fevereiro de 2013 e terminou em dezembro de 2014.

A orla integra o complexo cultural formado pelos Museus do Amanhã e de Arte do Rio, na Praça Mauá. A área arborizada também é passagem dos trilhos do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e vai atender os passageiros dos cruzeiros que atracarem no Píer Mauá. O espaço inaugurado possui 1km de extensão e 57 mil metros quadrados. Ao todo, a orla terá 3,5km de extensão e ligará o Armazém 8 ao Museu Histórico Nacional, no centro.

O primeiro trecho da Orla, de 600 metros, foi inaugurado em abril e dá vistas para as ilhas da Marinha (Fiscal, das Cobras e das Enxadas) e seus prédios históricos, além da Ponte Rio-Niterói. A área jamais havia sido explorada pelos cariocas, pois fica dentro de um terreno restrito, pertencente ao 1.º Distrito Naval. As obras são feitas pela Concessionária Porto Novo, que tem a Construtora Norberto Odebrecht como uma de suas acionistas.

Entrevista. Gilmar Mendes

• Para ministro, que vai assumir comando da Justiça Eleitoral um dia após senadores votarem admissão do impeachment, reconhecer perda de governabilidade ‘não é nenhum demérito’

‘Manter o discurso de golpe é impróprio ao País’

Isadora Peron - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro Gilmar Mendes vai assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta quinta-feira, um dia depois de o plenário do Senado votar o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Em entrevista ao Estado, o ministro afirmou que as ações que pedem a cassação da chapa formada pela petista e pelo vice Michel Temer vão continuar tramitando na corte eleitoral, mas dificilmente serão julgadas neste ano. Para Gilmar Mendes, há espaço para que as contas da campanha de Temer sejam julgadas separadas das de Dilma.

Conhecido pelo tom crítico aos governos do PT, o ministro, que também ocupa uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, diz que está na hora de a presidente Dilma Rousseff entender que perdeu a capacidade de governar o País e abrir “espaço para que a vida institucional tenha prosseguimento”.

• Diversos partidos afirmam que o melhor caminho para tirar o País da crise não seria o impeachment, mas sim a cassação da chapa Dilma-Temer pelo TSE e a convocação de novas eleições. Se o Senado aprovar o afastamento da presidente, as ações vão continuar sendo analisadas?

Sim. Mas, neste caso especifico, é preciso dizer à sociedade que o atraso se deveu à complexidade do processo de admissão da ação. Nós tivemos um embate muito forte no TSE e isso consumiu praticamente o ano passado todo. Agora estamos na fase de instrução de provas. Vamos ver em que estágio vamos estar em junho, e aí saberemos se vamos conseguir julgar isso no próximo semestre ou se isso passa para o próximo ano.

• Temer quer que as contas dele sejam julgadas separadas das de Dilma. Isso é possível?

Essa é uma questão que se coloca, e tem que ser analisada. Até aqui o TSE não fez separação, a princípio ele entende que a chapa é incindível. Essa é a jurisprudência. Mas nós temos um caso em que se discutiu uma situação peculiar, e o debate pode ser útil para iluminar as reflexões. Esse caso foi o do governador de Roraima Ottomar Pinto, em que foi aberta uma ação e, no curso do processo, o governador veio a falecer. O processo, no entanto, prosseguiu contra o vice, mas o tribunal chamou a atenção para que os atos que levariam à cassação de mandato tinham sido praticados pelo então titular da chapa, então fez-se uma atenuação de responsabilidade, e esse é um tema que nós vamos ter que analisar se esta questão for colocada.

• O Senado deve aprovar o afastamento da presidente na quarta-feira. Ainda há espaço para recursos sobre o impeachment no STF?

Muitas das discussões já foram exauridas, mas é claro que as portas do tribunal estão sempre abertas, as pessoas poderão sempre reclamar. O que me parece é que esse processo é muito doloroso para o País, porque isso gera muita instabilidade e causa enorme insegurança. Era preciso que pessoas com responsabilidade política fizessem essa análise. Aqui não é uma disputa de defesa de direitos subjetiva, nós estamos falando de condições objetivas de governabilidade. É isso que eu acho que precisa ser avaliado, não acho nenhum demérito, em nenhuma circunstância, que autoridades que já não têm mais condições de exercer razoavelmente as suas atividades, por exemplo, abram espaço para que a vida institucional tenha prosseguimento.

• O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, já afirmou que vai voltar a recorrer no Supremo...

Também o ministro Cardozo tem de fazer uma avaliação, porque ele não é um advogado privado da presidente da República, ele também é uma pessoa com responsabilidade de guarda das instituições como advogado-geral da União. Nesse sentido, também não pode fazer recursos de caráter procrastinatório. Ele já veio várias vezes ao Supremo, fez sustentação oral, não colheu êxito e continua com o discurso do golpe. Então o Supremo está coonestando o golpe? A mim me parece que isso é impróprio. Enquanto retórica política se compreende, mas, partindo de um jurista, isso é deplorável, lamentável.

• Há um sentimento muito forte no governo de que, se o STF tivesse decidido antes afastar Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara, o desfecho do impeachment seria outro.

A presidente logrou alguma coisa como 140 votos na Câmara, nem ficou próximo dos 172 necessários para barrar o impeachment (Dilma obteve 137 votos). Ela perdeu a capacidade de governar. Todo mundo sabe que com 172 votos na Câmara já não se governa. Tendo em vista dados objetivos, essa reclamação é de todo improcedente. A mim me parece que querer debitar a um órgão de perfil judicial o resultado de desastres políticos é indevido. Eu também já defendi no plenário do Supremo que não faz sentido vir aqui ao tribunal resolver problema de falta de votos no Parlamento. Não somos nós que podemos resolver esse tipo de situação. Ninguém sobrevive na esfera política com liminar do Supremo, seria uma interferência indevida inclusive no processo democrático.

• Independentemente do tempo que se levou, o STF tomou uma decisão inédita ao afastar Cunha do mandato de deputado. Muitos juristas afirmaram que essa saída não encontra respaldo na Constituição. O sr. concorda?

Essa é uma medida excepcionalíssima. Às vezes a Constituição não é completa, ela pode ter uma lacuna, e aí cabe ao intérprete construir, completar o processo, foi um pouco o que o ministro Teori Zavascki fez. Evidentemente, isso não pode ser matéria rotineira, não é porque alguém é investigado ou até mesmo porque teve a denúncia recebida que deva agora ser afastado das funções parlamentares. Aqui o caso tinha uma série de implicações, inclusive no andamento das investigações contra o deputado.

• Então o sr. não concorda com a ação proposta pela Rede, que argumenta que, para ocupar o posto de presidente da Câmara ou do Senado, uma pessoa não pode ser réu no Supremo.

Isso poderia ser um impedimento para se substituir o presidente da República, não impediria necessariamente o exercício da função na presidência da Câmara. Aliás, eu li a ação com muita atenção, e fiquei com a impressão que vem tendo um mau uso da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). Havia imputações muito genéricas na peça. Eu me considero um pouco um dos pais da lei da ADPF, e acho que o tribunal faria grande justiça se simplesmente rejeitasse e não conhecesse da ação.

• Houve a interpretação de que a ação da Rede abriria espaço para que os atos de Cunha, inclusive a abertura do impeachment, pudessem ser questionados após ele ser afastado da presidência da Câmara. O sr. teve essa impressão?

Ainda que a ação tivesse essa intenção, não acredito que o tribunal adotaria qualquer orientação nesse sentido, até porque, em impugnações específicas, o tribunal as rechaçou. O que eu achei impróprio foi a colocação em pauta desta ação. Esse processo deveria ter sido colocado para a análise do ministro Teori Zavascki, até porque ele já vinha conduzindo esse trabalho. Acho que do ponto de vista de condução de uma política judiciária, essa pauta foi um grave erro. Ela causou desassossego e levou o ministro Teori a precipitar a sua decisão e, de certa forma, nos atropelou a todos.

• O impeachment da presidente vai significar o fim da era do PT?

Eu não vou emitir juízo peremptório sobre esse tipo de questão, mas certamente nós estamos vivendo um momento de mudança. Houve realinhamentos, reposicionamentos, e o próprio estamento político optou por mudança, e isso sinaliza que determinadas práticas que se desenvolveram nesses últimos anos estão sob uma análise fortemente crítica. Agora, qual vai ser o resultado desse processo, nós temos que ter alguma paciência para examinar. Mas se percebe que há, neste momento, um certo cansaço, uma certa exaustão, uma certa impaciência, com o modelo de governança que se estabeleceu.

• A Procuradoria-Geral da República ofereceu uma denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O sr. acredita que ele está à frente do esquema investigado pela Lava Jato?

No mensalão, o procurador-geral da República Antônio Fernando optou por não denunciar o ex-presidente Lula, que ficou um pouco como um sujeito oculto. Agora, a questão se colocou de novo e, em função da evolução das investigações, ficou extremamente difícil dizer que um sistema tão complexo como esse se engendrou por geração espontânea. A impressão que eu fiquei é que isso foi uma definição de política governamental, um modo de governança, emanada de quem tem competência para estabelecer diretrizes. Hoje há um certo consenso sobre isso, é difícil fazer uma análise desse quadro sem chegar a essa conclusão.

• Há um temor de que em um eventual governo Temer haja uma intervenção para barrar o avanço das investigações da Lava Jato. O sr. acha que isso pode vir a acontecer?

Não acredito que o vice-presidente teria esse tipo de propósito. Por outro lado, pela sua própria experiência, vivência e conhecimento institucional, ele saberia que esse tipo de tentativa seria vã, seria inútil. É evidente que o Ministério Público, a Polícia Federal, o próprio Judiciário têm garantias institucionais bem claras e certamente não estariam suscetíveis a esse tipo de influência e manipulação. E é notório que essas atividades de investigação têm um enorme apoio na comunidade em geral.

• O ministro do STF Marco Aurélio Mello pediu que a Câmara aceitasse o pedido de impeachment de Temer. Essa ação deve prosseguir?

Acho que essa questão terá que vir ao plenário do Supremo, para que nós decidamos. Mas qualquer pessoa com experiência em assuntos de governo sabe que o vice participa muito superficialmente da definição das políticas de governo. E a diretriz política é traçada pelo presidente da República, de modo que é bastante curioso falar em responsabilidade do vice-presidente em situações de substituição eventual de um ou dois dias.

• O sr. foi sempre muito crítico aos governos do PT. Há quem o chame até de “líder da oposição” no STF. O que acha dessa alcunha?

Qualquer pessoa que tiver um pouco de honestidade intelectual e fizer um levantamento dos meus votos ao longo desses 14 anos que aqui estou vai saber que eu me posiciono às vezes de maneira muito forte, mas de forma absolutamente independente. Quem acompanhou a minha primeira passagem pelo TSE e vai acompanhar agora vai verificar que eu não faço distinção de cores partidárias, mas é evidente que é preciso que a gente chame as coisas pelos nomes. Eu estou em paz com a minha consciência e assumo as minhas posições com muita clareza, não mudarei nenhuma vírgula independentemente do governo que esteja no poder.

• Este ano teremos novas regras para as eleições municipais. A proibição do financiamento privado para as campanhas não pode aumentar o número de doações irregulares?

Essa é uma preocupação. Porque, a rigor, nós acabamos mais uma vez fazendo uma reforma incompleta, o ideal seria alterar o sistema político eleitoral, e daí buscar o sistema de financiamento adequado. Nesse contexto, é possível que o próprio dinheiro ilícito entre nessa brecha e eventualmente alimente as doações individuais. Nós vamos ter que estar muito atentos para isso.

Lula e Dilma, uma farsa em cinco atos - Bolívar Lamounier*

- O Estado de S. Paulo

Época houve em que os esquerdistas brasileiros liam muito. Liam só marxismo, mas liam, o que não é dizer pouco. Com o tempo, o hábito desapareceu; a geração atual, pelo que me consta, nem marxismo lê. Lula pertence a uma geração intermediária, mas, por motivos diferentes, tampouco parece ter adquirido o hábito da leitura.

É por isso que as esquerdas atuais desconhecem um dos trechos mais valiosos da literatura marxista: o chamado “testamento político” do grande líder da revolução russa de 1917, Vladimir Ilyich Lenin. No fim de 1922, já muito doente, Lenin decidiu advertir os altos dirigentes do Partido Comunista contra os riscos representados pelo crescente poder de Josef Stalin como secretário-geral, recomendando seu afastamento. Nadia Krupskaia, sua mulher, levou-lhes a carta no início de 1924, mas os dirigentes não deram ouvidos à recomendação de Lenin, decisão que muitos deles acabaram pagando com a vida.

Na mensagem mencionada, Lenin escreveu o seguinte: “A questão da personalidade poderia parecer secundária, mas é uma daquelas coisas secundárias que podem acabar adquirindo uma significação decisiva”. Preocupado com o futuro do partido e da própria revolução, acrescentou que certos traços de caráter de Stalin – notadamente sua “rudeza” e sua tendência a fazer política na base da “malícia” – tornavam perigosa a permanência dele à frente da secretaria-geral. Era preciso substituí-lo naquele poderoso cargo por alguém “mais tolerante, mais leal, mais cordial”, que tivesse “mais consideração por seus camaradas”, que não fosse “tão caprichoso”, etc.

O que tem o testamento de Lenin que ver com a presente conjuntura brasileira, cujo pivô é o impeachment de Dilma Rousseff? Muito simples. O impeachment será o fim de uma farsa cuidadosamente arquitetada, pela qual o Brasil já está pagando, e pagará ainda por vários anos, um preço altíssimo. Um retrocesso econômico terrível e um brutal aumento do desemprego, responsáveis pelo empobrecimento de milhões de famílias que já antes sobreviviam com poucos meios.

Toda farsa que se preze envolve pelo menos dois farsantes; essa a que vou me referir teve Lula e Dilma Rousseff nos papéis principais. Não sei se Lula tem a inteligência que lhe é atribuída, sei apenas que ele faz política com base muito mais numa malícia aprendida e aprimorada nos meios sindicais do que por uma concepção minimamente cívica da vida pública. É acima de tudo um esperto.

A farsa começou lá atrás, quando Lula mandou Dilma Rousseff presidir o Conselho de Administração da Petrobrás. Por que o fez? Três hipóteses me parecem cabíveis. É possível que ele sinceramente acreditasse na competência dela. Ou que a considerasse incapaz de desvendar a teia de corrupção lá instalada. Ou, ainda, por saber que ela a desvendaria, mas não se furtaria a dançar conforme a música.

O segundo momento da farsa foi a eleição de 2010, sobre a qual serei sucinto. Lula tinha uma certeza e um objetivo. A certeza era a de que, com seus próprios recursos, Dilma não se elegeria nem para a Câmara Municipal de Porto Alegre, onde residia. Mas ele, Lula, com mais de 80% de popularidade, dinheiro jorrando da cornucópia da Petrobrás e o marqueteiro João Santana a tiracolo, a conduziria ao Planalto com um pé nas costas. O objetivo era colocar na Presidência uma pessoa que combinasse as virtudes de um poste com as de um cão: a passividade do primeiro e a fidelidade do segundo. De quebra, o chefão petista impediria o surgimento de um rival dentro do partido. Foi docemente constrangida, imagino, que Dilma aquiesceu.

O terceiro momento, é escusado lembrar, foi a campanha eleitoral de 2014. Àquela altura, a catástrofe econômica já comia solta. A questão central era (e continua a ser) a deterioração das contas públicas. Em qualquer país onde as promessas feitas durante a campanha eleitoral sejam levadas um pouco mais a sério, Dilma teria de admitir a inexorabilidade do ajuste fiscal. Mas, hélas!, não admitiu; ao contrário, atribuiu a seu adversário a intenção de fazer o que ela sabia ser inevitável. Explica-se: no leme encontravam-se Lula, João Santana e ela mesma, um trio habituado à malícia e a uma não menos pronunciada prepotência como instrumentos de ação política.

O quarto momento, ainda em curso, mas, felizmente, já na reta final, é o impeachment. Talvez por causa da indisponibilidade de João Santana, preso em Curitiba, a farsa encenada por Lula e Dilma perdeu qualidade. Em que pese sua proverbial esperteza, Lula comportou-se como um jejuno em política. Não percebendo o alcance das manifestações de apoio ao impeachment (e ao juiz Sergio Moro?), pensou que a sociedade brasileira continuaria a acreditar em qualquer coisa que ele dissesse e aceitaria qualquer coisa que fizesse. Instalado numa suíte do hotel Golden Tulip, em Brasília, subestimou o instinto de sobrevivência e, por que não dizê-lo, os brios dos deputados federais, a maioria dos quais ele sempre tratou como “picaretas”. Imaginou que consciência alguma resistiria à força combinada de suas “negociações” com a eficiência de Dilma apressando as edições especiais do Diário Oficial da União. Como se não bastasse, os dois ainda acreditaram que a maioria dos cidadãos e do Congresso Nacional retrocederia ante a tentativa de pintar o impeachment como golpe.

No quinto e último ato, finalmente, Dilma Rousseff desistiu de se apresentar como farsante. Para se segurar no cargo não vacilou em denegrir a imagem do Brasil no exterior, fez discursos tão patéticos quanto reveladores e, no grand finale, decretou “bondades” diversas, ratificando o figurino populista-esquerdoide de sua concepção de política.
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*Cientista Político, membro da Academia Paulista de Letras, é autor do livro ‘Tribunos, profetas e sacerdotes: intelectuais e ideologias no século 20’

Hasta la vista, Cunha - Fernando Gabeira

- O Globo

Não escondo que sempre quis a queda de Eduardo Cunha. O ideal seria uma queda conduzida pela própria Câmara. Mas a Câmara, que já era problemática, foi devastada pelos 13 anos do governo petista, alguns em sintonia com o próprio Eduardo Cunha. Mensalão, mensalinho, os métodos de ambos sempre foram o de comprar deputados.

Confesso que, nos primeiros anos, subestimei Cunha. Ele me parecia apenas um sobrevivente do governo Collor em busca de um modesto lugar na política, de onde faria seus pequenos negócios. O máximo que previa para ele era chefiar uma pequena quadrilha de deputados fluminenses que tinha o hábito de convocar empresas e negociar propinas para desconvocá-las. Não o conheci como presidente da Câmara. Apenas vi sua ascensão à liderança do PMDB. Era um tipo ideal para um governo corrupto. Conhecia o regimento interno como ninguém, financiava campanhas e, certamente, garantia um dinheiro extra para deputados necessitados.

O papel de Cunha era muito mais amplo que o de Severino Cavalcanti, que se limitava a representar o baixo clero. Cunha viabilizava agendas, conhecia atalhos, todos os grandes negócios passariam por ele. Não é à toa que se tornou o maior criador de jabutis no Parlamento. Jabutis são emendas anexadas às medidas provisórias para atender a interesses privados. As emendas são como jabutis que não sobem em árvore: estão lá porque alguém, ou algum interesse, os colocou.

Pessoalmente, tive a oportunidade de ver Solange de Almeida colocar um jabuti isentando a indústria nuclear de impostos. Ao questioná-la, percebi que estava apenas cumprindo tarefa para Cunha. No universo político do Rio de Janeiro, Cunha nunca representou muito, embora, com a riqueza crescente, sua votação tenha crescido também. Aliado de Cabral, Pezão, Paes, Picciani, fixou-se na Câmara como a plataforma de sua fortuna pessoal. Nossos santos nunca combinaram. Em primeiro lugar, porque seus negócios cheiravam mal, embora nem sempre deixassem rastros visíveis. Ligeiramente estrábico, Cunha evita o confronto de olhares e o faz para se manter mais confortável dentro da caverna em que formula suas maquinações.

Embora tenha votos evangélicos, a partir da conquista de um espaço numa emissora religiosa, Cunha não fazia proselitismo e só avançou alguns temas da pauta conservadora quando se tornou presidente. Mas há algo nele que o distingue dos deputados evangélicos. A maioria deles é sincera na legitima defesa de suas ideias. A fé evangélica de Cunha parece o resultado de um longo planejamento, como se fosse o marqueteiro de si próprio e escolhesse sua imagem como resultado de um plano eleitoral. A divulgação de suas contas na Suíça e dos gastos familiares no exterior revelam apenas um milionário corrupto fingindo de piedoso fiel. O que deveria lhe valer uma condenação extra pela farsa.

Quando Cunha enfrentou e ganhou do governo, a oposição hesitou em tomar partido. Foi visto como um grande aliado do impeachment. Alguns de seus amigos chegaram a pedir anistia pelos serviços prestados contra o PT. De novo, teríamos de rasgar a lei e mergulhar na própria lógica petista para aceitar uma tese dessas. Não há previsão na lei brasileira para quem diz que rouba para dar aos pobres. Não há anistia prevista para quem se corrompe até a medula mas ajuda na queda de um governo corrupto. Se não fosse deputado, Eduardo Cunha já estaria preso em Curitiba há muito tempo. Ele manipula, intimida, faz tudo para que não seja julgado pelo Conselho de Ética. Ao derrubá-lo, o Supremo admite que Eduardo Cunha sabota o processo de seu próprio julgamento na Câmara. E admite, indiretamente, que ele sequestrou a instituição, incapaz de se livrar dele.

No rastro da diabólica passagem de Cunha, muitas perguntas terão de ser respondidas no futuro: como foi possível uma Câmara que, majoritariamente, escolhe para presidi-la o mais experiente dos bandidos? Como foi possível manter uma incondicional base de apoio, mesmo depois de revelada sua fortuna na Suíça? Por que existe na cultura brasileira uma sedução pela esperteza como uma qualidade em si?

Quando tudo for esclarecido e o restante dos crimes de Cunha vier à tona, o 5 de maio será uma data para se lembrar. Mas se não compreendermos como tudo foi possível, a ponto de governo central e parlamento estarem sob poder de uma mesma quadrilha separada apenas nos últimos meses, talvez não possamos avançar. Quadrilhas se fragmentam, buscam novos territórios. Vemos isso a todo instante no Rio. O fato de trocarem tiros não inocenta nenhuma das partes. Se um chefe do crime parte e tudo fica igual no território abandonado, é muito grande a tentação de ocupar o morro e substitui-lo.

É preciso realmente fazer valer a lei no Congresso. As pessoas comuns amargam cadeia em Curitiba. Os políticos com foro privilegiado nadam de braçada. Seus colegas são fracos para derrubá-los. Os ministros do STF, lentos e burocráticos, hesitam em intervir.

O chefão se vai mas o morro continua vulnerável.

De volta ao real – Ferreira Gullar

- Folha de S. Paulo

Tenho dito aqui que o tipo de governo que se instalou no Brasil e em alguns países latino-americanos –como Argentina, Venezuela, Bolívia e Equador– é uma espécie de populismo de esquerda, que de esquerda não tem nada. Tenho dito também que esse populismo –apelidado por Hugo Chávez de socialismo bolivariano– nasceu como uma alternativa ao regime de tipo soviético, que se esgotou e findou na década de 1980.

Ao dizer isso, não afirmo mais do que o óbvio, uma vez que, na origem dessa opção, estava a Revolução Cubana, inspiradora dos movimentos guerrilheiros surgidos em alguns países do continente. Esses movimentos, que naturalmente fracassaram, estão, portanto, na origem do atual populismo, que foi obrigado a desistir da luta e voltar-se para o caminho eleitoral.

Mas, vejam bem, ao traçar tal diagnóstico, não desconheço que esse populismo, para afirmar-se como redutor da desigualdade social, contribuiu para melhorar as condições de vida de milhões de pobres que viviam em condições sub-humanas.

As críticas que faço a esse tipo de regime é que ele, por um lado, se vale do assistencialismo para perpetuar-se no poder e, por outro, conduz os países à debacle econômica por optarem pelo assistencialismo em lugar do investimento produtivo. No fundo, mas de outro modo, incorrem no mesmo erro dos regimes comunistas: desconhecer que o capitalismo, ainda que injusto, é fonte de riqueza e desenvolvimento econômico.

Como já observamos em outra ocasião, esse populismo não é o mesmo em cada um dos países onde se implantou, embora, apesar disso, tenha cometido os mesmos erros em cada um deles e, não por acaso, entrou em colapso quase ao mesmo tempo. Na Argentina, em sua versão kirchnerista, já chegou ao fim e, na Venezuela, está prestes a acabar, ainda que de maneira quase hilariante.

Depois de criar o Vice-Ministério da Suprema Felicidade, Maduro reduziu o trabalho do funcionalismo público a apenas dois dias por semana e quer agora impedir que as mulheres usem secador de cabelo para assim reduzir o consumo de energia...

No Brasil não chegamos a tanto, porque não somos uma terra propícia ao realismo mágico de García Márquez. Não obstante, também aqui o populismo entrou igualmente em colapso, não diria que em função daquele realismo e, sim, do realismo corrupto que, se não é exclusividade nossa, parece que se tornou parte de nossa vida política.

Quem diria, por exemplo, que um partido como o PT, nascido sob o lema do "não rouba nem deixa roubar", fosse implantar no país um dos regimes mais corruptos de nossa história?

Não por acaso, esse é também o regime da mentira. E, se digo que não é por acaso, digo-o porque, em face dos últimos escândalos e de como se comportam os petistas e seus aliados, sou obrigado a acreditar que a mentira é inerente a esse tipo de militância política.

Nunca vi mentir com tamanho descaramento. Diria mesmo que a mentira é um elemento estrutural do procedimento político-administrativo que tem governado o país nestes últimos anos.

Senão vejamos: Lula implanta o mensalão, mente que foi traído e depois mente de novo ao dizer que foi tudo invenção da imprensa. Estoura o escândalo do petrolão, que leva à cadeia gente de seu partido e empresários amigos seus. Mas ele, sem qualquer constrangimento, afirma que se trata de uma conspiração para tirar o PT do poder.

Dilma segue o mesmo caminho, afirmando que o impeachment é golpe, embora tenha usado a grana das pedaladas para se reeleger. E mentiu durante toda a campanha eleitoral de 2014. Ainda assim –ou talvez por isso mesmo– nada evitará que o populismo petista chegue ao fim.

Dilma estará fora do governo. Mas me perguntam : o que virá depois? Pode-se confiar em Temer? Diante disso, minha resposta é a seguinte: também não sei o que virá depois, mas, dificilmente, será pior do que o que aí está. De qualquer modo, é melhor tentar mudar do que manter o que já não deu certo.