Há indicações claras de que um novo pacto de San José, baseado nas propostas iniciais de Óscar Arias, presidente da Costa Rica, Prêmio Nobel da Paz e mediador da crise em Honduras, está para nascer, dando margem a uma saída honrosa para todas as partes envolvidas na crise, o que possibilitaria a realização de eleições em novembro para escolha de um novo presidente.
Mesmo que seja anistiado e retorne ao governo, Manuel Zelaya estará constrangido por limitações impostas pelos poderes Judiciário e Legislativo e terá uma “vitória de Pirro”, pois a tentativa de permitir a sua reeleição não se consumará.
Os deputados brasileiros que estão em Tegucigalpa tiveram a garantia do presidente da Suprema Corte de que a embaixada brasileira será inviolável, e o Congresso está instando o governo interino a rever o ultimato dado ao governo brasileiro para definir a situação de Zelaya. À noite, eles estiveram com o presidente deposto na embaixada brasileira; depois, estavam programados para um encontro com o presidente em exercício, Michelletti.
O deputado Raul Jungmann, que chefia a delegação parlamentar brasileira, acha que ambos os lados já se convenceram de que não têm força para impor suas próprias condições em termos inegociáveis, e acredita que haverá um acordo que permita a realização de eleições em novembro.
Os deputados ouviram muitas reclamações, em todos os lugares em que estiveram, sobre a atitude do presidente deposto Manuel Zelaya na embaixada brasileira.
A clara atividade política que ele vem desenvolvendo, com a leniência do governo brasileiro, dificultaria as negociações.
Manuel Zelaya se comprometeu a reduzir sua atuação política dentro da embaixada, mas advertiu que, se em duas semanas não se chegar a um acordo, a eleição de novembro estará em perigo, pois “o povo” não a legitimará.
São avanços e recuos naturais num processo de negociação delicado que tem a característica de que todos os lados cometeram erros e ilegalidades, maiores ou menores de acordo com a visão ideológica que se abrace — e portanto é preciso encontrar uma saída em que todos percam alguma coisa para que a democracia hondurenha seja a única vitoriosa.
Um bom sinal é o da atuação dos dois poderes e a influência que ainda mantêm sobre o governo interino, que claramente não tem força política para assumir o controle da situação isoladamente. Como também o presidente deposto Manuel Zelaya não tem a maioria da população a seu lado, a negociação é a única saída para ambos os lados, analisa Jungmann.
A chance de o governo interino vir a se tornar uma ditadura de fato esbarra nesse poder político ainda repartido com os outros poderes, o que denota que os resquícios de democracia ainda resistem.
Óscar Arias disse ontem que a Constituição hondurenha “é uma das piores do mundo”. Pode até ser, mas, como diz o jurista Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, “o respeito à Constituição é fundamental para a existência do Estado Democrático de Direito”.
Em artigo publicado no site “Observatório da Imprensa”, do jornalista Alberto Dines, Dallari diz com todas as letras que “não há dúvida de que Zelaya estava atentando contra a normalidade jurídica e a democracia em Honduras”.
Partindo de quem parte, um insuspeito jurista defensor da democracia e ligado ao petismo tradicional, a definição clara coloca um pouco de racionalidade no debate, que independe da opinião que alguém tenha sobre as qualidades e os defeitos da Constituição em vigor, da simpatia por Michelletti ou Zelaya.
Só há uma possibilidade de chamar o que ocorreu em Honduras de “golpe”: ter-se a mesma visão chavista ou bolivariana do que seja uma “constituição burguesa”, que, por proteger os interesses das oligarquias, deve ser suplantada por uma constituição que permita a “democracia direta”, com a participação “da multidão” através da exacerbação das consultas plebiscitárias.
Mas como lembra o professor Dallari, está em vigor em Honduras uma lei, aprovada pelo Congresso Nacional, proibindo consultas populares 180 dias antes e depois das eleições — “e estas estão convocadas para o mês de novembro”.
Foi com base nessa proibição, ressalta, que a consulta montada por Zelaya foi declarada ilegal pelo Poder Judiciário.
Um dado que deve ser ressaltado, segundo Dallari, é que a Constituição de Honduras estabelece expressamente, no artigo 4o que a alternância no exercício da Presidência da República é obrigatória.
“Pelo artigo 237 o mandato presidencial é de quatro anos, dispondo o artigo 239 que o cidadão que tiver desempenhado a titularidade do Poder Executivo não poderá ser presidente ou vice-presidente no período imediato”.
Outro ponto de extrema relevância para Dalmo Dallari é que a Constituição hondurenha “não se limita a estabelecer a proibição de reeleição, mas vai mais longe. No mesmo artigo 239, que proíbe a reeleição, está expresso que quem contrariar essa disposição ou propuser sua reforma, assim como aqueles que o apoiem direta ou indiretamente, cessarão imediatamente o desempenho de seus respectivos cargos e ficarão inabilitados por dez anos para o exercício de qualquer função pública”.
Dallari ressalta que “a Constituição é omissa quanto ao processo formal para esse afastamento, o que deve ter contribuído para um procedimento desastrado na hora da execução”.
Esse “procedimento desastrado”, que acabou exilando o presidente deposto à força das armas, foi atribuído por todos os envolvidos ao receio de que, em prisão domiciliar, Zelaya tentasse comandar uma guerra civil no país.
Uma ilegalidade que acabou levantando o fantasma da volta do golpismo à América Latina, que só será exorcizado através de eleições democráticas e sob supervisão internacional.
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