DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Neste um quarto de século, o país obteve conquistas sem nenhuma ruptura da legalidade constitucional
A eleição de Tancredo Neves pelo Congresso Nacional deu início à mais longa experiência na história do Brasil de uma democracia de massas autêntica que, ao mesmo tempo, demonstrou a competência para superar o passado de instabilidade, golpes militares, inflação e desigualdade extrema. A frustração das Diretas explica, sem justificar, o erro histórico de julgamento dos radicais que se recusaram a participar da escolha feita pelo Colégio Eleitoral.
O tempo se encarregou de dar razão ao punhado de corajosos deputados do PT que votaram por Tancredo a fim de evitar o risco do prolongamento da ditadura num colégio em que o resultado final era incerto. Engrandeceria o PT, ironicamente um dos maiores beneficiários da decisão, relembrar a data praticando o que João Paulo 2º chamava de "purificação da memória".
Esse processo implica o reconhecimento público do erro e a reparação aos que foram expulsos e tiveram a carreira política destruída, como Airton Soares. Por que não ampliar a autocrítica que, de uma forma ou de outra, o partido ou o presidente Lula já fizeram em relação a dois outros de seus equívocos históricos: a recusa de assinar a Constituição de 1988 e a oposição ao Plano Real? Ajudaria a retirar da data o estigma de efeméride envergonhada.
Afinal, o povo não se enganou sobre o sentido do momento, eternizando a imagem da multidão que cantava o hino nacional diante do Congresso, abrigando-se da chuva sob gigantesca bandeira auriverde.
A Nova República completa um quarto de século, seis anos mais que a redemocratização de 1945. É suficiente para um julgamento: consolidou a democracia; aprovou Constituição de grandes avanços sociais; liquidou a inflação crônica agravada pelo governo Kubitschek; redescobriu o caminho do crescimento econômico comprometido desde o fim do governo militar e, mais recentemente, com contribuição decisiva do governo Lula, vem atenuando de modo significativo a pobreza e a desigualdade herdadas do passado.
É um balanço impressionante por qualquer critério e provavelmente não tenha paralelo em nenhum outro período comparável da história nacional. São conquistas que merecem valorização porque alcançadas sem nenhuma ruptura da legalidade constitucional, em contraste com o regime de exceção, que não resolveu nenhum problema fundamental do Brasil e criou alguns novos.
A democracia provou sua força ao superar provas difíceis como a inacreditável fatalidade da doença e morte de Tancredo e do processo de afastamento de Collor. Seu fracasso mais inquietante tem sido a incapacidade de reformar as instituições de governo e de extirpar a corrupção sistêmica. A influência externa que mais a beneficiou foi o fim da Guerra Fria, que ajudou a deixar para trás a polarização e a radicalização da vida política, fator-chave do golpe militar e comum hoje em países vizinhos.
Obra coletiva, o sucesso da democracia revela o dedo de muita gente, mas é justo realçar que Fernando Henrique e Lula devem bastante a Sarney e a Itamar, obrigados a governar em tempos bicudos. Tancredo foi o maior presidente que o país nunca teve. Não pelo governo que podia ter sido e que não foi, mas porque, apesar da morte prematura, deixou impressa no Brasil de hoje a marca do seu espírito: equilíbrio, moderação, compromisso, tolerância e bom humor.
Rubens Ricupero, 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
Neste um quarto de século, o país obteve conquistas sem nenhuma ruptura da legalidade constitucional
A eleição de Tancredo Neves pelo Congresso Nacional deu início à mais longa experiência na história do Brasil de uma democracia de massas autêntica que, ao mesmo tempo, demonstrou a competência para superar o passado de instabilidade, golpes militares, inflação e desigualdade extrema. A frustração das Diretas explica, sem justificar, o erro histórico de julgamento dos radicais que se recusaram a participar da escolha feita pelo Colégio Eleitoral.
O tempo se encarregou de dar razão ao punhado de corajosos deputados do PT que votaram por Tancredo a fim de evitar o risco do prolongamento da ditadura num colégio em que o resultado final era incerto. Engrandeceria o PT, ironicamente um dos maiores beneficiários da decisão, relembrar a data praticando o que João Paulo 2º chamava de "purificação da memória".
Esse processo implica o reconhecimento público do erro e a reparação aos que foram expulsos e tiveram a carreira política destruída, como Airton Soares. Por que não ampliar a autocrítica que, de uma forma ou de outra, o partido ou o presidente Lula já fizeram em relação a dois outros de seus equívocos históricos: a recusa de assinar a Constituição de 1988 e a oposição ao Plano Real? Ajudaria a retirar da data o estigma de efeméride envergonhada.
Afinal, o povo não se enganou sobre o sentido do momento, eternizando a imagem da multidão que cantava o hino nacional diante do Congresso, abrigando-se da chuva sob gigantesca bandeira auriverde.
A Nova República completa um quarto de século, seis anos mais que a redemocratização de 1945. É suficiente para um julgamento: consolidou a democracia; aprovou Constituição de grandes avanços sociais; liquidou a inflação crônica agravada pelo governo Kubitschek; redescobriu o caminho do crescimento econômico comprometido desde o fim do governo militar e, mais recentemente, com contribuição decisiva do governo Lula, vem atenuando de modo significativo a pobreza e a desigualdade herdadas do passado.
É um balanço impressionante por qualquer critério e provavelmente não tenha paralelo em nenhum outro período comparável da história nacional. São conquistas que merecem valorização porque alcançadas sem nenhuma ruptura da legalidade constitucional, em contraste com o regime de exceção, que não resolveu nenhum problema fundamental do Brasil e criou alguns novos.
A democracia provou sua força ao superar provas difíceis como a inacreditável fatalidade da doença e morte de Tancredo e do processo de afastamento de Collor. Seu fracasso mais inquietante tem sido a incapacidade de reformar as instituições de governo e de extirpar a corrupção sistêmica. A influência externa que mais a beneficiou foi o fim da Guerra Fria, que ajudou a deixar para trás a polarização e a radicalização da vida política, fator-chave do golpe militar e comum hoje em países vizinhos.
Obra coletiva, o sucesso da democracia revela o dedo de muita gente, mas é justo realçar que Fernando Henrique e Lula devem bastante a Sarney e a Itamar, obrigados a governar em tempos bicudos. Tancredo foi o maior presidente que o país nunca teve. Não pelo governo que podia ter sido e que não foi, mas porque, apesar da morte prematura, deixou impressa no Brasil de hoje a marca do seu espírito: equilíbrio, moderação, compromisso, tolerância e bom humor.
Rubens Ricupero, 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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