No ano passado nem o "vício insanável da amizade" - na expressão do notório deputado Edmar Moreira, o do castelo - sustentou uma tradição do Senado: pela primeira vez não houve festa de confraternização entre os senadores, habitualmente recebidos pelo presidente na residência oficial da instituição.
Mais forte que o cerimonial foi a indisposição à fraternidade e a ausência de clima para comemorações, depois de um ano de crises e um longo período de escândalos que quase derrubaram dois presidentes e provocaram a renúncia de outros dois.
"As pessoas estão cansadas umas das outras", constata o senador José Agripino Maia, para quem o cancelamento da festa reflete o ponto de exaustão a que chegou o Senado com as próprias mazelas.
E, se nem os senadores aguentam mais uns aos outros, quem dirá o que pensa o cidadão a respeito da Casa, antes de excelências sereníssimas, e de dez anos para cá cenário de brigas, ilicitudes, operações-abafa e toda sorte de comportamentos condenáveis.
Nesse ambiente é que o Senado enfrentará uma eleição que tem tudo para ser diferente das outras. Em outubro haverá a renovação de dois terços da Casa que só por obra do improvável deixará de ser intensamente questionada pelo eleitorado.
Será uma eleição atípica e que chamará muito mais atenção do que habitualmente. Sobre o Senado o eleitor tem muito mais condições de interferir pelo voto do que na Câmara, pelo fato de a eleição ser majoritária e a marcação homem a homem.
Na votação para deputado, pelo sistema proporcional, o eleitor não tem controle sobre sua vontade. Vota em um candidato e pode perfeitamente - o que ocorre com frequência - eleger outro. Entram no jogo os cálculos, os coeficientes, as divisões entre as coligações, uma série de fatores que se interpõem entre o votante e o votado.
"O Senado chega à próxima eleição aos espasmos", diz o senador Agripino, otimista, entretanto, com a próxima legislatura. Acha que, se os candidatos não tomarem a iniciativa de fazer suas campanhas propondo a substituição do "velho" pelo "novo" Senado, os eleitores se encarregarão da faxina.
"Hoje ninguém fala sobre isso porque a eleição está distante. Mas, com toda certeza as pessoas guardaram na memória todos os episódios degradantes e vão levar em conta aquele acúmulo de acontecimentos para dar o troco na urna. Portanto, quem quiser ficar em consonância com a sociedade vai precisar se credenciar. Primeiro, com vida pregressa correta e, depois, com disposição de atuar na contramão dos velhos vícios."
E a força das máquinas? "No caso de eleição majoritária e do completo esgotamento do modelo, valerá mais o voto de opinião."
Nova embalagem
A oposição, que até agora dizia rechaçar a ideia de uma campanha eleitoral polarizada para presidente, já começa a propagar uma análise diferente.
Pela nova versão, a polarização não seria de todo má para a candidatura do PSDB porque facilitaria uma vitória no primeiro turno.
Claro que a premissa não é a de um embate nos termos propostos pelo presidente Luiz Inácio da Silva: um plebiscito entre o governo dele e o do antecessor Fernando Henrique Cardoso.
A polarização que os tucanos acham favorável é aquela em que de um lado esteja o candidato do PSDB e de outro a ministra Dilma Rousseff como tutelada pelo presidente.
Por esse raciocínio, a passagem de Dilma para o segundo turno daria a ela uma outra dimensão - passaria de "júnior" a "sênior" -, atrairia apoios e criaria dificuldades sérias aos oposicionistas.
Bom combate
A decisão do Tribunal Superior Eleitoral de baixar uma resolução obrigando os partidos a identificarem os nomes dos doadores e dos beneficiários de recursos para financiamento de campanhas reflete as críticas da Justiça Eleitoral à chamada "reforma política" que o Congresso aprovou no ano passado.
Na época, o presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto, alertou para as distorções das alterações feitas na legislação eleitoral, sendo uma das mais graves a permissão para que os partidos recebessem doações ocultas. Sem a identificação dos doadores nem dos beneficiários.
Alguns parlamentares, com destaque para o senador Eduardo Suplicy, tentaram até o último instante derrubar esse ponto da "reforma", mas os grandes partidos, inclusive os de oposição, foram contrários.
Na ocasião, Ayres Brito alertou que a modificação facilitaria o uso do caixa 2 e dificultaria o trabalho da Justiça para seguir o rastro das ilegalidades.
Como a questão ainda será debatida em audiências públicas e tem prazo até 5 de março para ser aprovada, nesse meio tempo, não dá dúvida: o Congresso dará algumas demonstrações de apreço ao mau combate em defesa da permanência das doações ocultas.
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