DEU NO ZERO HORA (RS)
Dos temas, recentemente versados, chamaram minha atenção pela evidente importância de ambos, e, como não são novos, sua gravidade mais graúda se torna. Um diz respeito à voracidade estatal, inclusive em relação a salários, que estão longe de serem altos. Trabalhador solteiro, em situação regular, com carteira assinada, com R$ 2 mil mensais de salário, entre os descontos a que é submetido e os custos impostos ao empregador, resultará em R$ 837 que passam para os cofres públicos. Ora, a mim parece extorsiva essa contribuição a que o trabalhador e o empregador estão sujeitos inexoravelmente, sem ter a quem apelar, quando os serviços públicos devolvidos à sociedade são defectivos, não são bons e em geral são maus, especialmente os mais vitais, como os referentes à saúde, à assistência médico-hospitalar, à educação, à segurança pessoal do trabalhador e de sua família. Por isto já foi dito que, entre nós, as contribuições são de padrão escandinavo, enquanto os serviços públicos são de escala africana.
O outro assunto que também me impressionou, vivamente, conhecidas as condições históricas do serviço, tradicionalmente reumático, é referente aos serviços portuários. Só no porto de Santos, o maior da América do Sul, na entrada ou saída de navios, exigem-se 17 toneladas de papel por ano; para cada navio são necessários 112 formulários, em diversas vias, com 935 informações a serem encaminhadas a seis diferentes entidades da administração! Se isto ocorre em um porto, o de Santos, que quantidade de papel e dias de demora serão consumidos com os 37 portos nacionais que respondem por 97% do comércio exterior brasileiro, dos quais, ao que me consta, pelo menos em sua maioria, está sujeito ao arcaísmo que respondeu e que responde por funestas consequências prejudiciais à economia nacional. Ainda bem que, ao lado do anquilosado modelo tradicional, graças à lei de modernização dos portos, passaram a existir terminais privatizados e especializados nos quais sua efi-ciência não faz feio se comparados com os melhores portos estrangeiros.
Os dois tópicos comentados, com brevidade e objetividade, seriam suficientes para encher o palmo da coluna que, faz 25 anos, semanalmente, venho ocupando nesta folha, mas outro fato, que me parece sem precedente, ocupa uma página de um dos maiores e importantes jornais de São Paulo, sob o título “Centrais gastam R$ 800 mil do imposto sindical para barrar eleição de Serra” – Sucessão. “Valor foi usado para pagar evento realizado ontem no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, com objetivo de aprovar Agenda da Classe Trabalhadora e pregar a continuidade do governo Lula; das 30 mil pessoas esperadas, apenas metade compareceu”.
Independente do facciosismo da novidade e do seu caráter ilegal, porque o sindicato não pode imiscuir-se em procedimentos partidários, a serviço de partidos ou sobrepondo-se a ele, o fato de antecipar uma sindicalização partidária vai representar regresso formidável na nossa frágil organização partidária, herança direta do regime autoritário, que por duas vezes extinguiu os partidos e depois do insucesso do festejado bipartidarismo, optou pela fragmentação deles para deteriorar o instrumento imprescindível do funcionamento democrático, agora sob a ameaça do expediente da sua eliminação de fato na medida em que se pretende sua perversão mercê do famigerado imposto sindical.
Desde que, ainda estudante, comecei a militar na vida partidária, até o ingresso na magistratura, ou seja, de 1945 a 1989, ouvi ser imperioso extinguir o imposto sindical e, por faz ou nefas, ele tem a solidez das coisas provisórias no Brasil e que duram mais que as definitivas. E isto é um dos aspectos mais expressivos da nossa realidade social e das consequências inevitáveis que dela decorrem. Pois hoje o imposto em causa historicamente serve para o peleguismo eleitoral. Para dar um exemplo, 500 passagens aéreas foram adquiridas, por uma central, para transportar pessoas para a brincadeira no Pacaembu! Não seria demais?
P.S.: Do Liceu Leão XIII, do Rio Grande, aos 96 anos, faleceu o padre salesiano Hugo Neves Ferreira, o derradeiro sobrevivente dos meus professores do ginásio. Grande sacerdote e amigo.
*Jurista, ministro aposentado do STF
Dos temas, recentemente versados, chamaram minha atenção pela evidente importância de ambos, e, como não são novos, sua gravidade mais graúda se torna. Um diz respeito à voracidade estatal, inclusive em relação a salários, que estão longe de serem altos. Trabalhador solteiro, em situação regular, com carteira assinada, com R$ 2 mil mensais de salário, entre os descontos a que é submetido e os custos impostos ao empregador, resultará em R$ 837 que passam para os cofres públicos. Ora, a mim parece extorsiva essa contribuição a que o trabalhador e o empregador estão sujeitos inexoravelmente, sem ter a quem apelar, quando os serviços públicos devolvidos à sociedade são defectivos, não são bons e em geral são maus, especialmente os mais vitais, como os referentes à saúde, à assistência médico-hospitalar, à educação, à segurança pessoal do trabalhador e de sua família. Por isto já foi dito que, entre nós, as contribuições são de padrão escandinavo, enquanto os serviços públicos são de escala africana.
O outro assunto que também me impressionou, vivamente, conhecidas as condições históricas do serviço, tradicionalmente reumático, é referente aos serviços portuários. Só no porto de Santos, o maior da América do Sul, na entrada ou saída de navios, exigem-se 17 toneladas de papel por ano; para cada navio são necessários 112 formulários, em diversas vias, com 935 informações a serem encaminhadas a seis diferentes entidades da administração! Se isto ocorre em um porto, o de Santos, que quantidade de papel e dias de demora serão consumidos com os 37 portos nacionais que respondem por 97% do comércio exterior brasileiro, dos quais, ao que me consta, pelo menos em sua maioria, está sujeito ao arcaísmo que respondeu e que responde por funestas consequências prejudiciais à economia nacional. Ainda bem que, ao lado do anquilosado modelo tradicional, graças à lei de modernização dos portos, passaram a existir terminais privatizados e especializados nos quais sua efi-ciência não faz feio se comparados com os melhores portos estrangeiros.
Os dois tópicos comentados, com brevidade e objetividade, seriam suficientes para encher o palmo da coluna que, faz 25 anos, semanalmente, venho ocupando nesta folha, mas outro fato, que me parece sem precedente, ocupa uma página de um dos maiores e importantes jornais de São Paulo, sob o título “Centrais gastam R$ 800 mil do imposto sindical para barrar eleição de Serra” – Sucessão. “Valor foi usado para pagar evento realizado ontem no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, com objetivo de aprovar Agenda da Classe Trabalhadora e pregar a continuidade do governo Lula; das 30 mil pessoas esperadas, apenas metade compareceu”.
Independente do facciosismo da novidade e do seu caráter ilegal, porque o sindicato não pode imiscuir-se em procedimentos partidários, a serviço de partidos ou sobrepondo-se a ele, o fato de antecipar uma sindicalização partidária vai representar regresso formidável na nossa frágil organização partidária, herança direta do regime autoritário, que por duas vezes extinguiu os partidos e depois do insucesso do festejado bipartidarismo, optou pela fragmentação deles para deteriorar o instrumento imprescindível do funcionamento democrático, agora sob a ameaça do expediente da sua eliminação de fato na medida em que se pretende sua perversão mercê do famigerado imposto sindical.
Desde que, ainda estudante, comecei a militar na vida partidária, até o ingresso na magistratura, ou seja, de 1945 a 1989, ouvi ser imperioso extinguir o imposto sindical e, por faz ou nefas, ele tem a solidez das coisas provisórias no Brasil e que duram mais que as definitivas. E isto é um dos aspectos mais expressivos da nossa realidade social e das consequências inevitáveis que dela decorrem. Pois hoje o imposto em causa historicamente serve para o peleguismo eleitoral. Para dar um exemplo, 500 passagens aéreas foram adquiridas, por uma central, para transportar pessoas para a brincadeira no Pacaembu! Não seria demais?
P.S.: Do Liceu Leão XIII, do Rio Grande, aos 96 anos, faleceu o padre salesiano Hugo Neves Ferreira, o derradeiro sobrevivente dos meus professores do ginásio. Grande sacerdote e amigo.
*Jurista, ministro aposentado do STF
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