domingo, 26 de setembro de 2010

'Lula tenta enfraquecer discussão das denúncias'

DEU EM O GLOBO

ENTREVISTA Lúcio Rennó

Ao atacar a imprensa, o presidente Lula adota uma tática eleitoral com o objetivo de desqualificar as denúncias de corrupção ligadas ao governo. A observação é do cientista político Lúcio Rennó, pós-doutorando pelo German Institute of Global and Area Studies e professor da Universidade de Brasília.

Ele acha difícil avaliar o impacto na campanha das denúncias de corrupção com pesquisas divergentes


Fabio Brisolla

O GLOBO: O que diferencia a eleição presidencial atual das disputas anteriores?

LÚCIO RENNÓ: A popularidade do presidente é o grande diferencial da eleição. E ele parece estar transferindo essa popularidade a seus aliados. Em 98, havia um presidente relativamente popular (Fernando Henrique Cardoso). O mesmo ocorreu em 2006, com o próprio presidente Lula. Mas esta eleição tem esse novo aspecto: todo mundo quer ser da base aliada, o que denota uma constatação popular do sucesso do governo.
Popularidade é sinônimo de transferência de votos até que ponto?

RENNÓ: A Dilma teve papel no governo, mas não existiria como candidata não fosse o apoio pessoal do Lula. A presença do presidente requisitada nas disputas estaduais é um indício forte de seu prestígio como cabo eleitoral. A popularidade parece ser proporcional ao seu potencial para transferir votos. Mas, nesse caso, a influência dele deve ser maior nas eleições aos governos estaduais e ao Senado.

Qual é a influência do apoio do presidente nas eleições para deputado federal e estadual?

RENNÓ: Na disputa para deputado federal e estadual, pesa muito a trajetória do candidato.Prevalece a relação dele com grupos específicos, que podem ser locais como os eleitores de uma cidade ou região; ou corporativos, quando o voto é vinculado a associações de taxistas ou bancários, por exemplo. PT tenta blindar Dilma contra as denúncias

Como o senhor avalia a postura do presidente diante das denúncias de corrupção relacionadas ao governo?

RENNÓ: Lula é muito inteligente. Ele investe na mensagem de que a mídia tem um complô contra o presidente da República. É uma forma de desacreditar a fonte das notícias sobre corrupção. A lógica passa a ser: será que é isso mesmo? A estratégia é dizer que os meios de comunicação têm predisposição política definida e contrária ao governo. É uma forma de dar um arsenal para seus eleitores e apoiadores contra-argumentarem nas discussões políticas que reverberam as notícias. É uma tática eleitoral sagaz. Lula tenta enfraquecer a discussão das denúncias. O governo bate no mesmo ponto: por que as denúncias só acontecem agora quando falta uma semana para a eleição? Esse é o recurso de retórica que vem sendo utilizado pelo governo.

A campanha de Dilma Rousseff segue um discurso semelhante..

RENNÓ: O PT seguiu a mesma estratégia adotada no escândalos dos aloprados (quando petistas foram flagrados tentando comprar um dossiê contra os tucanos) em 2006: blindar a Dilma como fizeram com Lula. Ela se diz surpresa, traída... e repete que ainda é preciso comprovar as acusações. A Dilma diz que não tinha conhecimento das acusações envolvendo a Erenice (Guerra, ex-ministra da Casa Civil). E fica nisso.

As críticas às denúncias quase não surtiram efeito, nas pesquisas, para José Serra. Qual deve ser a postura da campanha do PSDB na reta final da eleição?

RENNÓ: Diante das denúncias, o PSDB está fazendo o papel dele. É o que tem de fazer mesmo. Debater a crise ética. Até porque restam poucos argumentos para a campanha deles. Há uma timidez do PSDB para defender um governo que fez muitas reformas importantes para o país. Essa defesa deveria ser feita com veemência, assim como o governo Lula faz com sua administração. E, sem essa defesa, sobram poucos argumentos para a campanha de Serra.

Como o senhor avalia o impacto das denúncias recentes envolvendo a Casa Civil nas pesquisas de opinião?

RENNÓ: Uma pesquisa apontou um impacto no percentual de votos válidos. Houve uma queda na vantagem de Dilma, segundo o Datafolha. Mas na pesquisa Vox Populi não há oscilação.
Permanece o mesmo quadro eleitoral após os escândalos. Portanto, uma pesquisa captou os efeitos do escândalo e outra não captou. Esses resultados desencontrados dificultam muito a análise sobre o impacto das denúncias na campanha eleitoral. Vale ressaltar que a diferença entre as duas pesquisas não é tão grande. Mas é suficiente para confundir a avaliação e criar uma dúvida que não existia antes.

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