quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Ganhos e perdas da era Lula::Editorial - O Estado de S. Paulo

O Brasil viveu uma longa fase de prosperidade nos dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A economia cresceu e 30 milhões de pessoas entraram no mercado de consumo, graças à elevação dos salários e aos programas de transferência de renda. Mas esse governo foi também um tempo de oportunidades perdidas. A pauta de reformas ficou paralisada. Isso explica em boa parte a permanência do País no grupo dos menos competitivos e a preocupante erosão de suas contas externas. É necessário, num balanço econômico dos dois mandatos, levar em conta esses dois lados da história.

A produção brasileira cresceu 36,8% durante o governo Lula, admitindo-se uma expansão de 7,5% em 2010. O ritmo anual médio de crescimento foi 4%, o dobro do registrado nas duas décadas anteriores.

Entre 2003 e 2010 a economia brasileira passou da 12.ª para a 8.ª posição entre as maiores do mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) estimado para este ano em US$ 2,02 trilhões. Mas muitos outros países cresceram velozmente nesta década, e a maior parte dos emergentes, incluídas China, Índia, Turquia, Colômbia e Polônia, expandiu-se mais do que o Brasil.
Houve uma enorme prosperidade global no período Lula, até 2008, em contraste com os anos 90, marcados por uma sucessão de grandes crises internacionais. Muitas economias aproveitaram a onda favorável dos últimos anos e avançaram. O Brasil também foi beneficiado. Se as exportações em 2010 chegarem aos US$ 198 bilhões projetados pelo Banco Central (BC), terão crescido 227,8% em oito anos.

Mas outros países também expandiram velozmente as vendas externas e a posição brasileira entre os maiores exportadores pouco tem variado. Além disso, as exportações mais dinâmicas têm sido as de produtos básicos, graças à demanda crescente da China e de outras grandes economias emergentes.

Boa parte do vigor econômico dos últimos oito anos dependeu de condições criadas entre 1994, início do Plano Real, e 2002. Este fato foi quase sempre escamoteado pelo presidente Lula, empenhado em se apresentar como inventor do Brasil. De fato, a segurança econômica foi garantida pelo tripé formado por metas de inflação, superávit primário e câmbio flexível, componentes da herança recebida de um governo mais sério e mais trabalhador. A abertura econômica dos anos 90 e a privatização de atividades típicas de mercado tornaram o País mais eficiente. A reordenação das finanças públicas, a partir da renegociação das dívidas de Estados e municípios, permitiu uma gestão fiscal mais equilibrada. A Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, completou essa mudança. Além disso, o Plano Real restaurou os instrumentos de política monetária, usados com sucesso nos últimos oito anos, sempre contra os velhos padrões petistas.

Mas os ganhos de eficiência pararam, porque o governo Lula não promoveu nenhuma reforma comparável às dos anos 90. Ensaiou timidamente renovar o sistema tributário, mas desistiu. Maus impostos ainda encarecem o investimento, a produção e a exportação. A indústria continua cobrando uma política de competitividade, várias vezes prometida e nunca executada.

Só o aumento da tributação permitiu obter algum superávit primário, porque o gasto público, especialmente o de custeio, cresceu de forma ininterrupta. No segundo mandato as contas públicas entraram em deterioração e o governo, em vez de corrigir o rumo, apelou para grotescos disfarces contábeis.

Na política externa, a competência e o realismo foram substituídos pela diplomacia do espetáculo, movida por um terceiro-mundismo requentado e pela ambição pessoal do presidente. O governo desprezou oportunidades de acordos comerciais com os mercados mais desenvolvidos e deu prioridade a uma fantasiosa política Sul-Sul. Os parceiros considerados "estratégicos" - da vizinhança ou do outro lado do mundo - tiraram vantagem do Brasil e nunca lhe concederam prioridade. Só o presidente e seus gênios da estratégia parecem não ter notado esse fato. Com um cenário externo muito menos favorável, o novo governo terá de cuidar mais de reformas e menos de fantasias.

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