DEU NO VALOR ECONÔMICO
A vida do partido mudou no governo e mudará mais ainda
A vida do PT mudou muito, desde que assumiu pela primeira vez a Presidência da República, em 1º de janeiro de 2003. Num primeiro momento, sofreu perdas importantes de quadros internos, absorvidos pelo governo que começava. A ausência de uma direção forte, como a que existia sob José Dirceu, presidente do partido entre 1994 até a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, e de quadros históricos que foram para o ministério petista, fizeram ascender nas instâncias partidárias quadros que se firmaram por posições consolidadas na máquina burocrática do partido, centralizada por José Dirceu no momento anterior. Eram quadros sem grande liderança interna, apoiados por um Campo Majoritário que também estava presente com muita força no governo.
O PT foi atingido em cheio pelo Escândalo do Mensalão, em 2005. Ficou credor de Lula, que com sua liderança pessoal ganhou a disputa pela reeleição, em 2006, enquanto o partido, abalado pelos escândalos, chegou a reduzir a sua bancada na Câmara.
Os escândalos levaram junto lideranças que tinham uma grande ascendência sobre a máquina partidária. José Dirceu, o presidente do partido que articulou o Campo Majoritário, estava fora. O grupo paulista foi muito atingido. A renovação tornou-se inevitável. Como o PT tinha prática de articulação orgânica, e não tinha mais lideranças absolutas, acabou fazendo uma transição menos traumática do que era previsto. A perda de setores mais à esquerda facilitou a articulação de novos termos de convivência entre as facções que ficaram. Ao mesmo tempo, o avanço do partido fora de São Paulo e a redução da força petista no reduto paulista ajudaram a ascensão de outras lideranças, em especial do Nordeste.
Para resgatar seu eleitorado, o PT precisou da liderança pessoal do presidente Lula. Volta ao Congresso, depois das eleições deste ano, como primeira bancada na Câmara e segunda no Senado. A relação com o novo governo, todavia, será outra.
Há quem aposte na total dependência de Dilma Rousseff ao partido, já que seu vínculo com o PT é muito menos forte que o de Lula - e a presidente eleita depende do apoio do seu partido no Congresso. Há quem assegure o contrário: que o PT, em disputa dentro do governo com o PMDB, será subserviente à presidente eleita. A soma de um presidencialismo forte como o brasileiro e um partido articulado como o PT, todavia, pode resultar numa relação talvez mais equilibrada do que a mantida entre o PT e Lula. Partido e presidente se misturavam, tanto internamente como para o eleitor, embora Lula, depois de 2005, tenha se tornado muito maior do que o PT. Dilma e o PT não se misturam, mas dependem um do outro. Isso não é uma desvantagem, mas apenas um dado novo, que indica que a relação da presidente eleita com o seu partido será diferente. Se a distância entre ambos se resolver com a formulação de políticas públicas e no debate político, essa relação pode ganhar qualidade. Se ficar na disputa por espaço político no governo, pode perder qualidade. É o que se saberá a partir de 1º de janeiro.
Se Dilma Rousseff fizer do debate político o elemento de ligação com o seu partido, poderá manter nos mesmos termos a relação com outros partidos aliados de perfil clientelista, como o PMDB. A presidente eleita tem a seu favor também uma base de apoio parlamentar reforçada, que Lula não teve a sorte de ter em nenhum dos seus dois governos. Isso fortalece Dilma e enfraquece os partidos da coalizão, já que as dissensões podem ter efeito limitado de pressão dos partidos sobre o governo. Nos dois mandatos de Lula, se uma parcela muito grande do PMDB roesse a corda, não era possível aprovar nenhuma medida importante. Hoje, a base é mais diversificada. A dissidência pode prejudicar mais ao partido desunido do que ao governo.
Existe ainda um espaço para o governo avançar na base oposicionista. Lideranças do DEM e do PSDB que têm um eleitorado mais tradicional se ressentiram muito nas últimas eleições e estão com grande dificuldade de sobrevivência. Essa é uma perspectiva que fortalece a posição do novo governo, mesmo que a adesão desse setor oposicionista não se concretize.
No dia 1º de janeiro, um carro aberto desfilará com a primeira mulher eleita presidente do Brasil. Há oito anos, o carro que se movia lentamente pela Esplanada dos Ministérios levava o primeiro operário eleito para o cargo mais alto da República. A história andou muito a partir de 1989, primeiras eleições diretas para a Presidência da República, num ritmo mais acelerado do que o carro que desfila com presidentes empossados.
Há quase 47 anos o Brasil iniciava seu último período ditatorial. Faz 25 anos que acabou o último governo militar. 21 anos nos separam da primeira eleição direta para presidente; e há 20 anos se promulgava a nova Constituição brasileira.
Uma geração que já é adulta nasceu na democracia e sequer tem lembranças do período negro da ditadura. Essa geração não tem a dimensão do que é, para a história do país, o fato de uma mulher que foi presa política assumir a presidência da República. Isso é história em seu estado puro.
Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras
A vida do partido mudou no governo e mudará mais ainda
A vida do PT mudou muito, desde que assumiu pela primeira vez a Presidência da República, em 1º de janeiro de 2003. Num primeiro momento, sofreu perdas importantes de quadros internos, absorvidos pelo governo que começava. A ausência de uma direção forte, como a que existia sob José Dirceu, presidente do partido entre 1994 até a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, e de quadros históricos que foram para o ministério petista, fizeram ascender nas instâncias partidárias quadros que se firmaram por posições consolidadas na máquina burocrática do partido, centralizada por José Dirceu no momento anterior. Eram quadros sem grande liderança interna, apoiados por um Campo Majoritário que também estava presente com muita força no governo.
O PT foi atingido em cheio pelo Escândalo do Mensalão, em 2005. Ficou credor de Lula, que com sua liderança pessoal ganhou a disputa pela reeleição, em 2006, enquanto o partido, abalado pelos escândalos, chegou a reduzir a sua bancada na Câmara.
Os escândalos levaram junto lideranças que tinham uma grande ascendência sobre a máquina partidária. José Dirceu, o presidente do partido que articulou o Campo Majoritário, estava fora. O grupo paulista foi muito atingido. A renovação tornou-se inevitável. Como o PT tinha prática de articulação orgânica, e não tinha mais lideranças absolutas, acabou fazendo uma transição menos traumática do que era previsto. A perda de setores mais à esquerda facilitou a articulação de novos termos de convivência entre as facções que ficaram. Ao mesmo tempo, o avanço do partido fora de São Paulo e a redução da força petista no reduto paulista ajudaram a ascensão de outras lideranças, em especial do Nordeste.
Para resgatar seu eleitorado, o PT precisou da liderança pessoal do presidente Lula. Volta ao Congresso, depois das eleições deste ano, como primeira bancada na Câmara e segunda no Senado. A relação com o novo governo, todavia, será outra.
Há quem aposte na total dependência de Dilma Rousseff ao partido, já que seu vínculo com o PT é muito menos forte que o de Lula - e a presidente eleita depende do apoio do seu partido no Congresso. Há quem assegure o contrário: que o PT, em disputa dentro do governo com o PMDB, será subserviente à presidente eleita. A soma de um presidencialismo forte como o brasileiro e um partido articulado como o PT, todavia, pode resultar numa relação talvez mais equilibrada do que a mantida entre o PT e Lula. Partido e presidente se misturavam, tanto internamente como para o eleitor, embora Lula, depois de 2005, tenha se tornado muito maior do que o PT. Dilma e o PT não se misturam, mas dependem um do outro. Isso não é uma desvantagem, mas apenas um dado novo, que indica que a relação da presidente eleita com o seu partido será diferente. Se a distância entre ambos se resolver com a formulação de políticas públicas e no debate político, essa relação pode ganhar qualidade. Se ficar na disputa por espaço político no governo, pode perder qualidade. É o que se saberá a partir de 1º de janeiro.
Se Dilma Rousseff fizer do debate político o elemento de ligação com o seu partido, poderá manter nos mesmos termos a relação com outros partidos aliados de perfil clientelista, como o PMDB. A presidente eleita tem a seu favor também uma base de apoio parlamentar reforçada, que Lula não teve a sorte de ter em nenhum dos seus dois governos. Isso fortalece Dilma e enfraquece os partidos da coalizão, já que as dissensões podem ter efeito limitado de pressão dos partidos sobre o governo. Nos dois mandatos de Lula, se uma parcela muito grande do PMDB roesse a corda, não era possível aprovar nenhuma medida importante. Hoje, a base é mais diversificada. A dissidência pode prejudicar mais ao partido desunido do que ao governo.
Existe ainda um espaço para o governo avançar na base oposicionista. Lideranças do DEM e do PSDB que têm um eleitorado mais tradicional se ressentiram muito nas últimas eleições e estão com grande dificuldade de sobrevivência. Essa é uma perspectiva que fortalece a posição do novo governo, mesmo que a adesão desse setor oposicionista não se concretize.
No dia 1º de janeiro, um carro aberto desfilará com a primeira mulher eleita presidente do Brasil. Há oito anos, o carro que se movia lentamente pela Esplanada dos Ministérios levava o primeiro operário eleito para o cargo mais alto da República. A história andou muito a partir de 1989, primeiras eleições diretas para a Presidência da República, num ritmo mais acelerado do que o carro que desfila com presidentes empossados.
Há quase 47 anos o Brasil iniciava seu último período ditatorial. Faz 25 anos que acabou o último governo militar. 21 anos nos separam da primeira eleição direta para presidente; e há 20 anos se promulgava a nova Constituição brasileira.
Uma geração que já é adulta nasceu na democracia e sequer tem lembranças do período negro da ditadura. Essa geração não tem a dimensão do que é, para a história do país, o fato de uma mulher que foi presa política assumir a presidência da República. Isso é história em seu estado puro.
Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras
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