terça-feira, 3 de abril de 2012

O domínio dos cara de pau:: Vinicius Torres Freire

Difícil saber se corrupção cresceu, mas desfaçatez e dano político causado pela bandalha parecem maiores

Nas temporadas em que se acumulam os vazamentos de histórias de corrupção, a gente se pergunta o motivo de a publicidade da bandalheira ter aumentado.

Houve rebuliço nas quadrilhas, desentendimentos, que espargem vinganças? As correições e polícias diversas estão (subitamente?) mais produtivas? A safadeza é tão maior que passou a escapar pelo ladrão (vaza pelo cano de escoamento de excessos de líquidos, para quem não conhece a origem da expressão)?

Estamos numa dessas temporadas, que começou com a derrubada de ministros e prossegue aos borbotões, nas bandalhas "menores" (de impacto insuficiente para derrubar ministros, melhor dizendo). Com as esquisitices, digamos, que o Conselho Nacional de Justiça e corregedorias de tribunais descobrem. Temos agora a volta desse Carlos Cachoeira e seus respingos em Goiás e no Congresso. As propinas na Saúde.

Até esquecemos a história recente das emendas na mui pouco investigada Assembleia de São Paulo. Os rolos em série no governo do Distrito Federal. Ou na Prefeitura de Campinas. Não estamos falando nem de cafundós, da série infinita de escândalos de Roraima, por exemplo.

Estatísticas de malfeitorias, quando há, são quase irrelevantes, pois imprecisas ou subjetivas, como as desses rankings internacionais de "corrupção percebida". Difícil medir a coisa, pois um malfeito corrupto é multidimensional.

Dinheiro pequeno nas alturas da República equivale a quantos assaltos desses de que ouvimos vez e outra nos computadores do INSS? Além do dinheiro envolvido, deveríamos avaliar ainda o grau de descontrole democrático implicado num roubo, numa propina para a nomeação de fulano, na compra de parlamentares? Um escândalo isolado de grau 1, digamos, vale a metade de dois escândalos de grau 1 ou a acumulação de bandalhas deve ser composta (multiplicada), de modo a medirmos a aproximação de uma "crise geral do sistema" (ou, em outros termos, sinal de que a mãe Joana tomou conta da casa)?

Valeria a pena o esforço de medir, se possível? Talvez não.

Mesmo a multiplicação de instituições para vigiar e punir não foi capaz de controlar a bandalha num cercadinho de tamanho aceitável.

Decerto, sem polícias (e a Federal melhorou, diga-se, para quem não se recorda dos anos 1990), promotores e procuradores, novas corregedorias, tribunais de contas etc., a coisa poderia ser pior. Mas não é disso de que se trata aqui.

Talvez seja o momento de perguntar se teremos (correições, imprensa, organizações civis) capacidade de controlar um Estado tão grande e miriademente enrolado, de resto nesse contexto político-cultural, digamos, de institucionalização insolente da cara de pau.

Lei da Ficha Limpa? Pode melhorar. Mas é um incentivo à tentativa de manipulação de tribunais de segunda instância, atentemos.

Medidas públicas de eficiência do governo? Pode ser. Dado certo insumo, poderíamos esperar tal produto -discrepâncias grandes seriam inépcia braba ou roubo.

Ainda assim, é pouco. Algo mais grave aconteceu. Considerem a desfaçatez das demandas, dos acordos políticos, da desordem política e administrativa provocada com o fim explícito de explorar feudos do Estado. Era pior? Mas foi piorando.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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