Nunca antes neste país, para usar expressão ao feitio do ex-presidente Lula, um governo se esmerou tanto na arte de anunciar medidas atabalhoadas e desistir delas pouco depois. A pressa de Dilma Rousseff para dar uma resposta às manifestações populares nas ruas brasileiras e minimizar a derrocada de sua popularidade resultou em decisões equivocadas, tomadas sem o mínimo planejamento, das quais se viu obrigada a abrir mão diante da reação negativa da opinião pública.
O clamoroso despreparo e a falta de humildade da presidente da República a fizeram propor, sem realizar uma consulta prévia com juristas e advogados, uma Constituinte exclusiva para a reforma política. Até mesmo auxiliares próximos de Dilma, como o vice-presidente Michel Temer, especialista em Direito Constitucional, não esconderam a surpresa diante de tamanho despautério, já que é consenso nos meios jurídicos que uma nova Constituinte só se justificaria em casos de ruptura institucional no país. Tratou-se, na prática, de uma iniciativa golpista que, se levada adiante, colocaria em risco todo o ordenamento institucional vigente.
Após o retumbante fracasso da proposta, o governo do PT insistiu na convocação de um plebiscito por meio do qual os brasileiros decidiriam os principais pontos da reforma. Mais uma vez, houve forte rejeição à descabida iniciativa, rapidamente sepultada pelos próprios partidos da base aliada no Congresso.
A sucessão de trapalhadas também atingiu a área da saúde. Com muita propaganda e pouco conteúdo, a presidente anunciou a criação do programa Mais Médicos e, com ele, a exigência de que os estudantes de medicina fizessem um estágio de dois anos adicionais no SUS, o que aumentaria a duração do curso de seis para oito anos. Novamente tomada sem que se levasse em consideração a opinião dos próprios médicos ou das universidades, a decisão foi duramente criticada por diversas entidades do setor, o que fez com que o governo suspendesse o equivalente a um serviço civil obrigatório.
As idas e vindas não pararam por aí. O Ministério da Saúde publicou no Diário Oficial uma portaria com novas regras para a cirurgia de pessoas interessadas em mudar de sexo, determinando que o tratamento com hormônios poderia ser iniciado aos 16 anos, e a cirurgia, permitida a partir dos 18. Mas Dilma sucumbiu diante das pressões dos setores mais conservadores de sua base de apoio e recuou de novo.
Completamente desorientado na área econômica, o governo do PT também patinou quando se tratou da ajuda do FMI à endividada Grécia. No fim de julho, o representante brasileiro no órgão, Paulo Nogueira Batista, se absteve na votação que aprovou o suporte financeiro aos gregos, no que foi publicamente desautorizado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, entusiasta do novo pacote.
Sobretudo desde que passou a ser aconselhada pelo atual ministro da Educação, que em 2009, quando senador, subiu à tribuna para revogar sua decisão "irrevogável" de deixar a função de líder do PT na Casa, Dilma colecionou fracassos e viu todas as suas iniciativas ruírem. Nada do que o governo propôs nos últimos meses teve consequência, e os recuos indicam falta de rumo, de firmeza, de capacidade, de diálogo e de habilidade política. A arte petista de revogar o irrevogável leva o país à desmoralização e escancara o desgoverno a que estamos submetidos.
*Roberto Freire, deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS.
Fonte: Brasil Econômico
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