O esforço da presidente Dilma Rousseff para conter a rebelião entre aliados e amenizar a crise não se restringiu aos encontros com deputados, no início da semana, e com senadores, ontem. Ela tomou o leme da articulação política ao definir a redução no número de envio de medidas provisórias e a retirada do requerimento de urgência para o projeto do Código da Mineração, mas o principal trunfo — e o mais controverso —, no entanto, foi a portaria publicada na última sexta-feira, no Diário Oficial da União, que flexibiliza o empenho de recursos pelo governo federal. A medida, criticada por especialistas, libera o empenho, sem projeto prévio, de contratos firmados pela União com prefeituras. Na prática, a medida facilita a aplicação de recursos previstos por emendas parlamentares.
Na semana passada, o Planalto se comprometeu a liberar R$ 6 bilhões em emendas em três parcelas, de R$ 2 bilhões cada uma. Logo em seguida, foi publicada a Portaria Interministerial n° 274, de 1º de agosto. De acordo com o texto, o empenho, instrumento que cria para o Estado a obrigação de pagamento, poderá ser realizado antes da apresentação da proposta de trabalho. De acordo com a nova norma, para fazer o empenho, é preciso apenas o CNPJ da prefeitura, previamente cadastrado no Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse (Sincov). Após a realização da reserva do recurso, será estabelecido um prazo para a apresentação da proposta.
Para o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, a medida abre brecha para "esterilizar" o recurso, que ficará comprometido e poderá não ser usado. "Isso foi feito na ânsia de liberar as emendas e agradar a base parlamentar. Uma medida com cunho eleitoral, que em nada acrescenta ao ponto de vista do controle e do planejamento público", avalia.
Para um especialista na área, que pediu para não ser identificado, a inovação "parece não se harmonizar" com a atual legislação. Segundo ele, não se pode criar a obrigação de pagamento com base em um mero cadastramento do convênio. Ele destaca que, para a realização de pagamento, é preciso, entre o cumprimento de outras exigências, que já esteja devidamente aprovado o plano de trabalho apresentado pelo órgão. "Afinal, somente após a aprovação do plano de trabalho é que a Administração Pública se certificará do correto e justo valor a ser empenhado", disse.
Normatização
Um técnico orçamentário ouvido pelo Correio, que também pediu anonimato, porém, vê com bons olhos a portaria do governo federal. Na avaliação dele, é importante que se normatize a questão do empenho de recursos. "Hoje, o gestor de um ministério fica inseguro no momento de fazer o empenho se o município que quer o dinheiro, por exemplo, ainda não tiver apresentado um plano de trabalho. Por precaução, a maioria prefere empenhar a verba apenas quando esse plano já é apresentado, para se prevenir de qualquer problema no futuro. Normatizando isso agora, fica mais fácil e menos burocrático, até porque o empenho pode ser cancelado depois, caso as coisas não deem certo", afirma.
O Ministério do Planejamento enviou para as demais pastas um passo a passo sobre como gerar o empenho vinculado ao CNPJ no Siconv. Em nota, a Controladoria-Geral da União explicou que, até o projeto ser apresentado, o convênio ficará sob condição suspensiva. "Se a proposta de trabalho não for apresentada no prazo fixado ou se não for aprovada, o empenho será cancelado", diz trecho da nota. "A portaria não autoriza liberação de recursos antes da aprovação da proposta de trabalho", acrescenta.
"Isso foi feito na ânsia de agradar à base parlamentar. Uma medida com cunho eleitoral, que em nada acrescenta ao ponto de vista do controle e do planejamento público"
Gil Castello Branco, secretário-geral da NG Contas Abertas
Fonte: Correio Braziliense
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