segunda-feira, 31 de março de 2014

A resistência política e democrática ao golpe - posição do PCB(1967)

Resolução Política - VI Congresso - Partido Comunista Brasileiro - Dezembro de 1967

Reuniu-se o órgão dirigente supremo do Partido Comunista Brasileiro — seu Congresso Nacional. Por feliz coincidência, realizou-se este Congresso no ano em que os povos comemoram o 50.° aniversário da Grande Revolução Socialista de Outubro, o maior acontecimento dos tempos modernos, que abriu uma nova era na História da Humanidade — a era do socialismo e do comunismo, do triunfo mundial do marxismo-leninismo.

O VI Congresso do Partido Comunista Brasileiro, que culminou um período de vários meses de intensa e democrática discussão em suas fileiras, não obstante as condições difíceis de clandestinidade e repressão policial criadas pela ditadura, adoptou a seguinte resolução política:

I — A Situação Internacional
Nos anos decorridos após o V Congresso, a evolução da situação internacional confirma a tese do movimento comunista de que, na época contemporânea, a direcção principal do desenvolvimento básico é determinada pelo sistema socialista mundial e pelas forças que lutam contra o imperialismo e pela transformação socialista da sociedade.

A situação internacional caracteriza-se, hoje, pelo progresso do socialismo e do conjunto de forças de libertação, ao mesmo tempo que pela resistência do imperialismo e suas manobras agressivas.
O sistema socialista mundial, com a União Soviética à frente, fortaleceu-se consideravelmente. Seu prestígio e sua influência se elevaram. Abrangendo 14 Estados, ocupando 26% da superfície da Terra, os países socialistas já contribuem com 40% da produção industrial de todo o mundo e constituem o factor principal do impulso do processo revolucionário da actualidade.

Outra característica marcante da situação mundial está nos acontecimentos que se processam na Ásia, África e América Latina, onde continua se desenvolvendo o movimento de libertação nacional. Nos últimos anos, cerca de duas dezenas de antigas colônias impuseram-se como Estados politicamente independentes, trazendo a participação de milhares de pessoas na luta por novas conquistas sociais. Numerosos desses países entraram, após conquistar a independência estatal, em uma etapa de luta pela independência econômica, contra as tentativas neocolonialistas do imperialismo, que procura recuperar as posições perdidas e impedir o progresso social desses países.

Por sua vez, nos países capitalistas mais adiantados, o movimento operário trava grandes batalhas de classe contra os monopólios. O proletariado de vários países conquistou novas posições para prosseguir a ofensiva contra o regime explorador. A luta das forças democráticas, entre as quais aumenta a influência da classe operária, obtém êxitos notáveis na França. Na Itália, a combatividade dos trabalhadores foi posta em evidência por enérgicas acções de massa, em defesa da democracia e do progresso. Na Espanha, cresce a tendência à unidade das forças democráticas contra a ditadura franquista. Em todos os países dessa área, assim como no Japão, a consciência da necessidade de defender a paz estende-se aos mais amplos sectores da população e anima a actividade de numerosas correntes de opinião. Adquirem maior amplitude e vigor, repercutindo no mundo inteiro, as lutas que se desenvolvem nos Estados Unidos contra a miséria e a discriminação racial, e em defesa da paz. Reveste-se, também, de grande significado a posição assumida pela Igreja Católica, em cujo seio poderosas correntes colocam-se em consonância com as forças que lutam pela paz, pela democracia e contra a exploração capitalista, e tomam posição favorável à aspiração dos povos à independência e ao socialismo.

A correlação de forças no âmbito mundial continua modificando-se em favor do movimento operário, do movimento de libertação nacional e do socialismo. Mas o período que examinamos se caracteriza também pela intensificação da agressividade imperialista. O aprofundamento da crise geral do capitalismo e o aguçamento de suas contradições levam o imperialismo a novas aventuras, que ameaçam a causa da paz e do progresso social. Ao mesmo tempo, porém, entram em crise as alianças políticas e econômicas, e os pactos militares dos imperialistas, decompondo a estratégia da guerra fria.

Continua crescendo o potencial econômico e militar dos principais países capitalistas, notadamente dos Estados Unidos. É, entretanto, como fera acuada, em recuo histórico, que o imperialismo luta encarniçadamente para opor resistência às forças da revolução, tomando, em alguns sectores, a contra-ofensiva. O imperialismo norte-americano, que exerce o papel de gendarme mundial, é a principal força reaccionária da nossa época. Intervém brutalmente nos assuntos internos de muitos países e povos e ameaça seriamente a paz mundial. Intensifica a criminosa guerra contra o povo vietnamita. Instigando o Estado de Israel e fomentando a guerra no Médio Oriente, tenta conter e derrotar a luta dos povos árabes por sua libertação e independência. Procura sufocar pela força das armas o movimento de libertação nacional, como aconteceu em São Domingos. Não cessa as suas provocações contra Cuba revolucionária e dirige golpes militares, como aconteceu na Indonésia, Brasil, Argentina, Grécia e outros países. Estimula o ressurgimento do nazismo e a nuclearização da Alemanha Federal.

O carácter agressivo do imperialismo norte-americano revela-se com maior clareza na guerra que faz ao povo vietnamita, em que recorre aos meios mais bárbaros de destruição e assassinatos. Impotentes diante da bravura indomável com que o povo do Vietname do Sul defende sua terra e sua liberdade, os imperialistas estenderam a sua agressão à República Democrática do Vietname, violam as fronteiras do Laos e do Camboja e prosseguem na escalada que ameaça generalizar o conflito e pode levar a uma guerra mundial termonuclear.

A opinião pública do mundo inteiro acompanha com admiração a heróica luta dos patriotas vietnamitas e a eles presta crescente solidariedade. Mesmo nos Estados Unidos, o povo realiza sucessivas e cada vez maiores manifestações de protesto contra a agressão ao Vietname, o que muito contribui para reforçar o apoio internacional à resistência dos lutadores vietnamitas e amplia a luta contra o imperialismo norte-americano, em defesa da paz mundial.

Neste Congresso, reafirmamos a solidariedade fraternal e activa do Partido Comunista Brasileiro ao povo vietnamita e saudamos a ajuda política, econômica, técnica e militar que a União Soviética e outros Estados socialistas dão ao povo vietnamita. Dentro das possibilidades dos países socialistas, essa ajuda tem como limite apenas as necessidades e os desejos dos patriotas vietnamitas e constitui a mais elevada manifestação de intemacionalismo proletário.

Os acontecimentos na arena mundial confirmam, assim, que, enquanto existir o imperialismo, continuará latente a ameaça de guerra de rapina, de conflitos armados que podem levar ao desencadeamento de uma guerra termonuclear. Contra a política agressiva de provocação de guerra do imperialismo ergue-se vitoriosa a estratégia da luta pela paz, pela distensão, pela coexistência pacífica, a política leninista praticada pela União Soviética e outros países socialistas, com o apoio de todos os povos amantes da paz. A defesa da paz constitui uma das formas mais importantes da luta dos povos contra o imperialismo, reflecte os interesses vitais da classe operária e de todos os trabalhadores. Os povos dispõem agora de forças suficientes para impedir, com acções intensas e coordenadas, que irrompa uma nova guerra mundial. Toma-se indispensável, no entanto, para conter a reacção internacional e salvaguardar a paz mundial, que se mantenha vigilância permanente e que sejam mobilizados todos os povos e forças defensoras da paz a fim de repelir os actos agressivos do imperialismo.

Os comunistas brasileiros tudo farão para activar e ampliar o movimento em defesa da paz mundial, que deve mobilizar a opinião pública para influir na política externa do país e afastá-lo da obediência aos interesses imperialistas dos fomentadores de guerra dos Estados Unidos.
Nosso dever de solidariedade aos povos que lutam pela libertação nacional e o progresso social impõe-nos uma actividade permanente de esclarecimento do povo brasileiro sobre o carácter verdadeiro dessas lutas e de denúncia das acções e ameaças agressivas do imperialismo. É dever dos comunistas condenar a política do governo brasileiro de apoio ao colonialismo português e desenvolver em nosso país a solidariedade aos povos de Angola, Moçambique e Guiné portuguesa, que lutam contra a tirania salazarista e pela independência nacional.

A solidariedade a todos os povos irmãos do continente que, juntamente connosco, sofrem a brutal agressão do imperialismo norte-americano e seus associados internos merece atenção particular de nossa parte. É necessário intensificar a luta contra a OEA e a sua política de intervenção nos assuntos internos dos povos latino-americanos, contra a constituição da chamada “Força Interamericana de Paz” e seus disfarces, como a Junta Militar da OEA, e contra a corrida armamentista. A unidade de esforços facilitará o desmascaramento da “Aliança para o Progresso” e a luta contra a política económico-financeira ditada pelo Fundo Monetário Internacional. É nosso dever desenvolver ampla campanha de solidariedade a todos os perseguidos, presos e condenados políticos nos diversos países da América Latina.

A solidariedade à revolução cubana e ao govemo que constrói na América o socialismo é agora mais importante do que nunca diante dos crescentes esforços do imperialismo para isolar Cuba, tomar efectivo o bloqueio comercial e desencadear a intervenção armada. E nosso dever impulsionar um amplo movimento de solidariedade à Revolução Cubana. Defendendo-a, defenderemos nossos próprios interesses, a liberdade, a dignidade e o futuro do nosso povo.

A luta em defesa da paz mundial e em apoio a todos os povos que lutam contra o imperialismo constitui factor importante que amplia e reforça a luta contra a ditadura em nosso país. E é intensificando o combate à ditadura, instrumento do imperialismo norte-americano, que daremos nossa maior contribuição ao movimento em defesa da paz mundial, à luta contra o imperialismo e pela vitória do socialismo e do comunismo no mundo inteiro.

Contra o imperialismo norte-americano e a ditadura militar entreguista em nosso país, o Partido Comunista Brasileiro luta por uma política conseqüente de paz, de desarmamento e de independência nacional. O esforço perseverante pela unidade de todas as forças contrárias à guerra mundial é a tarefa primordial de todos os comunistas.

II —A Situação Econômica e Social do Brasil
O Brasil passou, nos anos de após guerra, por grandes transformações. Nessa fase, deixa de ser um país especializado na produção de limitados artigos primários de exportação para transformar-se numa nação de economia agrário-industrial.

O processo de industrialização foi o elemento dinâmico essencial do desenvolvimento capitalista. Entre 1948 e os dias actuais, a produção industrial multiplicou-se por quatro, enquanto que o produto interno bruto cresceu de 2,6 vezes e o número de habitantes aumentou em 60%. A indústria de bens de produção ganhou maior impulso. O valor da sua produção eqüivale ao valor da produção de bens de consumo, sendo que em 1939 correspondia a menos de metade. É preciso considerar que houve uma grande expansão da própria indústria de bens de consumo, cuja produção até à Segunda Guerra Mundial satisfazia apenas a uma fracção da demanda nacional. Ela hoje abastece, praticamente, todo o mercado brasileiro. A indústria pesada, por seu turno, já pode atender a três quartas partes das necessidades brasileiras de equipamentos.

Este processo de industrialização assentou-se na ampliação e na integração, em plano nacional, de um mercado interno formado principalmente através da expansão do crescimento urbano, do alargamento das áreas agrícolas e da penetração do capitalismo no campo. As dificuldades de importação no período da guerra mundial, os estímulos oficiais, a falta de divisas cambiais e outras circunstâncias concorreram igualmente para a criação de uma faixa importante de mercados para a indústria, com a substituição de produtos anteriormente importados por similares fabricados no país. A economia brasileira passou a ter o seu centro dinâmico no próprio mercado interno, deixando de ser um mero apêndice do mercado imperialista. Nas relações da economia brasileira com o mercado internacional, um facto positivo vem ocorrendo: o intercâmbio comercial com os países socialistas.

Contudo, esse desenvolvimento econômico, embora significativo e importante, pouco alterou a posição relativamente inferior do Brasil no conjunto das nações quanto aos níveis de produção e consumo por habitante. Por outro lado, não criou o número de empregos que seriam necessários para absorver a mão-de-obra disponível. Ampliou-se assim nos centros urbanos uma camada da população desempregada ou semiempregada, vivendo em condições de miséria, o que possibilita a compressão dos salários dos trabalhadores e empregados.

No desenvolvimento brasileiro de após guerra coube um papel de relevo ao capitalismo de Estado. Os investimentos estatais, surgidos a partir da criação de Volta Redonda, representam algo bem diferente das inversões feitas pelo Estado em épocas mais remotas, as quais se limitavam a determinados serviços públicos e obras assistenciais. Essas empresas estatais — que surgiram da pressão do povo e das forças progressistas — representam um recurso válido para enfrentar os monopólios estrangeiros no terreno da siderurgia, do petróleo, da energia eléctrica, etc. Com a criação de grandes empresas estatais e dado o peso e a posição que ocupa em postos-chave da economia, o Estado passou a desempenhar missão de importância no processo de desenvolvimento econômico. Ademais, o Estado ampliou e activou a sua intervenção na economia através dos mecanismos oficiais de controlo e incentivo do sector privado.

O desenvolvimento econômico apoiou-se, particularmente, no processo inflacionário. A inflação crônica, que deriva de causas estruturais e atingiu taxas elevadíssimas nos anos de 1960-65, em conseqüência também de causas conjunturais, foi o recurso usado para acelerar a taxa de acumulação de capital. Beneficiando-se da inflação durante um largo período, a burguesia temeu a hiperinflação que ameaça subverter todo o sistema econômico.

O desenvolvimento do após guerra acentuou diversos desequilíbrios e deformações da economia. A indústria concentra-se na região sudeste e sul, cuja produção correspondeu, em 1964, a 93,85% do total, restando, assim, apenas 6,15% para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Tomaram-se mais complexos os problemas do país desde que existem nele regiões relativamente desenvolvidas inseridas num todo atrasado, que cada vez mais se distancia do núcleo muito mais adiantado. Particularmente chocante é a situação das regiões norte e nordeste, que abrangem mais da metade do território nacional, com uma população de 33 milhões de habitantes, cuja renda per capita é inferior a cem dólares por ano e cujos índices de atraso e miséria são alarmantes, reduzindo a 30 anos a vida média das populações.

O desenvolvimento do conjunto da economia não foi acompanhado por um crescimento correspondente da produção agrícola, particularmente aquela destinada ao abastecimento interno, o que se relaciona com a lentidão do ritmo de crescimento da área cultivada e da produtividade por hectare.

No desenvolvimento econômico havido revelou-se a tendência à concentração e centralização do capital e da produção a taxas excepcionais, elevando-se a taxa de exploração dos trabalhadores. Baixou o salário real da classe operária. Ao lado de sectores da população cujos padrões de vida foram elevados, aumentaram as camadas que vivem em condições miseráveis, particularmente no interior do país e nas regiões norte e nordeste. Essa tendência tornou-se mais nítida na fase que se inicia em Abril de 1964.

Por fim, é necessário salientar que se evidenciou a base insegura do processo de desenvolvimento. Em virtude das limitações do mercado interno, do baixo poder aquisitivo da população, do esgotamento do processo de substituição de importações por produtos fabricados no Brasil e da espoliação imperialista, o desenvolvimento não pôde manter-se em taxas elevadas e já em 1962 começa a decrescer.

De um modo geral, à base dessas características do processo de desenvolvimento ocorrido está o papel nocivo que nele coube ao capital imperialista e ao sistema latifundiário de exploração da terra. A crescente afirmação dos elementos nacionais progressistas da economia não rompeu os vínculos e privilégios que compõem a dominação imperialista e a exploração latifundiária. Nisso residem as causas fundamentais de atraso persistente e das distorções crescentes que marcam o desenvolvimento em curso no Brasil.

Não obstante o crescimento considerável dos investimentos do poderio absoluto e da actividade dos monopólios imperialistas, seu peso específico na economia tendeu a diminuir, graças à redução da importância relativa do comércio externo e ao crescimento do sector nacional — estatal e privado. Mas o desenvolvimento foi também apoiado em grandes inversões do capital estrangeiro, levando a um aumento absoluto dos investimentos imperialistas, localizados, de preferência, em alguns pontos-chave e nos ramos mais rentáveis da economia. A acção do imperialismo faz-se através de vários meios: investimentos directos, empréstimos, exploração das patentes, deterioração dos preços das mercadorias que exportamos, etc. O resultado final da sua acção é sempre nocivo ao desenvolvimento do país. Ela provoca a deformação da economia de acordo com os interesses dos trusts e monopólios, impedindo ou dificultando que o desenvolvimento econômico obedeça aos interesses da nação e do povo. Provoca a drenagem de parte da riqueza criada pelos trabalhadores brasileiros para as metrópoles do capital financeiro. Provoca a redução da taxa de acumulação interna.

O sistema latifundiário é outro entrave fundamental à expansão das forças produtivas do país. Pelo censo de 1960, o número de estabelecimentos agrícolas de 500 hectares e mais, correspondendo a 2,2% do número total dos estabelecimentos, ocupa 58% da área total e apenas 18,5% da área cultivada. A compra de grandes glebas por norte-americanos reforça o sistema latifundiário.

Graças ao monopólio da terra por uma pequena minoria de grandes proprietários, imperam na agricultura os métodos mais atrasados de exploração do trabalho e gestão da propriedade. O latifúndio impede o acesso à terra e o melhor aproveitamento dos que nela querem trabalhar. Daí o mísero padrão de vida da população rural, as dimensões limitadas do mercado interno, a baixa produtividade da agricultura, a concentração da renda agrícola nas mãos de uma minoria privilegiada. Tudo isso perturba a acumulação interna e actua negativamente em relação ao desenvolvimento da economia.

A força e o papel do latifúndio não obscurece o peso crescente da penetraçao do capitalismo na agricultura, particularmente no estado de São Paulo. Mais de 80% da área cultivada encontram-se hoje em propriedades situadas na faixa abaixo de 500 hectares, na qual estão concentrados mais de dois terços dos trabalhadores rurais assalariados. Transfere-se assim para as propriedades preferentemente exploradas por processos capitalistas e para as economias de pequenos e médios agricultores o papel de forças mais activas da agricultura.

Essas tranformações capitalistas não conseguiram, porém, romper a crosta das relações pré-capitalistas de produção na maior área rural do país. Elas deram-se simultaneamente com a maior concentração da propriedade da terra, com a elevação das taxas de arrendamento, com o aumento do preço da terra e, também, com a proliferação dos minifúndios.

O sistema latifúndiário continua oprimindo a grande maioria da população que vive no campo. Esta se compõe, em mais de 80%, de trabalhadores agrícolas privados de terra própria e que são forçados a emigrar constantemente, esmagados pelos latifundiários. Suas condições de vida e nível de consciência variam acentuadamente, segundo as regiões do país. Para muitos deles, a reivindicação básica é ter trabalho, lugar para morar e condições de prover ao sustento da família. Um número considerável, entretanto, aspira à posse da própria terra e desperta para outras reivindicações.

O desenvoivimento econômico nas últimas décadas teve grande repercussão em todos os sectores da vida social e política do país.

O Brasil era um país em que os grandes proprietários de terra predominavam no poder político. A população urbana era reduzida e tinha pequena expressão política. Os trabalhadores do camo viviam isolados pelas fronteiras quase intransponíveis do latifúndio. Apenas um por cento da população participava no processo político. Desde então, as cidades cresceram e o número das que abrigam mais de 20 mil habitantes passou a ser em 1960 de 172. Em 1965, o número de habitantes das cidades eqüivale já ao das zonas rurais.

As transformações ocorridas contribuíram para definir melhor as classes e camadas sociais e para elevar a sua participação na luta política. Em tal processo, despontaram, como forças políticas progressistas mais activas, o proletariado urbano e rural, as massas camponesas e a camada maioritária da pequena burguesia urbana.

O processo de industrialização determinou importantes mudanças no nosso proletariado, o qual engloba hoje aproximadamente 8 milhões de pessoas, sendo 3 milhões de operários urbanos e 5 milhões de assalariados agrícolas. Na indústria fabril, temos cerca de um milhão e seiscentos mil operários. O proletariado já representa um terço da população brasileira economicamente activa. Houve, assim, em curto espaço de tempo, acentuada alteração na estrutura da nossa classe operária. Suas fileiras foram engrossadas principalmente por elementos vindos do campo e das pequenas cidades do interior.

Outro facto significativo foi a concentração do proletariado em grandes empresas localizadas preferencialmente na região centro-sul e nas grandes metrópoles. Somente em São Paulo, em 1960, existiam 802 estabelecimentos industriais com mais de 200 operários, representando 1,5% dos estabelecimentos fabris, mas empregando 50,6% dos operários de toda a indústria do estado. A classe operária modificou-se ainda em conseqüência das alterações havidas na própria estrutura industrial. Enquanto sectores tradicionais da classe operária, localizados na indústria leve, nos portos e ferrovias, pouco cresceram, surgiu um proletariado novo na indústria automobilística, química, mecânica pesada, de construção naval, electrónica e de material eléctrico, etc., no qual existe uma parcela considerável e crescente de operários com níveis relativamente altos de instrução e qualificação.

As transformações ocorridas no número e na estrutura do proletariado reflectem-se na conduta do movimento operário. A presença, ao lado do núcleo mais consciente da classe operária, de uma grande massa de trabalhadores recentemente vindos do campo e das cidades do interior, reduziu, temporariamente, o nível médio de consciência de classe e de combatividade do conjunto do proletariado. Influiu no mesmo sentido a acção do Estado brasileiro que, mantendo os sindicatos sob o seu controlo, assumia posições demagógicas e paternalistas em relação aos trabalhadores. Mas, apesar disso, verificou-se o crescimento da influência do movimento operário na vida nacional. Os sindicatos passaram da acção estrita no terreno das reivindicações profissionais para uma actividade mais ampla. Nas condições favoráveis criadas pelo processo democrático, chegaram a esboçar, especialmente em seus congressos e conferências, um programa de luta democrático e anti-imperialista. A própria luta dos trabalhadores contra a política de congelamento de salários, ferindo um ponto básico da política económico-financeira governamental, exerceu um papel político importante nesse período. As posições políticas do movimento operário reflectem-se nos demais sectores da população, especialmente entre os camponeses e a pequena burguesia urbana, fazendo com que o movimento operário já desempenhe importante papel na mobilização, aglutinação e impulsionamento do bloco de forças nacionalistas e democráticas que se opõe ao imperialismo e seus agentes.

Com a crescente penetração do capitalismo na agricultura criou-se a grande massa de assalariados agrícolas, de semiproletários e camponeses pobres. Parte dos assalariados agrícolas passou a residir nas cidades e vilas. Surgiram os empreiteiros e “contratistas” da mão-de-obra rural. Aumentou a exploração das grandes massas trabalhadoras do campo e acentuou-se a desigualdade com as condições de vida dos centros urbanos. Ao mesmo tempo e em conseqüência do desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação, a população rural aproxima-se da urbana. Despertou a consciência das massas trabalhadoras do campo, que começaram a organizar-se e a levantar suas reivindicações. As ideias de reforma agrária ganharam maior amplitude e profundidade. Através do movimento sindical foram criadas maiores possibilidades para a aliança operário-camponesa.

O desenvolvimento determinou a formação de uma numerosa pequena burguesia urbana com composição e estrutura igualmente novas no país. No passado, esta camada era constituída fundamentalmente por artesãos, pequenos produtores, profissionais autônomos e servidores públicos. Seu peso no conjunto da população brasileira era pequeno. Hoje, os servidores públicos chegam a um milhão de pessoas. Os bancários, empregados do comércio, auxiliares diversos, técnicos, etc., já somam cerca de 1,5 milhões de pessoas. O surgimento desse grupo activo e numeroso de assalariados determina uma mudança de qualidade na composição e no papel da pequena burguesia urbana. Aproximando-se da classe operária, por sua situação econômica, ela tende cada vez mais a assumir um comportamento favorável ao movimento democrático e libertador. Representa um factor importante de democratização da vida cultural do país, no campo da literatura, das artes e das ciências, e leva à formação de uma corrente progressista da intelectualidade, a qual desempenha intensa actividade na vida política. A pequena burguesia urbana mantém, entretanto, seus vínculos com a burguesia, especialmente os de carácter político e ideológico, e comporta-se por isso de modo vacilante e instável. Sua importância na vida política, que já é tradicional, aumentou consideravelmente graças a essas modificações e ao poder de mobilização e actuação que lhe é característico, bem como ao seu nível elevado de instrução e informação.

Com a industrialização, ampliou-se o sector da burguesia cujos interesses estão ligados ao desenvolvimento autônomo do país. Este sector distingue-se, em muitos aspectos, da burguesia comercial, outrora predominante.

Luta para controlar o mercado interno e se choca com a acção do imperialismo. Seu interesse pela ampliação do mercado consumidor leva-o a apoiar a luta pela reforma agrária. Formou-se e ampliou-se, assim, um sector burguês que se liga ao movimento nacionalista e democrático, contrapondo-se nisto ao sector entreguista da burguesia brasileira.

III — A Mudança do Regime Político
A derrubada do governo Goulart trouxe uma modificação profunda na vida política brasileira. Assinala uma derrota das forças democráticas e nacionalistas, e uma vitória das correntes reaccionárias e entreguistas. O golpe de estado de 1.° de Abril, resultante da junção de forças políticas, econômicas e sociais numerosas e heterogêneas, deu início a um novo processo político em nosso país. O Brasil se encontra hoje asfixiado por um regime ditatorial, militar, de conteúdo entreguista, antidemocrático e antioperário. Este regime, consagrado na Constituição de 1967, interrompeu o processo democrático que se desenvolvia durante o regime anterior, regido pela Constituição de 1946. Modificou profundamente a forma estatal de poder, corn danos incontáveis para os interesses da maioria do povo e do conjunto da nação.

O regime ditatorial suprimiu conquistas democráticas contidas na Constituição de 1946. O poder foi empolgado pelos grupos internos mais reaccionários, associados ao imperialismo norte-americano. A burguesia nacional foi relegada a um plano secundário no aparelho de Estado. A pequena burguesia foi afastada da esfera de influência sobre as decisões oficiais. Num clima de terror policial, o proletariado foi submetido a uma política de arrocho salarial e teve anuladas muitas de suas conquistas, como o direito à estabilidade. Aumentou a opressão da massa camponesa. A ditadura interveio nas organizações sindicais, procurando transformá-las em organizações de carácter recreativo e assistencial. A intelectualidade foi submetida a uma política de obscurantismo e terror cultural.

O Estado brasileiro foi colocado a serviço de uma política de alienação da soberania nacional e de repressão às aspirações democráticas e progressistas do povo. O traço essencial dessa política está em que impõe ao país um curso de desenvolvimento que reforça a dependência e a subordinação ao imperialismo norte-americano e defende as posições da reacção interna. A capacidade de investimento, ordenação e incentivo que o Estado detém na esfera econômica é accionada no sentido de reforçar a posição dos monopólios norte-americanos e obrigar a integração da economia brasileira no esquema de necessidades e interesses destes monopólios. Os governantes realizam um grande esforço para prejudicar as empresas estatais, e até mesmo entregar algumas delas ao capital imperialista. Acentuaram o aspecto negativo do capitalismo de Estado, usando certas empresas estatais em benefício dos trusts e monopólios.

Sob o pretexto de combater a inflação e racionalizar a produção, o Estado intervém no processo capitalista de concentração e centralização da produção e do capital, aumentando a exploração da classe operária. A intervenção oficial nas relações entre empregados e patrões é levada a níveis inauditos, com o propósito de pressionar para baixo os salários. O poder aquisitivo dos trabalhadores foi reduzido em 15,3% em 1965 e em 15,6% em 1966. A massa de pequenas e médias empresas, onde predomina o capital nacional, é coagida à falência ou à absorção pelos grupos imperialistas, especialmente os norte-americanos. Acentua-se, assim, o processo de desnacionalização da nossa economia. O sistema de exploração latifundiária é garantido pela acção policial e pelo clima de terrorismo prevalecente no interior do país.

A política externa se faz com o sacrifício da soberania e dos interesses nacionais em favor dos imperialistas dos Estados Unidos. O nome do Brasil é vergonhosamente associado à acção de gendarme internacional exercida pelos Estados Unidos, particularmente na América Latina.

Para a realização dessa política interna e externa de desenvolvimento subordinado ao imperialismo norte-americano e aos interesses da reacção dentro do país, as liberdades democráticas são suprimidas. Procura-se aplicar no Brasil, sob inspiração directa dos imperialistas norte-americanos, uma doutrina de poder semifascista, baseado numa camarilha militar. As instituições clássicas da democracia burguesa são extintas, ou mantidas apenas formalmente, ao mesmo tempo que os poderes do Estado se concentram nos órgãos executivos sujeitos à influência dos monopólios imperialistas. As forças militares são dirigidas para esmagar o próprio povo, em função de um novo conceito de segurança nacional, segundo o qual os inimigos potenciais não são mais os estrangeiros que atentam contra a integridade física ou a soberania da nação, mas as próprias forças nacionais que se opõem ao regime autoritário e entreguista.

O processo de instauração da ditadura e a execução de sua política antinacional e antipopular, sob o governo de Castelo Branco, provocou em poucos meses um forte descontentamento no país. Isso se evidenciou no pleito eleitoral directo para a escolha dos governadores de alguns estados da Federação, particularmente Guanabara e Minas Gerais. Aí, pela primeira vez, o povo se manifestou a respeito do quadro político, votando nos candidatos apoiados pela oposição. A situação política se agravou. Sectores militares exigiam o não reconhecimento dos resultados do pleito eleitoral e ameaçavam depor o governo Castelo Branco. A crise foi superada com a decretação do Acto Institucional n.° 2, que acentuou os aspectos reaccionários do regime e determinou a “eleição indirecta” para a presidência da República, a fim de impedir que o pleito presidencial directo, previsto para 1966, possibilitasse a eleição de um candidato comprometido com a oposição. Dessa maneira, os acontecimentos de Outubro de 1965 levaram as forças reaccionárias a um compromisso em torno da sucessão presidencial, para enfrentar a crise política e evitar que se aprofundasse a divisão entre militares. O beneficiário desse compromisso reaccionário foi o ministro da Guerra.

O aglomefado de forças que se reuniu em tomo do Sr. Costa e Silva, do qual participaram elementos golpistas militares e civis marginalizados pelo govemo Castelo Branco, proporcionou uma base política mais ampla ao novo govemo ditatorial. Costa e Silva, quando ainda candidato e ao tomar posse, prometeu certas mudanças na política da ditadura. Criticou a política ecnómico-financeira e a política externa do governo anterior. Tudo isso contribuiu para criar um clima de expectativa de mudanças favoráveis ao povo, o que chegou a influenciar sectores da pequena burguesia e mesmo do proletariado, e paralisou praticamente a oposição burguesa. Seu governo, entretanto, se distingue apenas em aspectos secundários do governo Castelo Branco. Refletem-se nele, com maior força, as pressões de sectores da burguesia brasileira interessados no desenvolvimento econômico.

O governo Costa e Silva procura consolidar o regime entreguista e reaccionário imposto à nação. É defensor intransigente da actual Constituição, que afasta o povo da vida poütica, liquida na prática as garantias individuais e anula numerosas conquistas dos trabalhadores. Sua política económico-financeira não incorpora qualquer compromisso que implique em alteração substancial da política entreguista e antioperária do governo anterior. Deixa intactas as medidas do governo Castelo Branco no sentido de entregar o controlo de sectores-chaves e mais rentáveis da economia aos monopólios norte-americanos. Conserva a política de arrocho salarial e mantém em vigor as leis que na prática negam o direito de greve e sujeitam os reajustamentos de salários ao arbítrio do governo.

Mantendo, no essencial, a política do seu antecessor, o governo Costa e Silva, na medida em que procurou atrair e atender sectores descontentes da burguesia brasileira, teve de renunciar ao monopolismo da política do governo Castelo Branco. Essa alteração incorporou ao seu governo elementos de vacilação e duplicidade, que tendem a acentuar-se à proporção que se agravam as dificuldades do país.

Abrem-se, assim, possibilidades maiores à activação do movimento oposicionista e à mobilização do povo na luta pelas reivindicações democráticas e nacionais. Entretanto, o comportamento do governo Costa e Silva comprova que a mera troca de homens na chefia do governo, sem mudar decisivamente a composição de forças no poder e sem afectar a essência do regime entreguista e reaccionário, jamais conduzirá à solução dos problemas do país de acordo com os interesses das massas trabalhadoras e da maioria da nação.

A resistência crescente que a ditadura encontra em seu caminho evidencia o descontentamento que ela desperta na grande maioria do povo. Sua ruptura com as lideranças políticas civis mais expressivas, sua incapacidade de submeter os intelectuais e estudantes à sua influência, o fracasso de sua tentativa de manietar o movimento organizado dos trabalhadores, exprimem a contradição inconciliável entre o regime e as aspirações da maioria da nação.

O sentimento popular contrário à ditadura vem encontrando dificuldades para manifestar-se concretamente em acções de vulto contra o regime. A debilidade da luta democrática deve-se, principalmente, à derrota sofrida pelo movimento de massas em 1964, à própria fraqueza, anterior ao golpe de Estado, das correntes progressistas, e ao baixo nível de organização das massas. A prisão, desterro e marginalização sofridos pelas lideranças populares que se afirmaram no período de ascenso democrático, a desarticulação das organizações de massas, a ilegalização e a difusão do terror entre os trabalhadores tiveram como resultado o nítido recuo da participação do povo na luta por suas reivindicações e na vida política. Nesta última, a participação das correntes democráticas ficou limitada nos primeiros anos da ditadura à actividade de uma cúpula oposicionista e à resistência de alguns poucos sectores de vanguarda da classe operária e da pequena burguesia. Coube, nesse sentido, um papel destacado à intelectualidade, em particular aos estudantes.

Nos últimos meses, assinala-se uma participação mais activa da classe operária na luta contra a política salarial do governo, apesar dos enormes obstáculos criados ao desenvolvimento da actividade sindical. Nos principais centros industriais, o movimento sindical une suas forças contra o arrocho salarial, numa luta que tem o apoio de outros sectores da população. Os trabalhadores do campo iniciaram a reactivação dos seus sindicatos e procuram resistir ao não cumprimento das leis trabalhistas por parte dos fazendeiros. Tais actividades, entretanto, estão longe de assumir as proporções necessárias ao assestamento de golpes profundos no regime ditatorial.

Por tudo isto, o aspecto mais negativo da presente situação política reside na grande debilidade do movimento de massas, particularmente da classe operária. A ele acrescenta-se a dificuldade que encontram para unir-se as diversas correntes contrárias à ditadura. Na superação dessas falhas está o caminho para a modificação radical da situação brasileira.

IV — Nosso Objectivo Estratégico
O desenvolvimento capitalista verificado no Brasil, embora limitado, teve um carácter objectivamente progressista, desde que significou a evolução para um estágio mais adiantado da sociedade. As possibilidades desse caminho não se esgotaram inteiramente. Mas esse tipo de desenvolvimento não soluciona os problemas que afligem o povo brasileiro. É um caminho pelo qual se intensifica a exploração da classe operária e das massas trabalhadoras, e não são atendidas as exigências da maioria da nação. Um outro tipo de desenvolvimento, que se oriente para a liquidação do domínio imperialista e do monopólio da terra, é reclamado pelas necessidades objectivas da economia do país e pelos interesses nacionais e populares.

O Brasil vive uma crise de estrutura. Esta decorre do aguçamento das contradições entre as forças produtivas nacionais, que buscam novas formas de desenvolvimento e progresso, e os obstáculos que a actual estrutura da economia do país lhes opõe. As forças sociais que defendem a conservação dessa estrutura são o imperialismo, os latifundiários e os capitalistas brasileiros ligados ao imperialismo. A burguesia entreguista, cujos interesses estão entrelaçados com os grupos imperialistas, constitui um apoio social interno da opressão nacional, e seu poderio aumentou com o desenvolvimento econômico dependente do país. Ela também tem sido um factor de contenção da reforma agrária, porque tem interesses vinculados com a grande propriedade territorial.

A contradição fundamental entre as necessidades de desenvolvimento e o sistema de dominação imperialista e exploração latifundiária deve ser resolvida para possibilitar o avanço progressista da sociedade brasileira. 
O maior impecilho à solução dessa contradição é a aliança política entre o imperialismo e a reacção interna.
A revolução brasileira, em sua presente etapa, deverá liquidar os dois obstáculos históricos que se opõem ao progresso da nação: o domínio imperialista e o monopólio da terra. Ela é, assim, nacional e democrática. Devido à preponderância do factor nacional, a direcção do golpe principal está voltada contra o imperialismo, particularmente o norte-americano, e seus agentes internos. A burguesia entreguista será liquidada como força social juntamente com os outros inimigos da revolução.


À medida que as relações capitalistas se expandem, a luta de classes entre operários e patrões se amplia e tende a acentuar-se. Sobre os trabalhadores recaem as conseqüências mais pesadas da dominação imperialista e da exploração latifundiária. O proletariado deve intensificar e não amainar a luta em defesa de seus interesses e direitos. Acelerará, assim, o processo da revolução nacional e democrática. Mesmo não liquidando a exploração dos operários pela burguesia, a revolução nacional e democrática abre caminho para a vitória do socialismo.

O objectivo fundamental da reforma agrária radical é a liquidação do monopólio da propriedade da terra. As terras dos latifundiários serão expropriadas e entregues gratuitamente aos camponeses sem terra, ou com terra insuficiente, e aos que nela queiram trabalhar. A transformação da actual estrutura agrária se realizará com base na propriedade camponesa, em forma individual ou colectiva, e na propriedade estatal. Serão preservadas e garantidas as pequenas e médias propriedades, e não se tocará na propriedade do camponês rico.

A revolução brasileira é parte integrante da revolução socialista mundial. Amadurece sob a influência de uma nova situação internacional, e transcorre numa fase de aguda luta contra o inimigo fundamental dos povos — o imperialismo norte-americano. Ela conta com o apoio e a solidariedade do sistema socialista, dos povos que lutam pela libertação nacional e a independência, do proletariado e das forças progressistas dos países capitalistas mais desenvolvidos.

O proletariado é a força motriz principal da revolução. O campesinato e a pequena burguesia urbana constituem com ele as forças fundamentais. A burguesia nacional, tendo interesse objectivo na emancipação nacional, é uma força capaz de opor-se ao imperialismo e de participar da revolução em sua presente etapa.

A classe operária deve lutar para conquistar a hegemonia do processo revolucionário, a fim de que este seja conseqüente. A unidade da classe operária e sua aliança com o campesinato e a pequena burguesia urbana são as condições necessárias para que o proletariado conquiste a hegemonia.

A vitória da revolução nacional e democrática assegurará a completa libertação econômica e política do país da dependência ao imperialismo e a transformação radical da estrutura agrária, com a eliminação do monopólio da propriedade da terra e das relações pré-capitalistas de produção. Com a nacionalização das empresas pertencentes aos monopólios norte-americanos e outras medidas anti-imperialistas, os lucros que agora escoam para o exterior ficarão em poder do Estado brasileiro. Este poderá, então, acelerar o ritmo das inversões e o desenvolvimento econômico do país, livre de um processo inflacionário. O sector estatal será consolidado e exercerá plenamente o papel de núcleo mais dinâmico e acelerador da economia. 

Devidamente estruturado em bases democráticas, será um instrumento poderoso para a industrialização e o desenvolvimento de uma economia nacional independente. A reforma agrária ampliará o mercado interno, possibilitará baixar os custos da produção agro-pecuária, e elevar o nível de vida das amplas massas trabalhadoras. Através desse caminho de desenvolvimento serão criadas as condições materiais para o desenvolvimento socialista da sociedade brasileira.

A realização dessas transformações na estrutura da economia exige uma profunda mudança na correlação de forças políticas e a passagem do poder estatal para as mãos das classes e camadas que participam da luta contra o imperialismo e o latifúndio. Do poder estatal participarão, assim, as diversas correntes e partidos revolucionários.

A profundidade da revolução nacional e democrática e a rapidez com que se processará sua passagem para a etapa socialista dependerão da força e da capacidade de luta que no processo da revolução adquira o núcleo fundamental das forças revolucionárias, da influência que ele exercer sobre as camadas sociais que lhe estão mais próximas. A condição política fundamental para a transição ao socialismo reside na hegemonia do proletariado.

Esforçando-se por conduzir à luta contra o imperialismo e o latifúndio as mais amplas massas da população brasileira, inclusive a burguesia nacional, os comunistas exercerão seus esforços principais na mobilização do proletariado e na formação de uma sólida aliança política com as outras forças fundamentais da revolução 

— os camponeses e a pequena burguesia urbana — a fim de colocar o proletariado em condições de conquistar o papel dirigente no bloco das forças revolucionárias e do poder estatal estabelecido com a vitória da revolução nacional e democrática.

V — Nossa Táctica
Na situação actual, nossa principal tarefa táctica consiste em mobilizar, unir e organizar a classe operária e demais forças patrióticas e democráticas para a luta contra o regime ditatorial, pela sua derrota e a conquista das liberdades democráticas. A realização dessa tarefa está estreitamente ligada aos objectivos revolucionários em sua etapa actual e ao desenvolvimento da luta da classe operária pelo socialismo.

O carácter prioritário da defesa das liberdades democráticas decorre da necessidade de que as amplas massas intervenham na vida política e no processo revolucionário. A luta pelas liberdades, desde os direitos de reunião, associação e manifestação, até à liberdade de imprensa e de organização dos partidos políticos liga-se à luta de massas em todos os seus níveis, das reivindicações mais elementares às batalhas decisivas pelo poder. Cada vitória, pequena ou grande, ou mesmo derrota na luta pelas liberdades, incorpora-se à experiência de luta que levará as massas a avançar em seus objectivos, formar e prestigiar suas organizações e seus líderes, intervir decisivamente nas acções políticas que conduzirão à derrota do regime ditatorial.

A classe operária, o campesinato e a pequena burguesia urbana são as forças fundamentais da frente antiditatorial. A aliança destas forças constituirá a base de aglutinação das demais forças antiditatoriais, dará firmeza e conseqüência às acções contra a ditadura, influindo na sua derrota e na evolução ulterior da situação do país. A burguesia nacional participa da frente antiditatorial, embora sua oposição ao regime seja limitada. Outros sectores das classes dominantes, cujos interesses são contrariados pela política do governo ditatorial, podem participar de acções contra o regime e ser úteis à activação e fortalecimento da frente ditatorial.

A classe operária é a principal força motriz da frente ditatorial. A actividade primordial dos comunistas deve dirigir-se no sentido de organizar e desenvolver a unidade de acção da classe operária em defesa de seus interesses econômicos e políticos imediatos e pela derrota da ditadura. É indispensável partir sempre da defesa daqueles interesses que possam levar os trabalhadores a se unir e lutar. A formulação acertada das reivindicações mais sentidas dos trabalhadores, relacionadas com o salário, as condições de vida e trabalho, os direitos de reunião e manifestação, bem como a organização da luta por estes reivindicações e a escolha das formas adequadas para a condução da luta devem ser uma preocupação permanente dos comunistas. A luta contra a política salarial, ao mesmo tempo que atende aos interesses mais sentidos da classe operária e de todos os assalariados, possui grande importância política, pois atinge as bases da política económico-financeira da ditadura. É necessário, portanto, concentrar esforços para organizá-la e intensificá-la, de modo a que nela participem amplas massas e se desenvolva a unidade de acção dos trabalhadores em todos os níveis — nas empresas, municípios, Estados e nacionalmente.

A actuação no movimento sindical é o meio principal para a activação do movimento operário. Os comunistas devem concentrar sua actividade dentro das empresas. Com este propósito, necessitam utilizar todas as possibilidades de organização legais, como as delegacias sindicais, as CIPAS (Comissões Internas de Prevenção contra Acidentes) e outras organizações existentes e que reúnam os trabalhadores. Para estender o movimento sindical a toda a classe operária, é também indispensável o fortalecimento dos sindicatos através da elevação do número de sindicalizados. Actuando dentro da estrutura sindical vigente, é necessário levar os sindicatos a conquistarem uma estrutura livre da interferência do Estado e dos patrões.

Tem particular importância caminhar-se para a constituição de centros coordenadores e unificadores do movimento sindical. Aproveitando todas as possibilidades legais, o movimento sindical não deve restringir-se às limitações impostas pelo regime ditatorial, mas desenvolver-se de modo que as massas conquistem e assegurem seus direitos. Os comunistas devem actuar, também, nas organizações não sindicais dos trabalhadores. Entre estas, destacam-se as cooperativas, as associações de ajuda mútua, os clubes desportivos. A organização sindical dos assalariados agrícolas é de importância decisiva. As organizações e militantes sindicais das cidades devem prestar maior ajuda aos seus irmãos do campo, orientando, estimulando e apoiando a organização e a actividade dos sindicatos rurais nas regiões vizinhas.

A mobilização e a organização das massas camponesas são igualmente indispensáveis ao desenvolvimento da luta contra a ditadura. Este trabalho deve orientar-se no sentido da conquista de medidas que possibilitem reactivar o movimento associativo e reivindicatório dos camponeses e levá-los a lutar por seus interesses específicos, pela reforma agrária e a democracia. Entre outras, são estas as reivindicações capazes de mobilizar os camponeses: cumprimento da legislação que assegura determinados direitos, como a limitação da taxa de arrendamento; contra os despejos; abolição dos serviços gratuitos; eliminação do vale e do barracão; instituição obrigatória das carteiras profissionais; contrato de arrendamento a longo prazo contra a transformação de terras de cultivo em pastagens; pela entrega de títulos de propriedade da terra aos posseiros trabalhadores; isenção fiscal para a pequena propriedade de tipo familiar; instalação de escolas nas fazendas; assistência social; preços mínimos compensadores; medidas contra a acção de empresas estrangeiras e de açambarcadores nacionais que espoliam os produtores e os consumidores; crédito fácil e barato e assistência técnica para os pequenos e médios agricultores. Para a mobilização dos camponeses, é necessário intensificar a actividade entre os assalariados agrícolas.

A mobilização para a luta reivindicatória dos sectores assalariados da pequena burguesia urbana tem destacada importância na incorporação dessa camada à frente antiditatorial. Os bancários, empregados do comércio e de escritórios, servidores públicos, profissionais de nível técnico e outras categorias são levados a lutar contra a ditadura, através da defesa de suas reivindicações, especialmente o reajustamento e a elevação do seu salário.

O papel da intelectualidade progressista é de grande relevo no combate à ditadura. Os comunistas devem actuar como elementos de estímulo e unificação da luta dos intelectuais em defesa da cultura nacional, pela liberdade da pesquisa e criação e de manifestação do pensamento.

É grande a capacidade de acção política das mulheres. Sua mobilização muito contribuirá para o reforçamento da luta contra a ditadura. É necessário, com este fim, organizá-las sob diversas formas, para a luta por suas reivindicações próprias, contra as discriminações sociais e jurídicas que as colocam em situação de inferioridade na vida brasileira, pela igualdade de direitos da mulher trabalhadora, pela protecção à maternidade e à infância. Também por meio da luta contra a carestia de vida, pela solidariedade aos presos e perseguidos políticos e suas famílias, elas poderão dar importante contribuição democrática.

A participação da juventude na vida nacional tem significado crescente. Representando mais da metade da população do país e sendo por natureza mais sensíveis aos reclamos do futuro da nação, os jovens comunicam seu calor às lutas do povo. A juventude estudantil tem participado de lutas valorosas contra o regime opressor, embora seus movimentos se ressitam da influência, em sua liderança, de correntes sectárias. É preciso ganhar a maioria dos estudantes para esses combates, baseando-o mais solidamente na defesa das reivindicações peculiares à juventude escolar. É necessário, igualmente, mobilizar e organizar a juventude operária e popular, aglutinando-a em tomo de suas aspirações à instrução, ao trabalho, à recepção, ao desporto, e levando-a, por esse meio, a agregar-se à batalha geral de nosso povo pelo acesso aos bens materiais e culturais criados pela civilização moderna.

A mobilização de amplos sectores da população contra o regime ditatorial deve encaminhar-se, igualmente, através da luta das populações urbanas em tomo de reivindicações como o controlo dos aluguéis, construção de moradias, urbanização das favelas, solução para os problemas de transportes, ampliação da rede escolar, melhoria dos serviços urbanos e de abastecimento, etc. Nesse sentido, deve-se actuar nas organizações que reúnam os moradores das favelas, dos conjuntos residenciais, de bairro, cidades, etc.

O esforço fundamental para impulsionar o movimento de massas contra a ditadura deve ser acompanhado de um esforço tenaz para unificar a acção de todas as forças e personalidades políticas que resistem ao regime e a ele se opõem. Da frente antiditatorial participam igualmente correntes e personalidades religiosas.

Assume importância destacada, neste sentido, o sector progressista da Igreja católica. Na batalha contra o regime ditatorial, nosso principal propósito consiste em contribuir para a aglutinação de um bloco de forças de oposição. Os entendimentos com vários sectores da frente antiditatorial devem desenvolver-se a partir da unidade de acção por determinados objectivos concretos.

A elaboração de um programa mínimo que contenha os objectivos comuns constitui um factor decisivo para a formação e o avanço da frente antiditatorial. Para este programa, cuja definição resultará do acordo entre as diversas correntes, propomos os seguintes pontos básicos:

1. Revogação da Constituição de 1967 e de todos os actos ditatoriais que restrijam ou anulem as liberdades democráticas; restabelecimento dos direitos trabalhistas violados ou revogados pelo regime autoritário; liberdade e autonomia sindicais; libertação dos presos políticos e amnistia geral; convocação de uma assembleia constituinte, através de eleições livres, a fim de elaborar-se uma constituição democrática; restabelecimento de eleições directas para a Presidência da República; livre organização e funcionamento dos partidos políticos, inclusive do Partido Comunista; autonomia dos Estados e das capitais; eleições directas para todos os cargos electivos.

2. Revogação de todos os actos da ditadura que lesem os interesses nacionais; adopção de uma política de desenvolvimento independente da economia nacional; defesa da riqueza do país, da indústria nacional, das empresas estatais e da Amazônia.

3. Abolição da política de arrocho salarial; medidas para elevar o nível de vida das massas trabalhadoras das cidades e do campo; medidas parciais de,reforma agrária.

4. Realização de uma política externa de afirmação de soberania nacional, de defesa da autodeterminação dos povos, pelo desenvolvimento de relações econômicas e culturais com todos os países, pela preservação da paz mundial.

As formas concretas que assumirá a unidade das forças democráticas serão ditadas pelo desenvolvimento da luta. Por ser uma reunião de forças heterogêneas, a frente antiditatorial desenvolve-se simultaneamente com a luta entre os seus próprios componentes. Sectores sob a liderança da burguesia procurarão imprimir ao combate contra a ditadura um curso que não tenha como centro a mobilização e a organização de amplas camadas da população e lhes seja mais favorável. Os comunistas defenderão sempre, no seio da frente única, a necessidade fundamental de organizar e mobilizar o povo contra a regime ditatorial. Sem prejuízo da sua missão de defesa dos interesses específicos dos trabalhadores e de todos os explorados e oprimidos, os comunistas devem empreender a luta dentro da frente antiditatorial utilizando os meios que possibilitem a unidade de acção das correntes que dela participam.

A batalha antiditatorial exige um cuidado prioritário pela unidade das forças mais avançadas da frente única. Os comunistas obrigam-se, por isso, a dirigir sua atenção permanente para a aproximação com as diversas correntes que se incluem no movimento de esquerda, principalmente os agrupamentos ou personalidades que defendem os interesses do campesinato e da pequena burguesia urbana, bem como aqueles que se propõem a defender os interesses dos trabalhadores e efectivamente se incorporam à causa do nosso povo.
No combate ao regime reaccionário e entreguista, os comunistas devem contribuir activamente para a articulação do movimento nacionalista, a partir de determinados pontos, que provocam a justa revolta dos patriotas, tais como a defesa das empresas estatais, da Amazônia e das riquezas minerais, a denúncia dos acordos lesivos impostos pelo imperialismo, da presença de tropas e missões ianques no território nacional, da compra de terras por agentes imperialistas, etc.

Na mobilização de massas contra a ditadura, devemos desenvolver a luta por medidas parciais da reforma agrária que restrinjam os privilégios do monopólio latifundiário da terra, como sejam: desapropriação de latifúndios improdutivos, ou de exploração anti-económica, pelo valor declarado para fins fiscais; imposto territorial fortemente progressivo; venda de áreas aos camponeses sem terra a longo prazo e a juros baixos; etc.

A situação existente no Norte e Nordeste dá aos problemas dessas regiões uma importância nacional. Acentuam-se, com a política da ditadura, as condições de exploração e miséria em que vivem as massas trabalhadoras das cidades e do campo, permanentemente submetidas ao terror policial e a violência assassina dos latifundiários e seus capangas. O imperialismo norte-americano desenvolve, sob diversas formas, intensa actividade naquelas regiões, procurando amortecer a revolta e o espírito de luta de seus habitantes, apoderar-se das riquezas locais e preparar condições para ocupar seu território. Os problemas do Norte e do Nordeste exigem, pois, especial atenção dos comunistas, não apenas para mobilizar as massas trabalhadoras dessas regiões e levá-las à luta contra a miséria e a opressão, mas também para desenvolver nacionalmente a solidariedade a essas lutas, denunciar e combater os planos dos imperialistas norte-americanos e a acção de seus agentes.

A doutrinação sistemática, sob a orientação do imperialismo norte-americano, a que estão submetidos há vários anos os militares brasileiros exerce relevante papel na actuação das Forças Armadas, que são o suporte da ditadura. Por outro lado, centenas de militares que se destacavam por suas actividades nacionalistas foram alijados das fileiras e perseguidos. Tudo isso, no entanto, não impedirá que o desenvolvimento da luta das massas se reflicta no seio das Forças Armadas, incorporando oficiais, sargentos, cabos, soldados e marinheiros às lutas populares contra o regime ditatorial.

Apesar das medidas tomadas para instituir na prática o partido único, sectores e personalidades políticas desenvolvem, no Parlamento e fora dele, a oposição ao regime. Os parlamentares eleitos sob a legenda do MDB [Movimento Democrático Brasileiro] têm tido, com algumas excepções, uma posição vacilante diante das arbitrariedades da ditadura. Apesar disso, o MDB e outros agrupamentos existentes podem tornar-se um factor positivo para a mobilização das forças populares.

Nas lutas em defesa dos interesses e reivindicações das massas contra o regime ditatorial deve-se aproveitar ao máximo os meios de divulgação legais e realizar campanhas políticas e movimentos reivindicativos com base nas possibilidades legais existentes. Ao mesmo tempo, as força: populares não podem limitar-se aos marcos das leis impostas pelo regime e devem combinar as formas legais e ilegais de luta e organização. Os choques com a reacção serão inevitáveis. A autodefesa de massas é necessária para enfrentar a violência da repressão policial e constitui importante factor de preparação das massas para formas de luta mais elevadas
À medida que a acção das massas se intensificar, os choques com a reacção tenderão a tomar-se mais violentos. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, onde é considerável a desigualdade de desenvolvimento, deve-se ter em vista que a luta popular poderá assumir formas diferentes e níveis distintos nas várias regiões. O Partido deve preparar-se e preparar as massas para a combinação das formas elementares e legais de luta com outras de níveis mais elevados, como a luta armada, de acordo com as condições de cada região. O essencial é que as formas de luta decorram das exigências da situação concreta, em cada momento e em cada local, sejam adequadas ao nível de consciência e à capacidade de luta das massas.

Os comunistas lutam pela realização de eleições livres e directas. A participação nas eleições, mesmo com o sistema eleitoral vigente que impede a manifestação democrática do direito de voto, é um importante meio para unir as correntes que se opõem à ditadura, para desmascarar sua política diante das massas e infligir-lhe derrotas que a debilitem. É necessário, ao participar das eleições, procurar a união das forças contrárias ao regime ditatorial, apoiando candidatos que representem essas forças e mereçam a confiança do povo.

O processo de isolamento e derrota da ditadura é o do desenvolvimento da luta de massas e da unidade de acção das forças democráticas. No seu curso, as palavras de ordem e as formas de luta mudarão à medida que a acção das massas se desenvolver. A oposição e o combate crescentes ao regime ditatorial tomarão ainda mais reduzida sua base social e política, aumentarão sua instabilidade e poderão conduzir à sua desagregação e derrota. As forças democráticas, através da acção, poderão conquistar a legalidade de facto, obrigar a minoria reaccionária a recuar, e derrotá-la. Mas a ditadura poderá impor ao povo o caminho da insurreição armada ou guerra civil. A situação exige, portanto, dos comunistas a preparação do Partido e das massas, bem como o entendimento com as diversas correntes da frente antiditatorial para essa eventualidade.

As contradições internas do bloco político que realizou o golpe de Abril enfraquecem o regime ditatorial. Devemos ter em vista que, com o crescimento das acções das massas e o aguçamento dos choques com a reacção, tenderão a aprofundar-se os conflitos no campo da ditadura, aumentando a instabilidade do regime. Crises de governo e novos golpes podem ocorrer. Neste caso, só a intervenção das forças populares, levantando suas próprias bandeiras de luta, poderá impedir uma solução reaccionária, com a simples substituição de golpistas no poder, e impor uma solução democrática. Diante do avanço do movimento de massas e do processo de impopularização e isolamento da ditadura, sectores das classes dominantes poderão buscar uma solução que, excluindo a participação das forças populares, conduza à substituição do govemo reaccionário. Neste caso, as massas devem tomar a iniciativa e, sem esperar pelos actos do govemo, reconquistar, na prática, as liberdades democráticas e exigir medidas concretas que assegurem o desenvolvimento democrático da situação.

Vários factores podem determinar a derrota do regime ditatorial e a formação de um novo govemo. Os comunistas, que orientam sua acção no sentido da conquista de um govemo revolucionário, participarão, no entanto, junto com as demais forças que se opõem ao actual regime, da luta pela constituição de um govemo das forças antiditatoriais. A participação das forças fundamentais da frente antiditatorial nesse govemo assegurará condições para a efectiva democratização do regime e o pleno desenvolvimento da luta das massas pela emancipação nacional e o progresso do país. A atitude dos comunistas, diante de qualquer outro govemo intermediário, dependerá da conjuntura concreta, das posições assumidas, pelo imperialismo e as forças reaccionárias internas, do comportamento da frente única e, fundamentalmente, das possibilidades que se abram para a livre mobilização da classe operária e os seus aliados. Participando ou não de tais govemos, os comunistas prosseguirão na luta por seus objectivos programáticos.

VI — Fortalecimento do Partido nas Condições Actuais

Nosso Partido atravessou 45 anos de lutas sem se deixar abater e sem abandonar seus princípios básicos. Essa demonstração de vitalidade e solidez deve-se ao seu carácter revolucionário, à sua vinculação com os interesses mais profundos do nosso povo, à sua fidelidade à classe operária. Deve-se à dedicação de seus militantes. Para conquistar essa posição, nosso Partido percorreu um caminho árduo, no qual acumulou vitórias e derrotas, e foi aprofundando suas raízes na sociedade brasileira, extraindo dela seu conhecimento e sua força.

A aplicação da linha do V Congresso possibilitou o avanço em todas as frentes de actividade do Partido. O Partido reforçou sua organização, multiplicando-se o número de seus membros. Actuou como importante força de unificação e mobilização do movimento nacionalista e democrático, crescendo sua influência em todas as camadas do povo. O golpe de 1964 interrompeu esse processo, impôs uma derrota profunda a todo o movimento democrático e patriótico, e ao Partido em particular, mas não levou à destruição do Paitido e ao isolamento dos comunistas.

É certo que cometemos erros, e numerosos. Tais erros não teriam, porém, força bastante para retirar da direcção correcta o conjunto de nossas actividades e, tão-pouco, para levar-nos ao desespero e à aventura após a derrota. Essa é uma conquista importante do nosso Partido. Uma demonstração do seu amadurecimento, de sua capacidade de elaborar por si próprio uma orientação adequada à realidade do nosso país e do nosso povo. Prova-o o apoio que a maioria esmagadora dos militantes e organizações do Partido, na discussão livre e democrática do VI Congresso, deu às posições defendidas pelo Comitê Central, confirmando a validade das linhas essenciais da Resolução Política do nosso V Congresso. O grupo que procura cindir o Partido e impor uma orientação aventureira e «esquerdista» não faz mais do que se opor a esse avanço histórico do nosso Partido e servir de instrumento das mesmas concepções atrasadas e estranhas ao marxismo que tanto mal nos causaram no passdo, quando não são instrumentos de forças que, na defesa nacional e internacional, trabalham conscientemente para destruir o Partido e para impor ao proletariado uma direcção política contrária à sua doutrina e à sua organização de classe. Esse grupo defende uma política que dispensa a consideração das condições objectivas, ou que supõe existir na realidade, já pronta ou iminente, uma situação revolucionária que apenas existe em suas cabeças. Quer reviver, com roupas «novas» de guerrilhas, a concepção da revolução feita a partir de focos insurreccionais aventureiros, desligados do movimento real de massas. Quer substituir o partido marxista-leninista por um agrupamento militarizado. Fiel aos princípios do marxismo-leninismo, nosso Partido permanece junto às massas, mobilizando-as, organizando-as, educando-as.

O revés sofrido em 1964 pôs a nu muitas das nossas debilidades e revelou com maior clareza a nefasta influência que ainda exerce em nossas fileiras, a começar da direcção, uma falsa concepção que se manifesta de maneira predominante nos momentos decisivos de nossa vida. É uma concepção errônea do processo revolucionário, de fundo pequeno-burguês e golpista, que consiste em admitir a revolução não como um fenômeno de massas, mas como resultado da acção de cúpulas ou do Partido. Ela imprime à nossa acção um sentido imediatista, de pressa pequeno-burguesa, desviando-nos da perspectiva de uma luta persistente pelos obbjectivos tácticos e estratégicos, através do processo de acumulação de forças e da conquista da hegemonia pelo proletariado. Graves erros e desvios surgem em nossa política devido a essa concepção e outras ideias não proletárias, em virtude de nossas limitações teóricas -e do domínio insuficiente da realidade do país. Na raiz dessas concepções está, principalmente, a forte influência da ideologia pequeno-burguesa dentro do Partido.

Para colocar o Partido à altura das tarefas revolucionárias, é necessário travar a luta ideológica contra as influências de «esquerda» e de direita, concentrando o nosso fogo, no momento, em que tudo o que tende a desviar-nos para o caminho estreito do doutrinarismo, do dogmatismo e do subjectivismo. É preciso, igualmente, estimular e reforçar tudo o que conduz o Partido a se afirmar como Partido de acção política, dirigente de grandes massas e inteiramente ligado à vida da classe operária e de todo o nosso povo.

É preciso combater os factores que freiam o desenvolvimento do Partido. Assegurar o pleno funcionamento da democracia e da disciplina partidárias, com base no centralismo democrático e na prática da direcção colectiva. Intensificar a luta pela educação e formação dos seus quadros na doutrina e na prática dos princípios do marxismo-leninismo.

O desafio histórico que se coloca diante dos comunistas brasileiros é o da construção de um forte e numeroso partido da classe operária. Somos a organização política que, ao longo dos tempos, levantou com firmeza os interesses básicos dos trabalhadores. Somos o partido que possui os mais experientes e combativos quadros operários. Muitas das conquistas da classe operária, directa ou indirectamente, foram alcançadas em lutas que os trabalhadores empreenderam sob a direcção do Partido. Por isso, somos perseguidos e caluniados pela reacção, mas gozamos da confiança e do apoio de sectores importantes do proletariado. Nosso Partido, no entanto, não assumiu ainda a posição de agrupamento de vanguarda das grandes massas proletárias. Não é estranho, pois, que pesem tanto em nossa acção as influências que momentaneamente dominam alguns sectores da pequena burguesia.

A construção de um poderoso partido da classe operária reclama, antes de tudo, que seja aceite por nós, com todas as suas conseqüências, a doutrina leninista sobre o Partido como o Estado-Maior do proletariado. O Partido não é uma organização para si mesmo, mas, acima de tudo, é o centro que vive, estuda, acompanha e se emociona com os problemas da classe operária, e realiza seu papel de vanguarda, apresentando os melhores caminhos a serem trilhados pelo proletariado no duro e complexo combate que se trava por sua libertação. Dessa doutrina extraímos a lição de que os órgãos e organizações partidárias devem se voltar de maneira prioritária e permanente para as questões que afligem os trabalhadores e para os problemas cruciais do movimento operário.

Fortalecer o Partido na classe operária significa, antes de tudo, do ponto de vista nacional, elaborar um plano a longo prazo para a construção e o reforçamento das organizações partidárias nas grandes empresas. As direcções do Partido, em todos os níveis, deverão acompanhar atentamente a vida das Organizações de Base de Empresa. O recrutamento de novos membros para o Partido, particularmente nas empresas, deve com preferência ter curso no processo da luta de massas. Na política de formação e selecção de quadros, levando em conta, em primeiro lugar, a lealdade e a dedicação do militante ao Partido e a sua capacidade de defender e pôr em prática, perante as massas, a política do Partido, é indispensável que se valorizem os militantes operários; e especialmente os líderes de massas e de projecção sindical. Deve-se dar atenção especial àqueles comunistas que assumam postos de direcção nos sindicatos e outras organizações de massas, para que se tomem seus melhores dirigentes e se transformem em quadros capazes de realizar, simultaneamente, o trabalho político. Nossa actividade de pesquisa, estudo e elaboração precisa também voltar-se prioritariamente para os problemas da classe operária. A construção do Partido no seio da classe operária reclama ainda, de todo o conjunto partidário, mais atenção para os problemas relacionados com o movimento sindical. A batalha pelo fortalecimento do Partido no proletariado está vinculada à luta da classe operária por suas reivindicações econômicas e políticas imediatas, pelo fortalecimento dos sindicatos. Para prosseguir em seu avanço e cumprir sua missão de vangiíarda revolucionária do proletariado e de todo o povo brasileiro, nosso Partido deve concentrar seus esforços no sentido de impulsionar o movimento operário, camponês e popular e ganhá-lo para as posições revolucionárias, levar adiante a grande tarefa de unir todas as forças democráticas para derrotar o regime ditatorial e abrir caminho a um desenvolvimento independente e progressista da nação; fortalecer sua própria organização, como elemento essencial para o avanço do processo revolucionário.

VII — O Partido e o Movimento Comunista Internacional
O Partido Comunista Brasileiro mantém as melhores relações com os partidos irmãos dos países socialistas, com numerosos partidos dos países europeus e os da América do Norte, e principalmente com os partidos irmãos da América Latina. Estas relações fraternais devem estender-se aos demais partidos comunistas e operários.

Fraternalmente ligado ao movimento comunista e operário internacional, nosso Partido é, ao mesmo tempo, um partido autenticamente nacional, nascido do desenvolvimento histórico da sociedade brasileira. Elaborando sua política independentemente e de acordo com as condições concretas de nosso país, o Partido Comunista Brasileiro é parte integrante do movimento comunista internacional. Apoia-se na teoria marxista-leninista e no princípio do intemacionalismo proletário, comuns a esse movimento.

A força e o sucesso da actividade comunista em todo o mundo baseiam-se, fundamentalmente, na coesão do movimento internacional e no respeito às resoluções tomadas em comum pelos partidos irmãos. É necessário assim um combate persistente às dificuldades que surgem no movimento revolucionário mundial e que decorrem de seu próprio crescimento e da natureza diversa das forças sociais que já agora participam da luta anti-imperialista, em grande parte influenciadas pela estreiteza nacionalista.

O VI Congresso manifesta-se contra as teses errôneas defendidas por dirigentes do PC da China, as quais se chocam, em questões importantes, com a orientação elaborada colectivamente pelo movimento comunista internacional e rompem com o marxismo-leninismo e as normas de acção dos partidos comunistas.

Fiéis aos ideais humanistas dos fundadores da nossa doutrina, recusamo-nos a considerar que uma guerra, que precipitaria os povos numa catástrofe nuclear, seja o único meio de fazer triunfar o socialismo. Ao repudiar esta tese e outras igualmente errôneas defendidas por Mao Tsé-tung e seu grupo, não podemos esconder a preocupação que sentimos diante de certos aspectos dos acontecimentos que, sob a denominação de «grande revolução cultural proletária», hoje se desenrolam na China Popular. São completamente estranhas ao marxismo tanto a negação de toda a cultura nacional, da cultura clássica e moderna, como a concepção militar com que se pretende orientar a vida do Partido e o culto a Mao Tsé-tung.

A todos os apelos à superação das divergências, responderam os dirigentes chineses acentuando seus esforços no sentido da cisão do movimento comunista internacional e das organizações operárias e democráticas mundiais. Negam-se à acção unida para a luta contra o imperialismo e chegam para tanto ao absurdo de acusar o governo soviético e o PCUS de conivência com os imperialistas dos Estados Unidos para evitar, como afirmam, o desenvolvimento dos movimentos de libertação.

O Partido Comunista Brasileiro, que repudia as teses daqueles dirigentes chineses, manifesta sua certeza de que o povo chinês e o cerne efectivamente proletário do Partido Comunista da China saberão encontrar as forças que lhes permitirão reatar os laços de solidariedade e de unidade com o movimento comunista mundial.

O VI Congresso estranha os ataques gratuitos a nosso Partido que se sucedem na imprensa cubana, inclusive no diário Granma, órgão do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba. Considera que a unidade dos partidos comunistas e operários tem por base o respeito mútuo e reconhecimento da independência de cada partido, e que a solidariedade entre comunistas consiste, fundamentalmente, no apoio dos demais partidos à luta revolucionária que cada um realiza em seu próprio país, ajudando-o na aplicação de sua linha política.

O VI Congresso considera que foi acertado em não enviar representantes do nosso Partido à reunião da OLAS, cujas decisões se chocam, no fundamental, com a linha política e táctica do nosso Partido. Além disso, não julga conveniente, nem acertado, a constituição, na América Latina, de um centro dirigente revolucionário. A solidariedade indispensável à luta contra o inimigo comum — o imperialismo norte-americano — não pode obscurecer as diversidades no desenvolvimento nacional de cada país da América Latina, os diferentes níveis de desenvolvimento econômico e as diferenças na composição e correlação das forças sociais, factores todos que tomam inviável a pretensão a ditar o mesmo caminho e idênticas formas de luta para a revolução nos diversos países latino-americanos.

O VI Congresso aprova os esforços feitos pelo Comitê Central, através de encontros bilaterais, no sentido de contribuirmos, na medida das nossas possibilidades, para a unidade do movimento comunista internacional. Reafirma o apoio do Comitê Central à realização de uma Conferência de amplitude mundial, que tenha por fim examinar a situação internacional e que, partindo dos princípios aprovados nas reuniões de Moscovo de 1957 e 1960, elabore a linha de acção comum do movimento comunista internacional. Será esta a maneira mais acertada, nas condições actuais, de reforçar a coesão e a unidade do movimento comunista internacional, condição indispensável ao êxito da luta pela paz mundial e contra as manobras agressivas e provocadoras do imperialismo

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