- Folha de S. Paulo
"Politização" e "partidarização" do STF. As acusações, originárias especialmente do PT e de sua área de influência, deram o tom da resistência à indicação de Alexandre de Moraes. Afora as calúnias habituais veiculadas pela pistolagem petista nos porões da internet, a crítica faz sentido. Mas quem começou foi o próprio PT, com Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.
O que é "politização"? Nas democracias, cortes constitucionais sempre fazem política, no sentido amplo. (Nas ditaduras, também o fazem, mas seguindo ordens do ditador). Ao longo do século 20, a Suprema Corte dos EUA oscilou entre decisões que conferiram constitucionalidade às leis estaduais de discriminação racial e sentenças que baniram, em definitivo, a legislação racista. A Constituição permaneceu a mesma; os tempos mudaram –e, com eles, os valores dominantes.
A lei está incrustada no domínio plástico da política, não no mármore da eternidade. A indicação presidencial de ministros do STF e sua aprovação pelo Senado configuram uma politização virtuosa. O resultado é uma corte suprema que reflete os valores majoritários expressos nas urnas durante um lapso temporal relativamente longo –ou seja, o "espírito da época".
Na Bolívia, em contraste, os magistrados são eleitos diretamente pelo povo, o que viola o princípio da independência dos tribunais, reduzindo o Judiciário à condição de caixa de ressonância do governo de turno.
No STF, do decano Celso de Mello, indicado por Sarney em 1989, a Edson Fachin, indicado por Dilma em 2015, passando por Marco Aurélio (Collor, 1990), Gilmar Mendes (FHC, 2002) e por outros quatro ministros indicados nos governos lulopetistas, funcionou a regra da "politização democrática". Mesmo os casos extremos de Roberto Barroso e Fachin, porta-bandeiras do neoconstitucionalismo radical, uma corrente ideológica que almeja transferir o poder de legislar para juízes iluminados, inscrevem-se na regra do jogo.
Mas o jogo democrático é envenenado quando a "politização" alarga-se até abranger a tentativa de captura partidária do STF. Lewandowski, um lulista fiel desde os tempos de São Bernardo, e Toffoli, jovem advogado da CUT e do PT, foram guindados ao STF entre 2006 e 2009, no contexto do processo do mensalão.
Lula não os indicou em nome de valores políticos de fundo, mas das funções úteis que poderiam cumprir em defesa dos réus detentores da prerrogativa de foro. Toffoli pagou sua "dívida de sangue" na revisão da sentença original do mensalão e, em seguida, declarou independência. Lewandowski seguiu impávido na sua missão partidária, até atingir um ápice, fatiando a Constituição para preservar os direitos políticos de Dilma.
Temer imita Lula. Alexandre de Moraes está para Alckmin e o núcleo do PMDB como Lewandowski está para o lulismo –e seus votos, nos julgamentos da Lava Jato, padecerão de justificada suspeição de origem. Mas o problema de fundo não se encontra na ausência de escrúpulos de presidentes que alçam fieis partidários ao STF, pois isso sempre pode existir.
A crise tem raízes na conjunção temporal das devassas judiciais da corrupção nos altos círculos da República com a extensão exorbitante da prerrogativa de foro. Se a sorte da fina flor da elite política está nas mãos dos magistrados do Supremo, só a virtú dos presidentes separa a Corte da captura político-partidária. Mas virtú, como se sabe, não é mercadoria abundante na nossa república bananeira.
A solução, tão simples quanto improvável, é restringir radicalmente a quantidade de detentores de prerrogativa de foro, um privilégio hoje concedido aos amigos do rei e, tipicamente, até aos amigos dos amigos (ôps!). O corte do foro privilegiado não serviria, como asseveram demagogos em fúria santa, para prender um número maior de corruptos, mas para salvar o STF da politização viciosa.
*Demétrio Magnoli é sociólogo
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