O Senado poderia ter seguido o que manda a lei e derrubado a esdrúxula decisão do Supremo Tribunal Federal que afastou o senador Aécio Neves do cargo e lhe impôs restrição de movimentos e de direitos políticos. Essa seria a atitude coerente a tomar, na sessão da terça-feira passada, em razão da óbvia interferência indevida do Judiciário em prerrogativa exclusiva do Legislativo. E a respeito desse desfecho não poderia haver nenhuma queixa, pois estaria sendo respeitado rigorosamente o que está escrito na Constituição.
Mas o Senado é uma casa política, razão pela qual pesou os prós e contras de uma decisão que certamente tornaria ainda mais embaraçosa a situação já bastante constrangedora em que o Supremo se envolveu pela imprudência de três de seus ministros. E então, por 50 votos a 21, aprovou um requerimento que adiou a votação para o dia 17 de outubro, seis dias depois, portanto, da data marcada pelo Supremo para julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que versa sobre a necessidade de aval do Legislativo para a aplicação, pelo Judiciário, de medidas cautelares contra parlamentares, como as adotadas contra o senador Aécio Neves.
Com isso, o Senado espera que o próprio Supremo aproveite a oportunidade e desfaça a confusão que protagonizou quando sua Primeira Turma, por maioria mínima, decidiu sancionar Aécio – que nem mesmo réu é ainda – em razão de acusações de corrupção e de obstrução de Justiça.
Uma primeira chance já havia sido dada pelos senadores ao Supremo assim que a Primeira Turma resolveu atropelar a Constituição. A decisão daquele colegiado, no final de setembro, poderia ter sido derrubada imediatamente, mas o Senado entendeu que havia margem para permitir que o Supremo se corrigisse. Para isso, bastava àquela Corte votar logo a referida Adin sobre tema correlato, que serviria de precedente para o caso de Aécio, e tudo ficaria resolvido.
Mas eis que a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, ignorando a urgência da questão, resolveu marcar a sessão para avaliar aquela Adin somente para o dia 11 de outubro, dando margem a que a tensão entre Judiciário e Legislativo ganhasse ímpeto na direção de uma guerra aberta. O ministro Luiz Fux, um dos votos da Primeira Turma contra Aécio, adicionou lenha à fogueira ao sugerir que uma eventual rejeição do Senado à ordem do Supremo estaria de acordo com uma suposta “cultura do descumprimento da decisão judicial” no País, algo que seria “condizente com o caos político e institucional e com a destruição da ideia do Estado de Direito”.
Assim, como em um duelo, o Supremo parecia esperar que o Senado piscasse primeiro, isto é, que aceitasse, resignado, uma sanção externa contra um de seus integrantes. Se assim o fizesse, o Senado estaria renunciando a uma de suas principais prerrogativas constitucionais, que é a de autorizar a prisão de um senador e o eventual afastamento do mandato. Seria inaceitável genuflexão ante outro Poder, ao qual não se subordina senão nas situações previstas em lei. E a Constituição é clara: só podem avalizar a punição a um representante do povo aqueles que, igualmente, receberam o voto popular. Qualquer atitude fora dessa lógica é antidemocrática e autoritária por definição, sejam lá quais forem os argumentos para impor a punição ao parlamentar.
No caso de Aécio, ademais, saliente-se que nem mesmo uma denúncia formal contra o senador foi recebida pelo Supremo, o que reforça a impressão de que a decisão da Primeira Turma foi equivalente a uma antecipação de sentença, sem que o acusado pudesse nem sequer apresentar defesa. É evidente que essa decisão tem de ser reformada, para que o Supremo não corra o risco de ser confundido com um órgão arbitrário.
Tudo isso é resultado do ativismo e do voluntarismo que têm caracterizado alguns ministros do Supremo, cujas decisões e opiniões parecem derivar de uma visão messiânica sobre o papel do tribunal. Que esse episódio, uma vez superado, sirva para refrear o ímpeto dos que, em vez de juízes, agem como justiceiros.
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