- Valor Econômico
Emenda do teto abre caixa de Pandora de indagações e riscos
A Carta da Conjuntura deste mês, assinada pelo diretor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), Luiz Guilherme Schymura, da Fundação Getulio Vargas (FGV), considera que é preciso que a sociedade se prepare para "o momento bastante provável em que o teto de gastos do Executivo federal será rompido".
Schymura faz esse alerta depois de observar que, mesmo em um cenário em que o Congresso Nacional aprove a idade mínima para a Previdência Social, que o salário mínimo passe a ser corrigido apenas pela inflação e que os gastos com saúde e educação também acompanhem a inflação, ainda assim "o espaço fiscal do gasto discricionário terá desaparecido bem antes de 2025".
Com base nessas alterações no marco institucional e nas projeções do Ibre para as principais variáveis macroeconômicas, o espaço para as despesas discricionárias do Executivo teria que cair de 2% do Produto Interno Bruto (PIB), para - 1,8% do PIB, em 2025, segundo cálculos da pesquisadora Vilma Pinto, do Ibre/FGV.
Na verdade, o espaço fiscal para os gastos discricionários zeraria já em 2021, de acordo com as projeções de Vilma. Isso significa que, daqui a quatro anos, a máquina pública ficaria inteiramente paralisada, sem recursos para poder oferecer serviços mínimos aos cidadãos - um verdadeiro "shutdown" do governo para usar o termo em inglês muito conhecido nos Estados Unidos.
Em sua Carta, o diretor do Ibre considera que o maior risco de descumprimento do limite das despesas, em uma perspectiva de médio prazo, "parece estar no teto que abriga debaixo de si o Poder Executivo federal", pois os outros Poderes financiam, basicamente, salários e custeio da máquina. "Nestes casos, aumentos salariais reais e contratações líquidas terão daqui para frente que se contrapor a economias no custeio, mas isto não parece impossível de se fazer", diz a Carta.
Para Schymura, o governo não deve tomar, precipitadamente, uma decisão deliberada de descumprir o teto, "porque o custo político e operacional seria muito elevado". Antes que isso aconteça, a Carta diz que "o país chegará a um nível visível e incômodo de paralisação da máquina pública, com cortes crescentes do custeio flexível para compensar o aumento irrefreável das despesas rígidas".
Neste momento, diz o texto, "é capaz que a ruptura do teto seja antecipada por um debate nacional sobre o dispositivo constitucional e os deveres do Estado, em meio a protestos e conflitos envolvendo tanto servidores como consumidores dos serviços públicos prejudicados pela contenção de despesas".
Uma vez violado o teto pelo Executivo federal, Schymura observa que entrarão em vigor todas as vedações previstas na emenda constitucional 95, que criou o limite para o gasto. Ficarão proibidos quaisquer reajustes de salários ou concessão de qualquer tipo de benefício adicional aos servidores civis e militares. O governo não poderá também fazer novas contratações de pessoal, criar ou mexer em carreiras, aumentar ou criar despesa obrigatória, ampliar financiamentos e nem subsídios creditício ou tributário.
Quando essas vedações entrarem em vigor, a Carta diz que várias questões serão levantadas. A primeira delas é saber como será elaborada a proposta orçamentária. Para fazê-la caber dentro do teto, a única forma será prever um nível de despesa que na prática significará a paralisação de grande parte dos serviços públicos.
O texto lembra que os cortes no Orçamento não poderão, no entanto, afetar uma longa lista de direitos constitucionais, como o direito à saúde, à educação, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados.
Schymura pergunta como o Executivo, o Legislativo e o Judiciário se comportarão "quando injunções constitucionais colidirem entre si". E questiona: "O Judiciário e, em última instância, o Supremo Tribunal Federal, na prática ditarão a gestão executiva do país?".
As perguntas não param por aí. É preciso saber qual será a reação das diversas carreiras de Estado, imaginando que ao longo de anos ficarão sem reajuste nominal ou qualquer nova contratação, observa o texto. O cenário será de greves e protestos? Principalmente porque essas categorias são sabidamente poderosas e influentes junto aos demais Poderes. "O Judiciário, em solidariedade a seus colegas, não acabará encontrando brechas e fórmulas para contornar o teto?", questiona. "O Legislativo, de forma similar, não buscará alternativas para flexibilizar as determinações da emenda constitucional 95?".
E o que ocorrerá se, além do Executivo, os órgãos do Poder Judiciário também romperem o teto de gasto? "Este Poder, que tem nas mãos a prerrogativa de interpretar os textos legais e constitucionais, vai assistir de forma passiva e imparcial os seus próprios ganhos e vantagens serem corroídos?", questiona.
Em sua Carta, o diretor do Ibre diz que, com todos os seus inegáveis méritos no equacionamento das contas públicas, "a emenda constitucional 95 abre uma Caixa de Pandora de indagações, incertezas e riscos". Para ele, "não é preciso ser catastrofista para identificar a possibilidade de que esse dispositivo constitucional venha a acarretar situações de grande turbulência institucional nos próximos anos, e inclusive o risco de judicialização de boa parte da gestão do Executivo federal".
Por fim, o texto diz que "não dá para descartar cenários tempestuosos à frente" e que, embora a torcida seja para que, das inevitáveis turbulências que virão com a emenda constitucional 95, o país consiga sair mais forte e melhor, "ainda é difícil imaginar como isso ocorrerá, sob a perspectiva do momento atual".
A análise feita pelo Ibre fortalece a percepção de vários economistas de que, para reequilibrar as finanças públicas e produzir os superávits primários necessários para estabilizar a dívida em relação ao PIB, não bastará reduzir a despesa. Será inevitável uma elevação da receita, tanto aquela que virá em decorrência da recuperação econômica, como de um aumento da carga tributária.
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