- O Estado de S. Paulo
O Brasil precisa não de ‘candidatos’, mas de líderes que tenham visão de estadistas
As sondagens sobre o voto popular no próximo dia 7 de outubro mostram que uma grande parcela da população repudia o jogo dos partidos ou ainda não sabe como se posicionará. Não assim os dirigentes partidários. Estes “tomam partido” por antecipação. Na fase que está por terminar, que culmina com as convenções partidárias, é natural que estejam mais interessados nas alianças para formar a rede de apoio eleitoral e no tempo de televisão à disposição de seus candidatos. Natural, mas insuficiente, quando não negativo, pois gera a percepção de que a “política” é só um jogo de poder; no limite, um jogo pessoal.
Não sou ingênuo, nem poderia haver ganhado duas eleições presidenciais no primeiro turno se não entendesse que as alianças partidárias contam para a vitória e antecipam a possibilidade de governar. Mas o importante, o decisivo mesmo, é outra coisa: a mensagem e a credibilidade que o candidato desperte no eleitorado. Mormente agora, com o sistema político-eleitoral que criamos na Constituição de 1988 exaurido. Sei que o Congresso aprovou a lei de barreira e que no futuro haverá menos partidos. E também que as alianças entre eles nas eleições para deputados devem acabar. Elas distorcem a vontade do eleitor, que vota em candidato de um partido e elege alguém de outro.
Não basta, entretanto. Além de outras reformas eleitorais (como a introdução de formas de voto distrital e de candidaturas avulsas), há que enfrentar a cultura política de personalismo, clientelismo e corporativismo. Com ela os “partidos” aparecem aos olhos populares como trampolim para salvaguardar os interesses dos que se elegem e de quem os sustenta. É mais fácil mudar leis e decretos do que sentimentos e atitudes permissivas arraigadas na cultura política. Sua mudança depende de virtudes exercidas pelas lideranças e da punição das práticas corruptoras.
Daí a responsabilidade dos que vão falar ao País para pedir votos e a necessidade da vigilância constante da opinião pública sobre o que dizem. Hoje a formação da opinião pública não se limita às mídias tradicionais. As “mídias sociais” exercem influência crescente na decisão de voto. As fake news (que antigamente se chamavam de “mentiras”) se difundem mais rapidamente, criando imagens falsas ou distorcidas sobre os candidatos. É o preço da maior acessibilidade às redes de comunicação, que em si são um progresso, mas precisam de contrapesos que verifiquem a veracidade das informações que por elas circulam.
Nas eleições a palavra se torna crucial. Não só seu significado literal apenas, mas o conteúdo simbólico e o modo de expressá-la. A política eleitoral implica tanto alianças como propostas e, sobretudo, requer desempenho dos candidatos. Não por acaso o “demagogo”, ao se comprometer com os interesses populares, sempre encontra espaço na vida pública. Entretanto, em especial nos momentos de crise, demagogos podem ser batidos por quem tiver virtude e capacidade de mostrar um rumo para o país que seja percebido como confiável para os “mercados”, mas principalmente bom para o povo, sem apelar à ilusão distributivista e/ou a impulsos autoritários. Foi o que fiz quando liderei o Plano Real.
O Brasil precisa não de “candidatos”, mas de líderes que tenham visão de estadistas e mostrem ao povo os caminhos da esperança. Há que explicar à maioria que a própria democracia, minada pela corrupção e pelos erros de condução do País, está em jogo. A sociedade sofre hoje a comichão da demagogia autoritária dos que pensam que bastam ordem e hierarquia para gerar empregos e renda, quando é preciso muito mais do que isso. No lado oposto, há a demagogia dos que pensam que basta a “vontade política” para dissolver interesses e legislar em benefício da maioria. É preciso competência, persistência e humildade para saber que só unidos, guiados por ideias, venceremos o atraso.
Em latim se dizia virtus in medium est. Frase que pode ser enganadora: não existe meio-termo entre o autoritarismo de direita e a demagogia populista. Há que renegá-los radicalmente. Não se trata, tampouco, de eleger um “centrista” qualquer nem de dizer amém ora a um lado, ora ao outro. Mais de uma vez me referi à necessidade da formação de um “bloco popular e progressista”. E procurei definir o significado destes termos.
Quererá isso dizer que o candidato que assuma as posições deste “bloco” (tenho escrito bloco de propósito para englobar setores da sociedade e não apenas dos partidos) deverá recusar alianças com setores diferentes dele? Responder afirmativamente à pergunta importa em declarar derrota por antecipação: as sociedades contemporâneas são fragmentadas, nem sempre os grupos e pessoas têm consciência dos desafios que os atormentam, os partidos se tornam mais siglas do que instrumentos de definição de políticas. E muitos deles, no caso brasileiro, além de se beneficiarem de um sistema eleitoral cartorial (que define acessos aos períodos gratuitos de TV) expressam o que chamo de “atraso”. E este é parte constitutiva de nossa herança político-cultural. Sem alianças ninguém ganha nem governa.
A verdadeira questão é outra: tal “bloco” e seu líder terão capacidade e poder para conduzir o processo político nacional ou serão engolfados pelos interesses partidários e sociais dos que sempre mandaram? Daí a importância da capacidade de liderança do candidato, de suas convicções e de ambas haverem sido provadas na prática. Esta coluna não é espaço para propaganda partidária. Minhas escolhas são conhecidas e as razões delas estão ditas no artigo que escrevi no mês passado.
Os jogos estão feitos. O êxito dependerá de que com conhecimento, firmeza e convicção se diga o que é necessário, e não apenas o que é conveniente. E de que os que ouçam se convençam de que o dito não são palavras perdidas no ar e, por isso, quem o diz merece a confiança do seu voto.
De farol alto é o que precisamos.
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Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, foi presidente da República.
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