sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Opinião do dia: José de Souza Martins

Muitos supõem que o país deu uma guinada para a direita. Na verdade, não houve guinada. Houve lenta transformação social e desgaste dos partidos, das ideologias partidárias e dos próprios políticos, que já não correspondem à nova realidade nem compreendem o Brasil de agora. A população adquiriu novas identidades e a nova identidade política, especialmente das novas gerações, é de direita até mesmo quando se dizem de esquerda. Foram consumidas pela sociedade de consumo.

A população em transição social, que vem perdendo a segurança de suas referências comunitárias e de classe, tem dificuldade para entender o mundo da sociedade de consumo, na sua versão de sociedade do espetáculo, pelo abismo que abre entre as gerações. É o da exibição pública de comportamentos e de identidades que em sua cultura de origem ficavam devidamente ocultados e protegidos no escurinho da vida íntima e privada. Para ela e para um número crescente de pessoas, a sociedade sem ordem é inconcebível pois é um sinal de morte social.

Quando fala em violência, está falando em falta de ordem representada pelas violações de conduta que caracterizam a vida moderna. Sobretudo numa sociedade que chega a 13 milhões de desempregados, confinados em agrupamentos familiares e comunitários que se regem, ainda, pelos padrões da sociedade tradicional. O negativo do programa de Bolsonaro lhes parece a rude e necessária defesa da ordem, a segurança de que o mundo não deve mudar.
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José de Souza Martins é sociólogo. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de “A Sociologia como Aventura” (Contexto). ‘A margem de erro’, Eu & Fim de Semana/Valor Econômico, 11/10/2018.

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