- O Globo
Após período de lua de mel, tanto Bolsonaro quanto Haddad devem enfrentar grandes dificuldades nas negociações com o Congresso
Qual dos dois candidatos do segundo turno teria melhores condições de governabilidade? Como a composição do Congresso é mais de centro-direita, seria Jair Bolsonaro, diz o cientista político Carlos Pereira, da FGV. Carlos Ranulfo, da UFMG, discorda, lembrando que o PT governou com a mesma coalizão. Pereira acha que Bolsonaro está avisando que tentará governar sem passar pelos partidos, como Collor fez. Isso traz sucesso, no primeiro momento, e conflito, depois. Já o PT, lembra Ranulfo, se aprisionou no discurso do golpe e Fernando Haddad teria que mudar essa postura.
Não será fácil para ninguém, na verdade. A entrevista que fiz com os dois cientistas políticos mostra visões diferentes sobre o que acontecerá na sempre difícil relação entre Executivo e Congresso no Brasil. O primeiro momento é o da lua de mel, no qual todos os presidentes tiveram sucesso, mas depois pode haver grandes dificuldades. Carlos Ranulfo acha “um erro enorme” colocar o PT como extrema-esquerda.
— Isso não existe, ninguém jamais colocou o PT como extrema-esquerda, a gente faz entrevistas com parlamentares e pergunta como eles posicionam os partidos. Ele se moderou brutalmente, como todos os partidos de esquerda — diz Carlos Ranulfo, mas Carlos Pereira discorda.
— Acho que o antipetismo não surge por acaso, foi por erros dramáticos do PT nos últimos anos. O PT namorou muito tempo o iliberalismo. A própria campanha de Haddad não reconhece as instituições judiciais que puniram Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. E aí é que está o meu receio. De ele não conseguir ofertar compromissos críveis de respeitar as instituições de controle. O partido vai sofrer uma pressão interna muito grande no sentido de controlar a PF, o MP, a mídia — diz Carlos Pereira.
Ranulfo define como “retórica” as críticas do PT às instituições democráticas e acha que a ameaça vem de Bolsonaro:
—Não há comparação em riscos à democracia. Numa escala de 1 a 10, Bolsonaro é 8, e o PT é 1, na minha opinião.
Carlos Pereira acha que como o PT foi objeto de muita punição e, na eventualidade de voltar ao poder, mesmo depois das punições que sofreu, é “quase racional esperar desse mesmo partido uma ação no sentido de tentar coibir essas instituições que geraram perdas não triviais para ele”. A resposta de Ranulfo é que esse mesmo raciocínio teria que caber ao Alckmin, já que, argumenta, o PSDB também foi atingido pelo combate à corrupção. “Perillo foi preso, Beto Richa, o Aécio sumiu do mapa, o Azambuja teve busca e apreensão”.
Os dois concordam que a democracia no Brasil não está ameaçada. Pelo menos num primeiro momento. Carlos Pereira diz o seguinte:
— Temos instituições muito sólidas. Eu tenho receio das reações da sociedade às ações do próximo governo. Se o Haddad tentar limitar as instituições de controle, a sociedade vai reagir. Se Bolsonaro desrespeitar as instituições legislativas, a sociedade vai reagir. E essas reações tendem a ter uma escala de outro nível de violência.
— É claro que a democracia não está ameaçada, mas eu não subestimo o risco de um eventual governo Bolsonaro. A relação dele com a democracia é muito ruim e ele está estimulando na sociedade agressões, violência. Isso é parte de uma onda muito conhecida no mundo — diz Ranulfo.
Houve muita renovação no Congresso, mas a mediana da Câmara continuou sendo de centro-direita. Isso, segundo Carlos Pereira, daria mais condições de governabilidade a um governo Jair Bolsonaro. Carlos Ranulfo acha que, mesmo com a renovação, a tendência é a mesma com a qual o PT governou. Pereira acha que haverá problema se Bolsonaro cumprir a promessa de tentar repetir o estilo Collor de Mello. Diz que há uma “literatura bem estabelecida” sobre o fenômeno de se relacionar diretamente com o público sem as intermediações legislativas e partidárias, falando diretamente com o eleitor através da mídia social.
— Esta mesma literatura argumenta que essa estratégia é muito bem-sucedida no curto prazo. O presidente é muito popular porque sai das urnas com muita autoridade. Mas cria progressivamente animosidade e, na primeira vulnerabilidade que o presidente tenha, o custo pode subir. Neste cenário, eu tenho muito medo de conflitos que coloquem em risco a ordem democrática — diz Carlos Pereira.
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