Os efeitos da exótica crise em torno da família Bolsonaro são um inesperado obstáculo às propostas
Um ponto positivo da proposta apresentada é a reforma abranger estados e municípios
A apresentação formal da proposta de reforma da Previdência confirmou a impressão, tida a partir de algumas antecipações feitas e declarações de autoridades, de que ela tem coerência e atende à necessidade, entre outras, da correção de injustiças entre os regimes de seguridade. Além, por óbvio, de sinalizar que o Estado brasileiro, caso o Congresso aprove as propostas, poderá sair da rota da insolvência em que se encontra agora, devido aos gastos previdenciários descontrolados. O que inclui toda a Federação, ou seja, estados e municípios.
Neste sentido, trata-se do mais completo projeto de reforma da seguridade já apresentado, desde que o assunto entrou na pautado país com aposse de Fernando Henrique Cardoso, em 1995. Poiso problema dos desequilíbrios crescentes da P revi dência é antigo, e todas as mudanças que F H, Lula e Dilma conseguiram fazer, ou quiseram executar, nunca foram afundo no ataque a vários pontos nevrálgicos do sistema: entre outros, aposentadorias precoces; grande desnível entre os benefícios pagos aos assalariados do setor privado e ao funcionalismo público, em benefício deste; e uma resposta firme à tendência inexorável de o sistema brasileiro, baseado no regime de repartição, ser inviabilizado pelo tempo, alongo prazo, devido ao inevitável envelhecimento acelerado da população. Pela queda da taxa de natalidade e uma bem-vinda sobrevida crescente de quem chega a atingir 62 e 65 anos de idade, que poderão ser os limites de idade para a aposentadoria de mulheres e homens, caso a proposta de reforma constitucional divulgada ontem seja aprovada.
A apresentação da “Nova Previdência” coincide coma exótica crise política criada dentro da família do presidente Bolso na rode que resultou a exoneração do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, que já demonstrava algum trânsito no Congresso e ajudaria Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil, na tarefa crucial de negociar no Legislativo a aprovação da reforma. Os efeitos da crise, ainda de difícil entendimento, serão um desafio adicional para o governo, por dificultarem acordos políticos, pela perda de confiabilidade do presidente.
Mas ele tem a seu favor um conjunto de medidas bem lapidadas. Até a clássica crítica a qualquer reforma previdenciária, feita principalmente por quem deseja manter privilégios, de que antes devem ser cobradas as bilionárias dívidas ao INSS, tem resposta: será apresentado projeto de lei para facilitar a cobrança deste passivo e coibir “devedores contumazes”. Na entrevista coletiva de técnicos do governo, ontem, já se ficou sabendo que, do total de R$ 490 bilhões devidos ao INSS, apenas R$ 160 bilhões têm chance de recuperação, informou Cristiano Neuenschwander, procurador-geral adjunto de Gestão da Dívida Ativa da União. Não são suficientes para cobrir um ano de déficit.
Outro ponto positivo é a percepção de que, afinal, políticos e a sociedade começam a compreender o problema da Previdência, e que, sem o seu equacionamento, a economia não voltará a crescer como o Brasil precisa. É possível que o persistente e elevado desemprego causado pela grande recessão do biênio 2015/16, derivada dos erros da política econômica de Dilma/Lula, esteja exercendo um papel pedagógico na sociedade sobre a imperiosa necessidade deste ajuste fiscal.
A reforma de Temer, no seu desenho original, tinha como meta R$ 800 bilhões de economia em dez anos. A de Bolsonaro, R$ 1,072 trilhão, cifra essencial para inverter a tendência de crescimento do peso da dívida pública no PIB — 50% no primeiro governo Dilma, e que, devido a seus erros, se aproxima dos 80%. E não para de subir.
A busca pela equiparação das regras entre os diversos regimes, incluindo o princípio de que quem recebe remuneração maior contribui mais, transposto do Imposto de Renda para a Previdência, é busca por justiça social. Algo inatacável como parâmetro. A reforma do sistema dos militares, mais fácil, por ser via projeto de lei, virá depois.
A abrangência do pacote de mudanças atinge toda a Federação. Cobre também estados e municípios, cuja situação fiscal, em vários casos, é pior que ada União. Daí a reivindicação de governadores, inclusive da oposição, para a reforma ter alcance nacional.
Assim, mudanças que vierem a ser feitas no regime do funcionalismo público alcançarão servidores estaduais e municipais. Com isso, governadores e prefeitos, quase sempre subjugados por corporações sindicais, têm apoio federal para ajustar suas contas, em meio a choques com essas máquinas de defesa de interesses de grupos.
Estados e municípios que acumulam déficits previdenciários terão seis meses para ajustar sua alíquota de arrecadação para 14%, como vários já fizeram. E em dois anos, precisarão criar fundos de previdência complementar.
Um conjunto tão amplo de propostas consumirá algum tempo para ser digerido dentro do Congresso. Não se pode é, no debate, perder-se o sentido do todo e o entendimento de que, embora seja uma reforma emergencial, ela abre horizontes de longo prazo, como demonstra a inclusão, no pacote, do novo regime de capitalização, para os jovens. Não se deve perder esta oportunidade de abrir um amplo espaço de crescimento para o país.
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