segunda-feira, 25 de novembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

Inaptidão para a democracia – Editorial | O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro reiteradas vezes ao longo de sua trajetória política demonstrou escassa disposição de aceitar os ritos e costumes próprios da vida democrática

Não se pode confundir democracia com liberdade para afrontar os princípios básicos da convivência política e social. E isso tem acontecido com frequência preocupante desde que chegou ao poder um grupo político que, a título de recuperar os “valores e tradições” mais caros à sociedade brasileira, como prometeu o presidente Jair Bolsonaro em sua posse, vem intoxicando a atmosfera do País com truculência e intolerância.

Esses não são os valores mais caros à sociedade brasileira. Não era isso o que clamavam os que se enojaram da corrupção e da leviandade dos políticos na era lulopetista. Era o exato oposto: que fossem resgatados os valores frontalmente aviltados por mais de uma década de desfaçatez e autoritarismo protagonizada pelo PT de Lula da Silva, que dificultou o diálogo democrático mesmo na esquerda e fez da arrogância e da violência retórica – quando não física, como atesta o longo histórico de vandalismo do MST e seus congêneres a serviço do partido – um método para chegar ao poder e lá ficar para sempre.


E tudo isso, é sempre bom lembrar, sob o disfarce de partido campeão da ética, com o qual Lula e seus devotos pretendiam se apresentar como moralmente superiores e, assim, impor suas vontades ao resto do País. Quem ousava não votar no PT era desde logo estigmatizado como inimigo dos pobres, insensível ante a “revolução social” capitaneada pelo demiurgo de Garanhuns.

Foi contra esse crime continuado cometido pelo PT contra a democracia que os eleitores manifestaram, no ano passado, sonoro repúdio. Mas, por mais eloquente que tenha sido, tal voto certamente não trazia embutida nenhuma autorização para que os eleitos dessem vazão a seus instintos mais primitivos, como se a vitória eleitoral tivesse o condão de levantar todas as interdições que a civilização impõe àqueles que dela pretendem fazer parte.

Quando um deputado federal destrói parte de uma exposição na Câmara alusiva ao Dia da Consciência Negra, sob o argumento de que o que ali estava retratado vilipendiava os policiais militares ao acusá-los de promover um “genocídio da população negra”, a democracia é violentada – com a agravante de se dar nas dependências da chamada “Casa do Povo”. Quando esse mesmo deputado faz de seu ato insano um evento para suas redes sociais, como se fosse um gesto político legítimo, então é a barbárie.

E quando outro deputado, em defesa do gesto agressivo do colega, vai à tribuna da Câmara e diz que a Polícia Militar não pode ser responsabilizada pela morte de negros “porque um negrozinho bandidinho tem que ser perdoado”, adentra-se o terreno em que inexistem padrões mínimos de convivência em sociedade. É o vale-tudo – o exato oposto da democracia.

Não é mera coincidência que esses parlamentares sejam correligionários do presidente da República, Jair Bolsonaro, que reiteradas vezes ao longo de sua trajetória política demonstrou escassa disposição de aceitar os ritos e costumes próprios da vida democrática, a começar pelo respeito a quem pensa diferente. Logo, nada mais fazem do que imitar o estilo do “mito”, na presunção de que isso deleitará os eleitores.

Pode até ser que alguns eleitores de fato vibrem com essas demonstrações cabais de menosprezo pela democracia e suas instituições, mas certamente a grande maioria se preocupa com a escalada de grosserias por parte dos bolsonaristas, pois esse comportamento jamais dá em boa coisa. Pelo contrário, é um indicativo claro de inaptidão para a democracia.

Não se pode tratar esses fatos como normais ou mesmo toleráveis. A naturalização da violência como instrumento político torna a sociedade mais vulnerável à ação dos liberticidas. É preciso demonstrar, de maneira clara, total repúdio a essa tentativa de transformar a política em rinha de galos. Muitos eleitores, com carradas de razão, ajudaram a defenestrar o PT do poder justamente por tentar criar uma insuperável divisão na sociedade; agora, espera-se que esses mesmos eleitores, com igual vigor, condenem aqueles que, a título de combater “esquerdistas” em toda parte, alimentam um clima de confronto crescente com o qual planejam minar a democracia e, assim, estender indefinidamente sua permanência no poder.

Macarthismo escolar – Editorial | Folha de S. Paulo

Damares e Weintraub ameaçam liberdade de ensino com corte de verbas a redes públicas

O Estado é laico, mas... Numa democracia plena e numa nação republicana, não caberiam reticências nem subordinação nesse axioma. O Estado é laico. Ponto.

Não para Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que agora se associa ao não menos controverso titular da pasta da Educação, Abraham Weintraub, para criar uma atmosfera policialesca em todas as salas de aula do país.

“O Estado é laico, mas eu sou terrivelmente cristã”, repetiu Damares na quarta-feira (20), ao anunciar com Weintraub mais um passo na cruzada contra a liberdade de cátedra. Ambos negam que a central de denúncias de sua ideação, inspirada no movimento Escola sem Partido, tenha por alvo constranger educadores.

Sempre haverá casos, aqui e ali, de professores a abusar da autoridade de que são revestidos para doutrinar crianças e jovens. Não há dados confiáveis, entretanto, sobre a real incidência desses desvios, ainda que a dupla ministerial se contente com vídeos e denúncias a viralizar nas redes sociais.

Sim, alunos e pais têm direito a ver respeitadas suas convicções religiosas em sala de aula. O princípio não lhes dá autoridade, contudo, para exigir que o professor ensine explicações criacionistas sobre a origem da vida e da espécie humana em pé de igualdade com a teoria da evolução por seleção natural, consagrada pela ciência.

Equiparar ambas as explanações implicaria desrespeitar estudantes. Eles também têm direito a uma formação intelectual que os habilite a atuar em esferas sociais mais amplas que as de igrejas e seitas.

Esse é apenas um exemplo das distorções que fatalmente ocorrerão caso vingue o tal canal de delação. Weintraub e Damares usam bullying, automutilação e abusos sexuais como álibi, mas parece mais provável que ele sirva de recurso para proscrever temas como violência policial, feminismo, homofobia ou educação sexual.

Eventuais atritos e conflitos que surjam na escola com a necessária abordagem pedagógica de assuntos polêmicos na sociedade devem ser debatidos ali mesmo, no estabelecimento. Com a participação dos próprios alunos e, até, da comunidade de pais, mas não para calar e reprimir mestres e diretores.

A vocação autoritária de Damares e Weintraub fica mais evidente na proposta de desconsiderar autoridades educacionais de estados e municípios ameaçando-as com cortes de verbas federais caso não intervenham nos colégios denunciados para impor o que, do Planalto, se enxerga como linha justa.

Valores particulares ou religiosos não têm cabimento no ensino público, muito menos para policiá-lo.

O Estado é laico. Ponto.

As mudanças causadas pelos juros baixos – Editorial | O Globo

Em níveis jamais registrados desde a redemocratização, taxas ajudam consumo e investimento

Há uma espécie de revolução em curso que se pensava impossível acontecer. Na crise que forçou o fim de um câmbio rígido, no início de 1999, e a flutuação do dólar, o Banco Central teve de elevar os juros básicos (a Selic, recém-criada). O objetivo era conter a evasão de divisas e pressões inflacionárias decorrentes da desvalorização cambial.

Os juros se firmaram como fonte de preocupação, pela sua capacidade de induzir ciclos de crescimento ou desaquecimento. O período da gestão de Fernando Henrique Cardoso chegou ao fim em 2002 em meio a problemas clássicos (inflação e falta de divisas). O temor dos mercados com a perspectiva de vitória de Lula na eleição presidencial daquele ano pressionou o dólar, e os juros foram mais uma vez elevados, numa grata surpresa, no início do governo petista, que usava um correto instrumento “neoliberal” para conter a alta de preços.

Reduzir a Selic se firmou como prioridade para os governos. A dificuldade para atingir o objetivo levou a que se considerasse que apenas um plano amplo como foi o Real conseguiria cortar as taxas no Brasil. Não se devem desconsiderar a grave recessão de 2015/16, a estagnação que se seguiu e a dificuldade que persiste de a economia acelerar como fatores que ajudam a inflação a ser das mais baixas para os padrões brasileiros. O que abre espaço para o Banco Central reduzir a Selic a níveis também jamais testados — está em 5% e pode fechar o ano em 4,5%. Quando Michel Temer assumiu, a taxa era de 14,25%.

Os desdobramentos dessas mudanças de grande ineditismo no mercado de crédito e no sistema financeiro como um todo são amplos. Investidores cevados no costume do ganho certo e garantido dos títulos públicos são levados a buscar rentabilidade maior no mercado acionário, porta de entrada do financiamento à produção, por meio da compra de ações no mercado primário. Mesmo ainda muito elevados, os juros do crédito ao consumo caem, e as vendas no varejo começam a crescer: o setor se expandiu 0,7% em setembro, o melhor resultado para este mês em dez anos.

De maneira quase silenciosa, uma política monetária competente executada a partir de Temer, com Ilan Goldfajn no BC, e agora com Roberto Campos Neto, combinada com uma imprescindível política fiscal restritiva — somando-se à reforma da Previdência e a perspectivas de novos aperfeiçoamentos macro e microeconômicos —começa a permitir que o Brasil se torne um país normal — na inflação e nos juros. Ou menos anormal. Mas é preciso persistir.

Mesmo muito baixas para os padrões brasileiros, as taxas ainda são elevadas em relação a praças financeiras desenvolvidas, em que chega a haver juros negativos (abaixo da inflação). Nada está garantido.

A confusão em torno da reforma administrativa – Editorial | Valor Econômico

Medidas de controle das despesas de pessoal nas três esferas de governo já foram encaminhadas ao Congresso

A modernização do aparelho do Estado brasileiro é uma necessidade negada por poucos. Não se trata da velha e surrada discussão ideológica sobre o tamanho do Estado, mas da necessidade de tornar o aparelho estatal mais eficiente para melhor atender o cidadão, com serviços de qualidade.
Há distorções na administração pública que precisam ser corrigidas, mas há, igualmente, confusão sobre os objetivos de médio e longo prazo de uma reforma administrativa. Alguns enxergam apenas o aspecto fiscal, ou seja, a ajuda imediata que essa reforma poderá dar para o equilíbrio das contas públicas. Isto é um erro.

As medidas de controle das despesas com pessoal, no curto prazo, já foram encaminhadas pelo governo Jair Bolsonaro ao Congresso nos textos das propostas de emenda à Constituição 186/2019 e 188/2019. Se as duas propostas forem aprovadas, as administrações estaduais, municipais e federal poderão adotar medidas duras de redução de gastos com servidores, em caso de dificuldade financeira.

As medidas vão desde a não realização de concursos públicos, a não concessão de reajuste salarial, de promoções e de benefícios de qualquer natureza, até a redução da jornada do servidor, com a correspondente diminuição dos vencimentos. No caso da União, isso poderá ser feito se houver risco de não cumprimento da chamada “regra de ouro” das finanças públicas, que proíbe aumentar a dívida pública para financiar despesas correntes.

No caso dos Estados, o conjunto de medidas de ajuste das contas poderá ser adotado toda vez que as despesas correntes superarem 95% das receitas correntes. O setor público brasileiro passará a contar, portanto, com ajustes automáticos em situações que antecedem às crises, uma vez que os gatilhos serão acionados antes que elas aconteçam.

No caso da reforma administrativa, o presidente Jair Bolsonaro já delimitou o seu grau de abrangência. Definiu, por exemplo, que as novas regras somente valerão para os servidores que forem contratados após a promulgação da emenda constitucional. De fato, não é razoável esperar que a reforma atinja os servidores da ativa, que foram contratados com as regras em vigor.

Se valerá apenas para os novos servidores, a reforma administrativa ajudará na consolidação fiscal de médio e longo prazo, com muito pouco efeito no curto prazo. Em sua mensagem ao Congresso Nacional, que acompanhou a proposta orçamentária para 2020, o presidente da República informou que o objetivo da reforma administrativa é aumentar a produtividade do serviço público. E informou que ela, provavelmente, abordará a reestruturação de carreiras do funcionalismo e mudanças nas regras de estabilidade dos servidores públicos.

Atualmente, há mais de 300 carreiras, com cerca de 3.000 cargos no serviço público. Estudo divulgado pelo Banco Mundial, recentemente, mostrou que o nível salarial dos servidores federais é quase o dobro dos trabalhadores da iniciativa privada, com os mesmos níveis de escolaridade e com atividades semelhantes.

O governo quer reduzir o número de carreiras e diminuir as remunerações iniciais, aumentando o tempo de progressão do servidor. Quer também ampliar o período de estágio antes que a pessoa concursada seja efetivada na carreira para a qual prestou concurso, criando mecanismos mais efetivos de avaliação de desempenho.

Não é possível melhorar a eficiência sem redefinir a questão da estabilidade do funcionário público. A estabilidade surgiu na administração pública para evitar a perseguição política. Com ela, os servidores podem ter uma atuação a favor do Estado, independentemente do governo da ocasião. O problema é que, ao longo do tempo, ela gerou dois males que são visíveis em muitos órgãos públicos: a acomodação e a ineficiência.

Parece óbvio que a estabilidade não pode ser concedida a todos os servidores. Ela deve ser destinada às chamadas carreiras típicas de Estados, que são aquelas que fazem parte das áreas de segurança, arrecadação e gestão do dinheiro público e da diplomacia. Por mais importante que seja um médico ou um engenheiro para determinados serviços prestados ao cidadão, eles não integram carreiras típicas de Estado.

Mesmos para as carreiras de Estado talvez seja necessário algum tipo de flexibilidade, que estimule a produtividade. Assim, esta reforma precisa ser muito bem elaborada, pois ela significará o redesenho do Estado brasileiro para as próximas décadas.

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