Seria
este o melhor momento para discutir a Lei de Segurança Nacional?
Também
não há dúvida de que o parlamento seja o locus legítimo para essa deliberação.
A questão, no entanto, é se nos encontramos no melhor momento para levar a cabo
uma tarefa tão delicada como essa, que exigiria um amplo e consistente consenso
em torno dos valores democráticos e muita moderação, inexistentes nesta quadra.
Temo que a iniciativa possa não apenas criar uma cortina de fumaça sobre o agravamento da pandemia, que já vitimou mais de 340 mil pessoas sob o profundo desprezo moral do presidente da República, mas também funcionar como um verdadeiro cavalo de Troia, fragilizando ainda mais nossas defesas democráticas.
A
qualidade de alguns dos projetos, bem como a respeitabilidade de seus
relatores, não são garantia de um bom resultado. Num ambiente de alta
polarização, assim como uma forte presença de interesses
antidemocráticos entrincheirados nas diversas esferas do Estado
brasileiro, seria ingênuo esperar que uma nova lei de proteção às instituições
democráticas não viria impregnada de amargas surpresas e mesmo retrocessos.
Tanto
o substitutivo proposto pela deputada Margareth Coelho (PP), inspirado no
projeto elaborado pela comissão presidida pelo ex-ministro Vicente
Cernicchiaro, do STJ, e encaminhada ao Congresso pelo então ministro Miguel
Reale Jr., em 2002, como o projeto apresentado recentemente pelo deputado Paulo
Teixeira (PT), correm, nesse contexto, sérios riscos de servirem de barriga
de aluguel para inomináveis jabutis.
Entre
as principais ameaças estaria uma lei estruturada a partir “tipos penais
abertos” e indefinidos; calcada na proteção da “honorabilidade de autoridades”,
em detrimento da “integridade das instituições”; na não exigência de “violência
ou grave ameaça” (concreta) de desestabilização institucional para a caracterização
dos crimes; além do risco de uma indevida restrição à liberdade de expressão,
manifestação e organização. Uma lei de defesa das instituições democráticas
deve ser minimalista e cirurgicamente precisa, caso contrário, se tornará, ela
própria, mais uma ameaça à democracia.
Se
há um genuíno interesse em renovar o arcabouço jurídico de proteção à
democracia brasileira, melhor seria aguardar as balizas que serão oferecidas
pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a LSN, nas próximas semanas. Isso
certamente enriquecerá o debate parlamentar. Mais do que isso, com a LSN
devidamente ajustada à Constituição, haverá mais tempo e tranquilidade para que
o Congresso possa deliberar sobre a melhor forma jurídica de se proteger a
democracia.
Espero
estar errado em meu ceticismo. A prudência indica, no entanto, que uma
legislação com esse grau de complexidade política e jurídica não deva ser
elaborada de forma açodada, sem uma ampla participação da sociedade civil e
acadêmica e, sobretudo, sem um forte compromisso político com o objetivo de
proteger as instituições democráticas.
****
Mario Sérgio Duarte Garcia, ícone de nossa advocacia e defensor intransigente da democracia, fará muita falta.
*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
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