sábado, 10 de abril de 2021

Pablo Ortellado - Há injustiça racial na fila das vacinas?

- O Globo

Temos um grave problema de dados relativos a cor e Covid-19. Os dados disponíveis não são confiáveis e, por isso, não sabemos se a doença está matando mais negros, como acontece nos Estados Unidos. Sem essa informação, não temos subsídios para corrigir injustiças na fila da vacinação.

Nos Estados Unidos, que têm dados mais confiáveis, o risco de morte por Covid é 2,4 vezes maior para indígenas, 2,3 vezes maior para latinos e 1,9 vez maior para negros do que para brancos. O Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos atribui essa diferença a disparidades socioeconômicas, menor acesso ao sistema de saúde e ocupações com maior exposição ao vírus.

Seria de esperar, portanto, que o Brasil, com disparidades raciais tão grandes, senão maiores que as americanas, tivesse o mesmo problema.

Quando consultamos o banco de dados do SUS, porém, não é o que encontramos. Segundo o SIVEP-Gripe, o risco de morte por Covid-19 entre negros é praticamente a metade do que entre os brancos, mesmo com os negros tendo piores condições sanitárias, piores condições econômicas e com ocupações mais expostas à contaminação. Não faz sentido.

Poderíamos buscar explicações para isso no fato de os brancos terem maior expectativa de vida e, portanto, terem proporcionalmente mais idosos. Mesmo controlando essa variável, os negros seguem com menos risco de morrer por Covid-19 nos dados do SUS. A explicação parece ser a má qualidade dos dados.

Nos dados sobre vacinação, o problema é tão ou mais grave. Entre as pessoas que se vacinaram no grupo de prioridade de populações indígenas, apenas 69% foram marcadas como indígenas, como mostrou a Open Knowledge Foundation; na Bahia, 35% de todos os vacinados foram marcados como “amarelos”.

Artigo de Jaciane Milanezi na revista “Dados” apontou os problemas da coleta de dados sobre cor no SUS, em que os profissionais muitas vezes fazem heteroclassificação — indicam a cor sem perguntar a autoclassificação do paciente —ou negociam a classificação de cor que julgam mais adequada.

Estudos que usaram bases de dados que não as do SUS encontraram outra realidade.

O Afro-Cebrap fez um estudo sobre o impacto da Covid-19 nas mortes de negros e brancos analisando o excesso de mortalidade por causas naturais (o aumento da taxa de óbitos em relação ao ano anterior). O excesso de mortalidade para negros e pardos no Brasil em 2020 foi de 27,8%, enquanto o excesso de mortalidade para brancos foi de 17,6%.

O jornalista Marcelo Soares usou os dados do Caged, do Ministério da Economia, e encontrou uma concentração do excesso de mortalidade em profissões essenciais de baixa remuneração, como motoristas de caminhão, faxineiros, vendedores do comércio varejista e porteiros de edifícios.

Precisamos consertar os dados sobre raça nos bancos de dados do SUS. Como não sabemos se a Covid-19 mata mais pessoas negras, não tomamos as providências cabíveis, como redesenhar a fila da vacinação para priorizar essa população. É o que as autoridades médicas internacionais recomendam.

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