sábado, 10 de abril de 2021

Carlos Alberto Sardenberg - A CPI tumultua, mas ajuda

- O Globo

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, afirma que a CPI da Covid-19 vai atrapalhar o combate à pandemia porque dispersa os esforços do governo federal e do Congresso. Na verdade, o senador não queria a CPI — não quer, porque ainda tem meios de enrolar — porque sabe que o processo pode dar um tiro fatal no governo a que está aliado.

Mas outras pessoas da cena nacional, de políticos a empresários e jornalistas, encampam a tese de que a CPI convulsiona o ambiente político e econômico, sendo, pois, prejudicial tanto ao combate à pandemia quanto à retomada da economia. Pensam assim — ou pensavam — aqueles empresários que estiveram no jantar de quarta passada com o presidente Jair Bolsonaro. Disseram que o propósito era deixar o passado para trás — ou seja, esquecer os erros do governo — e se concentrar no que fazer dali em diante.

Isso seria verdade se atendidas duas condições: primeira, se o presidente Bolsonaro admitisse erros ou ao menos deixasse de falar e fazer os absurdos negacionistas; segunda, se houvesse alguma chance de que o governo e o Congresso melhorassem seu desempenho.

Nenhuma dessas condições está presente.

Aquele mesmo jantar foi uma demonstração disso. Contando empresários, ministros, assessores, seguranças, garçons e cozinheiros, formaram uma aglomeração de 80 pessoas — e ainda no horário do toque de recolher.

Bolsonaro foi o de sempre. Por exemplo: empresários falaram na necessidade de ampliar a vacinação; o presidente respondeu xingando o governador Doria, sem cujos esforços não haveria vacinação no Brasil.

Falaram, entre um salgadinho e outro, em medidas de isolamento. Bolsonaro reclamou com o ministro da Saúde porque ele não tirou a máscara.

O presidente falou que não furaria o teto fiscal. Aplausos animados. Mas o Orçamento negociado por ele com o Centrão fura o teto e dá várias pedaladas, formando um conjunto de ilegalidades.

E, na live de quinta, Bolsonaro voltou a falar de remédios “milagrosos”, o tal spray de Israel e um outro em fase inicial de testes, malsucedidos.

Portanto, é exatamente o contrário do que disse Rodrigo Pacheco. A CPI é o caminho — difícil, é verdade — para forçar uma mudança radical no combate à pandemia. Uma mudança com ou sem o atual presidente, pois é óbvio que a CPI pode ser a porta de entrada do impeachment ou de alguma saída arranjada.

CPIs não dependem apenas de questões jurídicas. O que mais importa é o ambiente econômico e político. O conjunto é extremamente desfavorável ao presidente.

Sem contar os mortos da pandemia, o fator principal, temos: baixa atividade econômica, desemprego, inflação elevada, juros subindo, falta de vacinas e outros insumos, popularidade do presidente em baixa, Centrão e militares avançando no Orçamento, pouco dinheiro para o auxílio emergencial e outros programas.

Dirão: mas, ainda assim, nesta semana o governo federal conseguiu conceder nada menos que 22 aeroportos, em leilões disputados por companhias importantes, nacionais e estrangeiras.

Mas isso não prova confiança no governo. São contratos de 30 anos, de modo que embutem uma esperança de que as coisas não podem ficar tão ruins por tanto tempo. E não se deve esquecer que os concessionários simplesmente podem parar os investimentos se não houver o mercado esperado.

De todo modo, fica claro também que o país tem oportunidades a oferecer. O que nos atrapalha é um sistema político que tende a gerar governos ruins.

E não apenas o Executivo. O Legislativo fracassa em todos os níveis, mais preocupado em preservar instrumentos de ganhar eleições. E, como passam pelo setor público nada menos que 40% do PIB, empresários entendem que o sucesso depende de boas relações com o governo de plantão. Ou de relações compradas, como vimos no mensalão e no petrolão — e até nos processos de compra de equipamentos de saúde.

A CPI não resolve isso tudo. Mas quem sabe não dá uma boa chacoalhada?

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