quarta-feira, 30 de junho de 2021

Rosângela Bittar - Mitos em concordata

O Estado de S. Paulo

Ninguém mais teme as ameaças de convulsão caso Bolsonaro não seja obedecido

A nova explosão de agressividade de Jair Bolsonaro e sua militância é sinal de que não está dando certo o projeto de continuidade no poder a qualquer custo. Estão em perigo duas certezas que fundamentam a campanha eleitoral intensiva a que o presidente submete o País. Primeiro, o voto impresso. Perdeu apoio e sentido a fantasiosa desconfiança na urna eletrônica. Segundo, esfacela-se o mito de governo incorruptível, marca que ele próprio se atribui, contra todas as evidências.

Ninguém mais teme as ameaças de convulsão social caso Bolsonaro não seja obedecido. Uma intenção de golpe desmoralizada, tanto pelo Congresso, que não deve votar a lei, quanto pela Justiça Eleitoral, que a aplicaria a contragosto. Oficialmente, 11 partidos se manifestaram contra tal retrocesso. Bolsonaro terá que inventar outra maneira de deflagrar uma crise institucional caso seja derrotado nas urnas. O projeto de uma infinita recontagem de votos, com a indefinição eterna dos resultados, terá de esperar por novo pretexto. O modelo Trump não colou nos Estados Unidos e dificilmente dará certo no Brasil, embora a democracia, aqui, seja mais frágil.

Já o discurso de ausência de corrupção no governo choca-se frontalmente com a realidade, agora demonstrada tanto na CPI da Covid, como no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal de Contas da União. O caso da vacina indiana Covaxin é exemplar de um dos métodos que o governo usa para sustentar sua propaganda enganosa: se descoberta uma armação, logo é desfeita antes que o crime se consuma. Depois da denúncia, age-se como se não tivesse sido urdida.

Vera Magalhães - Escolha a sua versão

O Globo

Não há a menor sombra de dúvidas de que o caso Covaxin abalou Jair Bolsonaro e seu entorno familiar.

Trata-se de um escândalo de fácil compreensão para a totalidade da população. Existem duas testemunhas, entre elas um deputado bolsonarista, que alertaram o presidente a respeito das inconsistências de um contrato bilionário para o qual houve intensa movimentação política.

O aviso se deu em março, e de lá para cá Bolsonaro nada fez. O empenho para o pagamento de R$ 1,6 bilhão para a compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin foi feito.

Por fim, para piorar a situação de Bolsonaro, as versões para sua inação e para esse contrato com cheiro, cor e cara de irregular se sucedem sem que haja nexo entre a nova e a anterior.

Bernardo Mello Franco - Freio na conspiração

O Globo

Na sexta passada, Jair Bolsonaro culpou o teto de gastos pela falta de ações do governo. “Temos um teto e não temos dinheiro. Queremos fazer, mas tem cada vez menos dinheiro”, queixou-se. Na mesma entrevista, ele defendeu torrar R$ 2 bilhões para ressuscitar o voto impresso. “Já falei com o Paulo Guedes. Tá garantido”, disse.

A incoerência é o menor dos problemas da ofensiva presidencial. Ao atacar a urna eletrônica, o capitão prepara o terreno para contestar uma possível derrota em 2022. O discurso atiça extremistas que sonham com uma insurreição armada. “Vamos criar o caos”, avisou o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

A pregação golpista não é nova, mas Bolsonaro tem elevado o tom das ameaças. Em janeiro, sugeriu que pode imitar Donald Trump e sua invasão do Capitólio. “Se nós não tivermos voto impresso em 2022, vamos ter problema pior que os Estados Unidos”, prometeu. Em maio, disse que, “se não tiver voto impresso, não vai ter eleição”. “Acho que o recado está dado”, arrematou.

Fernando Exman - Sinais e ruídos em mais um momento de crise

Valor Econômico

Aumenta o custo de estar alinhado ao Palácio do Planalto

Há sinais, para todos os lados e gostos, do crescente processo de fragilização da posição do governo no Congresso Nacional. Interessa ao presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, contudo, que se preste mais atenção nos ruídos.

É o caso, por exemplo, do barulho que se faz em torno da questionável defesa do voto impresso. Ou quando o presidente da República vai às redes sociais para comentar o destino do assassino em série que se escondia no cerrado goiano. Bolsonaristas insistem em perguntar se vale a pena manter os trabalhos da CPI da Covid, uma vez que o colegiado não tem capacidade de resolver as causas e os efeitos da crise.

Ruído. A comissão parlamentar de inquérito nem foi instalada para isso. E em pouco tempo, colocou o Executivo na defensiva e sem um suposto monopólio da bandeira do combate à corrupção. Uma posição que interessa, inclusive, àqueles integrantes da base que sempre esperam uma oportunidade para demonstrar ao Planalto o quão importante é mantê-los por perto.

Um outro sinal captado pelo radares dos congressistas é a profusão de notícias negativas nas pesquisas de intenção de voto. Vai crescendo o custo, e o preço, de se manter alinhado ao Executivo.

Elio Gaspari - Ele e o exemplo chinês

O Globo / Folha de S. Paulo

Uma boa ditadura resolve qualquer problema

Ele examinou a situação e ensinou:

— A China é capaz de lutar contra o coronavírus tão rapidamente porque tem um partido político forte e um governo forte. Porque o governo tem controle e poder de comando. O Brasil não tem isso, nem outros países.

Bolsonaro? Não, Lula, o candidato mais bem colocado nas pesquisas para a eleição presidencial do ano que vem.

O fascínio de Lula pela ditadura chinesa é antigo. Em 2003, quando era presidente, disse que “a China acordou, e o mundo está, pelo menos, preocupado com o potencial de crescimento da China. Antes de Napoleão Bonaparte ter visitado a China, o hino brasileiro já falava que nós somos um gigante”. (Napoleão nunca foi à China.)

Falar em “partido político forte” e “governo forte” com “poder de comando” é maquiar a ditadura do centenário Partido Comunista da China (PCC). Lastimar que o Brasil não tenha esses instrumentos é um menoscabo às instituições brasileiras.

Partido e governos fortes são coisa que a China tem desde 1949, quando o Grande Timoneiro Mao Tsé-Tung foi para o poder. Lá, o presidente Liu Shaoqi saiu da linha, e Mao mandou-o para a cadeia, onde morreria em 1969, em condições deploráveis, com apenas sete dentes. Sua mulher foi escrachada e ficou encarcerada por mais de dez anos. Esse Império do Meio de partido e governos fortes poderia ser chamado de China 1.0. Nela, o país passou por uma grande fome com episódios de antropofagia e pelo menos 15 milhões de mortos.

Luiz Carlos Azedo - Índios são teimosos

Correio Braziliense

A maioria dos brasileiros sente empatia pelos índios, porque herdou o DNA e a cultura. Ao contrário, o presidente Jair Bolsonaro é inimigo dos direitos dos índios

Uma das coisas que mais queimam o filme do Brasil no exterior são protestos de índios na Esplanada, ainda mais quando há enfrentamento com forças policiais. As cenas ganham destaque nos meios de comunicação e formam uma imagem muito negativa do país no exterior. Sintetizam tudo o que a opinião pública mundial condena em termos de violação de direitos humanos. As consequências são mais graves do que imaginam aqueles que continuam tratando os índios como seres humanos de segunda classe. Derrubar e queimar as florestas são um grave problema ambiental e diplomático; maltratar os índios mais ainda.

A maioria dos brasileiros sente empatia pelos índios, porque herdou o DNA e a cultura, mesmo sem saber direito seus vínculos de ancestralidade. Ao contrário, o presidente Jair Bolsonaro é inimigo dos direitos dos índios, apoia madeireiros, garimpeiros, pecuaristas e grileiros que invadem suas terras e derrubam a floresta, criminosamente. Pelo visto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também não gosta dos índios, embora deva ter uma ancestral “preada” no mato, como era comum em Alagoas muito antigamente. Ontem, sob seu comando, o Centrão “passou a boiada” sobre os direitos dos índios na Comissão de Constituição e Justiça.

Ricardo Noblat - Procura-se quem possa salvar Bolsonaro do escândalo da vacina

Blog do Noblat / Metrópoles

Se depender da CPI da Covid, o presidente da República será acusado por mais de um crime de responsabilidade, sujeito a impeachment

Primeiro, o presidente Jair Bolsonaro procurou a ajuda do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, para salvar-se do escândalo de ter ouvido dos irmãos Miranda a denúncia da compra da vacina indiana Covaxin a preço superfaturado e nada ter feito.

Queria que Pazuello dissesse que ele o tinha incumbido de investigar o caso, e que a denúncia revelou-se falsa. Pazuello não se mostrou disposto a segurar essa. O desgaste público da imagem do general deveu-se a tantas trampolinagens que ele escondeu.

Então coube a Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo no Senado, prestar-se ao papel de mentir pelo governo. Coelho disse aos seus pares da CPI da Covid-19 que Bolsonaro acionou Pazuello, e que ele repassou a tarefa a Élcio Franco.

À época, fim de março último, o coronel Élcio Franco era o secretário-executivo do Ministério da Saúde. Segundo Coelho, ele investigou e concluiu que a história contada pelos irmãos Miranda não procedia. A cada dia, a história só ganha traços de verdade.

Agora, o que dirá o governo depois que o nome do coronel foi citado por um representante no Brasil da empresa Davati Medical Supply que deixou de vender um lote de vacinas da AstraZeneca ao Ministério da Saúde só para não ter de pagar propina?

Bruno Boghossian – Vacina, impeachment e voto

Folha de S. Paulo

Fantasma da corrupção representa pressão dupla sobre Bolsonaro

O governo jogou todas as fichas na blindagem de Jair Bolsonaro. Pela manhã, senadores aliados disseram na CPI que o presidente havia pedido em março uma apuração sobre a compra da Covaxin. Segundo eles, o Ministério da Saúde não encontrou nada de errado. Mais tarde, porém, a própria pasta informou que vai suspender e analisar novamente o contrato.

O vaivém reflete o medo do governo e mostra que Bolsonaro estava mais interessado em dar uma resposta política do que em explicar as negociações feitas nessa área. O presidente acreditava que conseguiria ganhar tempo para se livrar do caso, mas uma nova acusação de cobrança de propina mostra que ele não conseguirá eliminar esse fantasma.

O representante de uma empresa disse à repórter Constança Rezende que recebeu um pedido de US$ 1 por dose que seria comprada pelo Ministério da Saúde. O autor teria sido Roberto Ferreira Dias, diretor de Logística da pasta. O nome dele já havia aparecido no caso da Covaxin. O repeteco deve dobrar a pressão sobre o governo.

Mariliz Pereira Jorge - Jornalismo deve se posicionar

Folha de S. Paulo

Para mim, jornalismo sempre foi oposição, independentemente da ideologia do governo; hoje é resistência

Mais do que os artistas, quem deve se posicionar contra o governo Bolsonaro é o jornalismo e, consequentemente, os jornalistas. Não é uma questão de parcialidade ou imparcialidade. A missão de informar com isenção é um compromisso inegociável firmado com a sociedade.

Mas diante de um governo que se mostra negligente, incompetente e antidemocrático, não há outro senão o lugar de uma oposição combativa por parte da imprensa. Só quem estava muito distraído para não entender que a eleição do atual presidente seria um desastre. Que seja dado o benefício da dúvida. Ok, acabou o tempo, não há mais dubiedade.

Jair Bolsonaro destrói o país há mais de dois anos. Meio ambiente devastado, política internacional desmoralizada, aparelhamento das polícias, educação abandonada, cultura satanizada, instituições na corda bamba. Como se não bastasse, sua política sanitária enterrou meio milhão de brasileiros.

Roberto DaMatta* - Um país de repetições?

O Estado de S. Paulo

No resfolego do poder à brasileira, todos inovam, repetindo velhos chavões.

Numa vida longa, recordações se misturam a fantasias, miragens e pesadelos. Acabam-se os projetos... Talvez nisso resida a irritante ambiguidade dos idosos, pois envelhecer é descobrir que abotoar uma camisa é mais complicado do que explicar uma época, um livro ou um regime político.

O pouco conscientizado preconceito cósmico contra os velhos tem raiz na consciência da fragilidade física, combinada a uma enorme e orgulhosa resignação diante do fim da vida – uma dimensão que inexoravelmente todos os idosos são forçados a vivenciar.

Como um filme meio terminado, a vida longa desbota pessoas e circunstâncias, mas permite enxergar, com nitidez de lupa, repetições, reprises, retornos – os ossos dos mortos. O verdadeiro caráter de culturas, sociedades e pessoas. Nela, se enxergam melhor o falso, a ignorância e a hipocrisia – esses companheiros do ser e estar humanos.

Como é que fui gostar daquele poeta afogado no seu sentimentalismo barato? Como é que eu fui simpático àquela ideologia política ultrarreducionista? Onde eu estava com a cabeça quando fui enganado e, pior que isso, enganei a mim mesmo escondendo minhas intenções, desejos e invejas? Como eu não saquei que a mentira não tem desculpa e que não se deve mentir para ninguém e, sobretudo, para “desconhecidos” – aqueles para os quais o mentir vira um enganar malandro?

Almir Pazzianotto Pinto* - Convenção nº 158 e insegurança jurídica

O Estado de S. Paulo

O receio de não poder dispensar deverá levar cada vez mais à redução da mão de obra

A possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir pela inconstitucionalidade do Decreto n.º 2.100-1996, editado para anular a ratificação da Convenção 158-1982 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), põe em estado de alerta os empresários brasileiros. Há justo receio de imobilização da mão de obra em período de instabilidade econômica e política. O número de empregados e o custo final da folha de pagamento devem ser flexíveis e adaptáveis, para prevenir atrasos de pagamentos e de encargos, que tornem as empresas inviáveis.

Julgo desnecessário entrar em detalhes. Registro, porém, que se a ratificação vier a ser confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), todo trabalhador demitido será titular do direito de submeter a rescisão contratual a julgamento da Justiça do Trabalho, com a pretensão de ser reintegrado.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1.625, ajuizada em 19/6/1997 e distribuída ao falecido ministro Maurício Corrêa, continua à espera de julgamento. Pedidos de vista regimental obstruíram-lhe a tramitação. Decorridos 25 anos, ainda aguarda a manifestação dos ministros Dias Toffolli (pediu vista regimental em 14/9/2016), do decano Marco Aurélio (prestes a se aposentar, em 12/7) e de Kassio Nunes Marques, o mais moderno.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê a dispensa do empregado por justa causa nas hipóteses do artigo 482. O prudente empregador evita, entretanto, imputar-lhe a prática de falta grave. Demite e paga a indenização prevista no artigo 10.º, I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e outras parcelas fixadas em lei, para evitar as incertezas da reclamação trabalhista.

Zeina Latif - O mercado financeiro vira a página

O Globo

Ao longo do primeiro semestre os mercados foram do inferno ao céu. O dólar ultrapassou R$5,80 e agora está abaixo de R$ 5 – um expressivo recuo, ainda que parcial considerando o R$4,20 sugerido por parâmetros do passado recente. As razões do alívio não estão suficientemente claras. Parece haver algo a mais, além da economia, movendo o sentimento dos players de mercado.

O quadro mundial ajuda: a moeda americana se manteve enfraquecida no mundo, mesmo com as mudanças do cenário de inflação e juros nos EUA. Mas fatores domésticos são o divisor de águas. Se antes eles penalizavam a performance do real, agora a beneficiam.

Para se ter uma ideia, para o mesmo patamar atual de cotação média do dólar contra uma ampla cesta de moedas de emergentes, o dólar aqui oscilava em torno de R$5,50 em novembro do ano passado.

O ajuste da política monetária pelo Banco Central em um contexto de boa safra de indicadores fiscais e de atividade certamente tem peso, mas parece pouco para explicar o comportamento do câmbio.

Vinicius Torres Freire – Bolsonaro em transe, mercado calmo

Folha de S. Paulo

Covaxin, risco de apagão, inflação e até o IR azedam vida do governo, mas dólar cai

Momentos de tumulto político e de perspectiva de vitória eleitoral da esquerda não raro causam estresse nos povos dos mercados financeiros. Jair Bolsonaro afunda em rolos e más notícias variadas, o que por ora favorece Lula da Silva (PT), pois até agora a “terceira via” não consegue nem ao menos ser o fantasma dessa opereta. Na pesquisa de opinião mais precisa dos humores dos donos do dinheiro, no câmbio e nas taxas de juros, não aparece preocupação com esse cenário político. Pelo menos até agora, antes da vacina com propina.

Para as pessoas que se ocupam de problemas mais comezinhos, como pagar a conta de luz, causou comoção o novo preço da bandeira vermelha, embora o impacto direto desse aumento na vida de cada classe de renda seja muito variado. De qualquer modo, um ministro apareceu na TV para falar que “é grave a crise” de energia, cada dia tem uma fumaça de escândalo da Covaxin e até a redução do Imposto de Renda afundou no vinagre que é o noticiário sobre o governo.

Como se escrevia nestas colunas no domingo, empresas ou endinheirados fariam pressão à boca pequena no Congresso a fim de derrubar o possível aumento de imposto proposto por Paulo Guedes, que nesta terça-feira (29) já deu uma amarelada, sugerindo redução mais rápida do IR. No caso do agronegócio, o protesto é aberto e foi direto ao Planalto.

Fábio Alves - O roteiro do 2º semestre

O Estado de S. Paulo

Por ora, permanece o otimismo, mas muita coisa pode ameaçar o roteiro

Prevalece o otimismo com chegada de mais vacinas, mas muita coisa pode ameaçar o roteiro.

A reabertura das principais economias mundiais, após o pior da pandemia de covid ter ficado para trás, estava caminhando para ser o principal tema dos mercados no segundo semestre de 2021, mas o risco político e a crise hídrica no Brasil e a sinalização da retirada de estímulos monetários pelo Federal Reserve (Fed) nos Estados Unidos devem dividir a atenção dos investidores domésticos e ameaçar o crescente otimismo.

Nos EUA e na Europa, o avanço da vacinação contra a covid resultou numa acentuada queda de novos casos e mortes, o que permitiu um relaxamento quase total das regras de distanciamento social. Nos EUA, os indicadores de atividade econômica já vinham antecipando uma recuperação mais forte desde o primeiro trimestre.

Nas últimas semanas, o mercado também passou a revisar para cima as projeções de crescimento do PIB da zona do euro neste ano, à medida que vários países do bloco começaram a reabrir suas economias, em especial o setor de serviços, incluindo o de turismo, um dos mais afetados pela pandemia.

No Brasil, a imunização finalmente começa a ganhar maior ritmo. A média móvel de sete dias da vacinação com a primeira dose contra covid atingiu 1.426.813 na segunda-feira. Há sete dias, essa média era de 1.242.303 e, há 30 dias, de apenas 472.971.

As projeções de crescimento do PIB brasileiro para 2021 vêm melhorando há dez semanas e agora apontam para uma expansão de 5,05%, conforme a mais recente pesquisa Focus. Há quatro semanas, as estimativas dos analistas eram de um crescimento de 3,96%.

Daniel Rittner - O ‘choque de energia barata’ faz dois anos

Valor Econômico

Anunciado em 2019, Novo Mercado de Gás ainda só engatinha

Prestes a completar dois anos, o “choque de energia barata” anunciado por Paulo Guedes ainda está longe de tornar-se realidade. Em julho de 2019, o Posto Ipiranga prometeu uma redução de 40% nos preços do gás natural com iniciativas voltadas à abertura do mercado. No pacote estavam itens como acesso de terceiros aos gasodutos de transporte que eram detidos pela Petrobras e têm elevado grau de ociosidade, diminuição das barreiras para que consumidores industriais pudessem escolher livremente seus próprios fornecedores, privatização das distribuidoras estaduais. Uma parte das ações tinha amparo em um acordo firmado entre o Cade e a estatal, outras vinham de projeto de lei em tramitação no Congresso, a ampliação do mercado livre era uma das contrapartidas para o socorro do Tesouro a Estados com desequilíbrio na área fiscal.

Hoje, quase 24 meses depois, o chamado Novo Mercado de Gás apenas engatinha. Sim, ele tem boas chances de ganhar alguma musculatura e dar seus primeiros passos, mas a baixa velocidade com que esses movimentos vão ganhando corpo deixa nos interessados um sentimento de bastante cautela com o futuro.

Péssima coincidência: a Petrobras aplicou um aumento recente de 39% no preço do gás natural para as distribuidoras, praticamente o tamanho da queda prometida pelo ministro lá atrás, mas com sinal inverso. O último reajuste do gás de cozinha fez o preço do botijão de 13 quilos atingir até R$ 130 em municípios do Centro-Oeste, com tendência de alta e potenciais reflexos na popularidade de Jair Bolsonaro.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Teste de estresse

O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro testa as instituições democráticas de todas as maneiras desde que entrou para a política. Qual país emergirá dessa terrível experiência?

O presidente Jair Bolsonaro testa as instituições democráticas de todas as maneiras desde que entrou para a política. Hoje, seus crimes de responsabilidade se multiplicam, do mesmo modo como, quando era deputado, abundavam suas agressões ao decoro parlamentar – sem mencionar as suspeitas de “rachadinhas” e outras estripulias. Seus ataques à imprensa e à Justiça mostram sua ojeriza a alguns dos principais pilares da democracia. Sua campanha feroz para cindir a sociedade é antidemocrática por definição.

Como não há perspectiva de que Bolsonaro se emende – ao contrário, é bem provável que o presidente intensifique sua ofensiva liberticida, pois é de sua natureza –, pergunta-se: qual país emergirá dessa terrível experiência?

Será um país em que as instituições democráticas afinal resistiram a seu maior teste de estresse desde o fim do regime militar, fazendo prevalecer o espírito da Constituição sobre o projeto destrutivo liderado pelo bolsonarismo sob os auspícios do Centrão e de corporações parasitárias do Estado?

Ou será um país em que as instituições democráticas se deixaram emascular pelos interesses mesquinhos de quem se acomoda ao poder para ter ganhos imediatos? Em que se faz exegese heterodoxa da Constituição para fazê-la caber em projetos autoritários de poder? Em que grupos com acesso privilegiado ao

Estado conseguem manipular o Orçamento sem qualquer transparência nem prestação de contas? Em que se modificam as leis eleitorais e os modelos de representação para perpetuar o atraso? Em que se considera legítimo um governo que atua contra os mais básicos preceitos éticos e técnicos da administração pública, fazendo terra arrasada na educação, na cultura e na área ambiental? Em que se fecham os olhos para a tentativa de transformar as forças militares em guarda pretoriana do presidente da República? Em que não causa comoção a transformação do Brasil em pária mundial?

Se depender dos democratas brasileiros, o País sairá fortalecido dessa provação, mas não será sem um esforço extraordinário, pois são evidentes os sinais de que os inimigos da democracia ganharam muito terreno desde a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência.

Poesia | Vinícius de Morais - O Haver

 

Música | Luiz Melodia - Disritmia (Martinho da Vila)

 

terça-feira, 29 de junho de 2021

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna*

"Enquanto não se armar uma frente amplíssima, que garanta uma transição sem susto, o regime se mantém por falta de alternativas críveis. O que se apresenta como alternativa é a candidatura do Lula. A candidatura do Lula – com todos os méritos que possa ter e tem –, não tem a capacidade de organizar, reaglutinar e apaixonar a população em torno de uma ação comum. A última manifestação teve um caráter amplo, não foi partidária, mostra por onde se pode ir e por onde se deve avançar. Esse caminho já foi percebido por nós no passado, na luta contra o regime militar: o caminho da amplíssima coalizão que resultou na reabertura com um nome como Tancredo [Neves], que não era um nome marcado ideologicamente; era um democrata liberal, convicto, um homem da negociação. E agora? Não temos nada. A candidatura Lula não ajuda. A grande contribuição que Lula poderia dar – e acho difícil ele fazer isso – é ele mesmo se tornar o peão ou um dos peões da articulação dessa frente amplíssima, na busca por um nome que pudesse representar todos os descontentes, todos os dissidentes, todos os que não se conformam com a grosseria e a estupidez do governo que aí está.

Os militares têm que ser considerados. Um pouco do que falei se aplica a eles: quanto mais a frente for ampla e irrestritamente ampla, mais se torna difícil a intervenção militar. Não há como ter uma intervenção contra o conjunto da sociedade mobilizada em torno de uma ideia. O caminho da intervenção militar é o da polarização. Redescoberta a possibilidade democrática para o país, as forças futuras são imensas, de revigoramento dos movimentos sociais, dos partidos democráticos, de um novo parlamento, porque este que está aí é desprezível, é um parlamento que perdeu o léxico da sociedade. O parlamento não é representativo da sociedade brasileira de forma alguma; é um parlamento bolsonarista. As possibilidades no horizonte são muito generosas se soubermos agora articular uma política de frente amplíssima que desloque esse regime. Deslocado, aí o mundo é outro."

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio. Entrevista, IHU On-Line, 26 de junho 2021

Merval Pereira - Lula ajuda Bolsonaro

O Globo

A base da estratégia político-eleitoral do presidente Jair Bolsonaro é colocar-se como único capaz de derrotar Lula e o PT nas urnas, para o bem do país, que, caso contrário, cairá nas mãos dos “comunistas”. Parte dos eleitores foi para Bolsonaro em 2018 devido a esse temor, e as Forças Armadas acreditam que o comunismo é uma ameaça real, não um fantasma alimentado por Bolsonaro.

O desastre do governo já fez com que, segundo recente pesquisa do Ipec, mais de 50% dos seus eleitores tenham desistido de mantê-lo no poder, muitos dispostos a votar no PT desta vez. Sabemos que a China hoje é mais capitalista do que comunista, por isso é um erro estratégico fatal tratarmos a segunda maior economia do mundo como uma inimiga, deixando de lado a oportunidade de compartilhar os avanços tecnológicos e de nos beneficiarmos dos avanços da economia do nosso maior parceiro comercial.

Mas apostar que a China quer se integrar efetivamente ao sistema econômico ocidental, aceitando as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou submetendo-se, embora relutantemente, às normas da Organização Mundial da Saúde (OMS) durante esta pandemia da Covid-19, não significa esquecer que a China é uma ditadura que precisa ser pressionada para que os princípios da democracia avancem, impedindo, ou tornando mais constrangedor, o cerceamento da liberdade de expressão, como fizeram agora com o Apple Daily em Hong Kong.

Ou levando-a a participar dos esforços internacionais de preservação do meio ambiente, como vem fazendo, com projetos de redução da emissão de carbono na atmosfera. Contrapondo-se à posição esdrúxula do governo brasileiro em relação à China, o ex-presidente Lula deu uma entrevista ao jornal chinês Guancha, em que afirma que aquele país “estabeleceu um modelo de desenvolvimento para o mundo inteiro” e disse esperar que os países aprendam com o exemplo chinês.

Carlos Andreazza - Mutualismo

O Globo

Tape o nariz e atenção ao que importa no Covaxingate. A fedentina emana do privilégio a empresas atravessadoras e extrapola os limites da acusação feita pelos irmãos Miranda, restrita a um só contrato. Não foi ocorrência única. Porque não foi só um o atravessador a pactuar com o governo. Este advento — o sorriso do intermediário — é o que distingue o olhar simpático e expedito do governo Bolsonaro para algumas vacinas em detrimento de outras, como as de Pfizer e Janssen, desde há muito presentes no Brasil com representação direta, e como a CoronaVac, mediada pelo Butantan.

Este advento — o sorriso do intermediário —é o que distingue o olhar apaixonado do governo para algumas vacinas; para alguns contratos. Mire-se no rastro dos atravessadores — e se chegará aos que lhes terão cantado as bolas. Não será somente um o padrinho; e não haverá padrinhos (ou anjos) capazes de entregar sem um exército de operadores com os pés no chão e as mãos na máquina.

Fato: o Ministério da Saúde foi célere em contratar imunizantes de laboratórios que tivessem intermediários no Brasil. Para ser exato: foi empenhado em contratar imunizantes de laboratórios sem representação tradicional no país, mas de súbito procurados por intermediários dispostos a representá-los. Intermediários com ótimo trânsito em Brasília, especialmente — pode ser coincidência — com o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros. Especialmente; mas não somente com ele.

Temos um padrão. Padrão bem brasileiro, e de que parece não escapar o governo do presidente que acabaria com a mamata, mas que agora já opera na frequência “não tenho como saber o que acontece nos ministérios”. O padrão: a presença do atravessador influente — não raro com desfalques, ainda frescos, aplicados no lombo do Estado — como agente acelerador de processos. Presença que explica por que o Ministério da Saúde se conveniou tão expressamente para obter os duvidosos imunizantes Covaxin e Sputnik V e por que assinou carta de intenções pela compra da vacina Convidecia. (Registre-se que, informado sobre as irregularidades de seu intermediário no Brasil, a farmacêutica chinesa CanSino, produtora da Convidecia, revogou a representação.)

Oswaldo E. do Amaral* - Quem mudou de ideia sobre o presidente

O Globo

Católicos, menos escolarizados, mulheres e mais pobres tiveram as maiores variações de opinião sobre Bolsonaro

Na última semana, as notícias foram ruins para o presidente Jair Bolsonaro. Pesquisa nacional do Ipec mostrou que, se a eleição fosse hoje, Lula teria 49% das intenções de voto e o atual presidente, 23%. Além disso, 62% dos entrevistados afirmaram que não votariam de jeito nenhum em Bolsonaro, enquanto 36% disseram o mesmo sobre Lula.

A pesquisa perguntou o voto dos entrevistados no segundo turno de 2018. Quando observamos dados relativos a Bolsonaro, vemos que 34% dos seus eleitores afirmaram que não votariam nele de novo de jeito nenhum.

Quem seriam esses eleitores arrependidos? É possível identificar grupos que se arrependeram em maior proporção? A junção das perguntas sobre o voto em 2018 e sobre a possibilidade de votar em Bolsonaro ajuda a responder.

Míriam Leitão - Bolsonaro tem explicação a dar

O Globo

O jogo mudou. Com a notícia-crime protocolada por três senadores, o presidente terá que dar as respostas que tem se negado a apresentar desde que o assunto veio à tona. A resposta “eu não tenho como saber o que acontece nos ministérios” não melhora a vida de Bolsonaro. Ele foi informado por um deputado da base sobre o que estava acontecendo. O presidente já começou a ser abandonado e é assim que acontece nesses casos. Ele vai usar toda a sua agressividade e capacidade de gerar crises, mas não será suficiente se ele não tiver boas respostas para as questões levantadas na CPI da Covid.

Tudo isso acontece num momento ruim na economia. O aumento da bandeira vermelha 2 pode superar 70%, o que vai impactar novamente a conta de luz e a inflação. Os preços já estão altos e isso piora a qualidade da vida. O fanatismo alimentado com as exibições de motos pelas cidades do Brasil não é o suficiente. O país tem quase 15 milhões de desempregados, a inflação está alta, a energia sobe e há risco de racionamento. E a resposta do governo é baixar uma MP dando mais poderes ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.

Todas as linhas de investigação da CPI vão direto ao presidente. A estratégia da imunidade de rebanho que elevou o número de mortes, os atrasos e descasos na compra de vacinas, a disseminação dos remédios ineficazes. E agora, a corrupção. Esta também vai direto para o colo do presidente, porque ele soube pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) e pelo servidor Luis Ricardo Miranda de cada uma das suspeitas, e nada fez.

Eliane Cantanhêde - Bolsonaro, o distraído

O Estado de S. Paulo

Ou os irmãos Miranda gravaram o presidente ou estão blefando. Bolsonaro paga para ver?

Quanto mais abre a boca, mais o presidente Jair Bolsonaro se enrola e mais vai aplainando o caminho para a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto. Já não há mais dúvida: Bolsonaro é o maior adversário dele mesmo e o principal cabo eleitoral de Lula em 2022. Quanto mais um cai, mais o outro se consolida.

A campanha de Bolsonaro foi a que captou antes e usou melhor o grande catalisador da eleição de 2018: qualquer coisa, menos o PT. Nada como um dia atrás do outro, ou de uma eleição atrás da outra, e agora foi a campanha de Lula que captou antes e pretende usar melhor o catalisador de 2022: qualquer coisa, menos Bolsonaro.

Ao abrir a boca ontem, o presidente produziu mais uma pérola: “Não tenho como saber o que acontece nos ministérios”. Em meio à pandemia, aos ataques e ao desprezo às vacinas, também admitiu, como quem não quer nada: “Eu nem sabia como é que estava a tratativa...” Ou seja, como estava a pressa e a pressão para comprar a preço de ouro a Covaxin, vacina indiana que não tinha autorização nem na Índia, quanto mais da Anvisa.

Luiz Carlos Azedo - O impeachment à espreita

Correio Braziliense

O depoimento dos Miranda atiçou os articuladores do impeachment de Bolsonaro, que sonham com a adesão do Centrão e dos militares ligados ao vice Mourão

O caso da vacina indiana Covaxin, na CPI do Senado que investiga a atuação no Ministério da Saúde contra a pandemia de covid-19, ameaça romper a blindagem constitucional de Jair Bolsonaro, que só pode ser investigado por crime cometido durante o exercício do mandato, desde que a Câmara dos Deputados autorize. Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Jorge Kajuru (Podemos-GO) e Fabiano Contarato (Rede- ES), ontem, apresentaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia-crime na qual pediram a investigação do presidente da República por suposto crime de prevaricação. A relatora do caso será a ministra Rosa Weber.

Bolsonaro alega que não tem como saber o que passa nos ministérios, mas foi acusado de ter tomado conhecimento do superfaturamento da Covaxin pelos irmãos Luis Miranda (DEM-DF), deputado federal, e Luis Ricardo Miranda, técnico do Ministério da Saúde que se recusou a comprar a vacina, durante depoimento de ambos na CPI da Covid, na sexta-feira passada. Agora, caberá ao Supremo decidir se pede à Procuradoria-Geral da República (PGR) para abrir uma investigação formal sobre o caso. No Código Penal, prevaricar é “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

Andrea Jubé – Darandina

Valor Econômico

Estratégia é concentrar esforços nas mobilizações

Parafraseando Guimarães Rosa (1908-1967), que teria completado 113 anos no domingo, podemos afirmar que os portentosos fatos explodiram a semana passada na política nacional de “chinfrim, afã e lufa-lufa”. Ou em português claro, foi uma semana de muita confusão, corre-corre e aflição no governo e na base governista.

Na quinta-feira, em cena de filme de ação, ou de comédia, o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) tentou pular o muro de sua casa para escapar da Polícia Federal, mas recuou ao se deparar com um agente que estava à espreita.

Também na quinta-feira, em uma imagem dantesca, o presidente Jair Bolsonaro arrancou a máscara de uma criança que levou ao colo, em mais um dos diversos atos com aglomeração que vem promovendo.

O gesto causou indignação, com o agravante de que o Brasil aparece em segundo lugar no ranking de crianças vítimas da covid-19, atrás apenas do Peru, segundo um levantamento divulgado pelo jornal “O Estado de S. Paulo” no começo do mês. Até meados de maio, 948 crianças de zero a nove anos morreram de covid-19 no país, segundo dados do Sistema de Informação de Vigilância da Gripe (Sivep-Gripe).

Hélio Schwartsman - Bolsonaro nas cordas

Folha de S. Paulo

Abrir um processo de impeachment contra o atual presidente é um imperativo moral

O escândalo da Covaxin é a peça que faltava para deflagrar o impeachment de Bolsonaro? É cedo para dizer, mas acho seguro afirmar que a situação do presidente é hoje muito mais precária do que era duas semanas atrás, e o risco de destituição tornou-se palpável.

Como venho dizendo aqui com certa insistência desde maio do ano passado, abrir um processo de impeachment contra Bolsonaro é um imperativo moral. Mesmo que a deposição não se concretize, é uma satisfação devida aos pósteros, a sinalização de que ao menos parte da sociedade tentou dar uma resposta institucional ao festival de horrores que é o atual governo.

Cristina Serra - Barros e a morte como negócio

Folha de S. Paulo

Em 2017, o líder do governo Bolsonaro defendeu a compra de remédio, sem eficácia, para tratar tipo de câncer muito agressivo que ataca crianças

Era um segredo de Polichinelo a identidade do parlamentar mencionado na conversa entre Bolsonaro e o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) sobre “rolos” na compra da vacina Covaxin. O anonimato se mantinha havia horas na CPI quando o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) furou o tumor: “Está lhe faltando coragem para falar o nome do deputado federal Ricardo Barros”.

A pressão, com técnica de interrogatório, funcionou. Na inquirição seguinte, Miranda, já desestabilizado emocionalmente, capitulou diante da senadora Simone Tebet (MDB-MS). Esta é a revelação mais explosiva obtida pela CPI até agora. Indica uma quadrilha incrustada no Ministério da Saúde e aponta indícios de crimes cometidos por Bolsonaro e Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara e expoente do centrão.

Alvaro Costa e Silva - Todos os homens de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

As pegadas da grana até os porões do 'vacinagate'

Uma expressão em inglês, significando o melhor caminho que se deve tomar para chegar à verdade, passou a ser citada em 11 entre 10 comentários políticos. “Follow the money” (siga o dinheiro) ganhou popularidade no filme “Todos os Homens do Presidente”, que reconstitui a investigação jornalística do caso Watergate até a renúncia de Richard Nixon. O conselho sugere que, num esquema de corrupção, a grana deixa pegadas que conduzem aos porões do poder, seja em Washington ou em Brasília.

A frase está na ordem do dia da CPI da Covid —que encontrou um trilho de sujeira levando à compra da Covaxin— e pode explicar as ações do governo e de quem gravita em torno dele só para se dar bem. Quem são os homens de Bolsonaro?

Siga o cascalho e você encontrará um empresário vestido de verde e amarelo cujas lojas têm o custo maior que o faturamento. Um milagre econômico que dispensa sócios e investidores e, segundo a Abin, possui uma “fonte oculta de recursos”. Siga a gaita e você baterá na porta da Precisa, que fez um acordo para faturar R$ 1,6 bilhão com o rolo da vacina.

Antonio Claudio Mariz de Oliveira* - Desordem social e institucional

Folha de S. Paulo

Todos estamos estupefatos, desejando agir, mas sem saber bem o que fazer

Anomia e distopia são dois fenômenos que nos assombram atualmente. Ambos conduzem à desordem social e à desordem institucional.

Elas são os reflexos de uma pauta negativista e predatória, imposta pelo governo e lastreada pela intolerância raivosa; pela apologia do uso de armas; pela insensibilidade em relação ao meio ambiente e à própria vida humana; pelo estímulo às aglomerações, dentre outros fatores.

A agenda e o discurso oficiais não apresentam nenhum viés construtivo. Representam a antítese da utopia e da organização social; portanto, mostram um risco real de distopia e anomia.

A distopia como sinônimo de um mau lugar para se viver. Em nosso país, ela tem como origem o autoritarismo de um governo despótico que tenta impor um modelo de comportamento carente de liberdade de pensar e de agir e de um padrão moral retrógrado e estático.

Já a anomia se caracteriza pela ausência ou pelo descumprimento das normas. Assiste-se hoje a uma rebeldia institucional, com o Executivo em permanente confronto com os outros Poderes, com a legislação ordinária e com a própria Constituição Federal. Tivemos, recentemente, uma violação até então inconcebível do rígido ordenamento militar. Não se puniu quem deveria tê-lo sido. Dupla desobediência. A individual, de um general que participou de ato político, e a da instituição, que não o puniu.

Joel Pinheiro da Fonseca - A ditadura dos outros

Folha de S. Paulo

Não há nada na direita que a esquerda não seja capaz de superar, e vice-versa

A acusação indignada de que um presidente é genocida perde muita força se você, ao mesmo tempo, celebra genocidas notórios. É o que fez a deputada Jandira Feghali, celebrando uma possível (e incerta) queda de Bolsonaro com uma menção laudatória e espirituosa a Stálin. De quem, bem sabemos, o PC do B nunca se libertou.

O stalinismo não é um risco muito presente no Brasil. Sobrevive, é verdade, na forma de fósseis partidários e, surpreendentemente, é um nicho crescente dos influenciadores políticos nas redes; mais um sintoma da polarização e radicalismo bizarros a que estamos sujeitos. Ainda assim, esses delírios comunistas não estão próximos de ditar os rumos do país.

O risco não é que se ressuscite Stálin e o sonho de uma República Soviética Brasileira. E sim que velhas roupagens indiquem ímpetos autoritários renovados. A ruptura democrática, o autoritarismo com desígnios de poder total, se voltar, não será com as mesmas cores e bandeiras do passado. Será com métodos e bandeiras adequados ao nosso tempo, como ocorre em toda tirania.

Bela Megale - Arthur Lira tem compromisso de pautar PEC do voto impresso, mas resiste em angariar votos

O Globo

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), garantiu ao presidente Jair Bolsonaro que colocará em votação a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do voto impresso. A colaboração de Lira com o projeto, porém, não irá muito além disso. Interlocutores do deputado federal afirmam que o compromisso assumiu com Bolsonaro se limita a pautar o tema e que Lira não vai trabalhar para trazer votos que ajudem na aprovação da proposta. Essa parte caberá ao Palácio do Planalto.

O partido de Lira faz parte do grupo de 11 legendas que se posicionou contra o voto impresso. O presidente do PP, o senador Ciro Nogueira, com quem Lira está totalmente alinhado, participou da reunião entre representantes dessas siglas no sábado passado. Nos bastidores, o senador, que é próximo de Bolsonaro, também vem se posicionando pela manutenção do sistema atual.

Segundo aliados de Ciro Nogueira, ele repete que não vê necessidade de implantar o voto impresso e diz que não acredita que haja tempo hábil para aprovar a PEC para 2022. Os 11 partidos que se reuniram sábado somam juntos mais de dois terços dos deputados da Câmara e prometem atuar para que a medida não seja aprovada. Os bolsonaristas, no entanto, vão insistir na medida.