domingo, 16 de outubro de 2022

Bernardo Mello Franco - A tática da guerra santa

O Globo

Sem argumentos para defender seu governo, presidente recorre a terrorismo religioso

O relato foi feito num templo da Assembleia de Deus em Goiânia. “Vou contar uma coisa para vocês que agora eu posso falar”, disse a pastora, com ar compungido. “Temos imagens de crianças nossas, brasileiras, com 4 e 3 anos”, prosseguiu. “Quando cruzam as fronteiras, sequestradas, os seus dentinhos são arrancados para elas não morderem na hora do sexo oral”.

Damares Alves acrescentou outros detalhes cruéis ao testemunho, que envolveria menores da Ilha de Marajó. Em poucos dias, soube-se que a história não parava em pé. O Ministério Público, que combate a exploração de menores na região, informou que nunca soube de práticas parecidas. A polícia do Pará também disse ignorar as denúncias da senadora eleita.

Questionada sobre a existência de provas, a ex-ministra de Jair Bolsonaro desconversou. Não mostrou imagens, não apresentou documentos, disse ter repetido o que ouviu “do povo na rua”. Quando a lorota ficou evidente, as imagens da pregação já haviam atingido milhões de fiéis. Viraram mais uma peça na engrenagem da baixaria eleitoral.

A sequência do vídeo não deixa dúvidas. Damares mentiu para engambelar evangélicos que ainda resistem à pressão para votar no presidente. “Bolsonaro se levantou contra todas essas potestades”, discursou, unindo no mesmo balaio o crime organizado, a imprensa, o Congresso e o Supremo. “Não é uma guerra política. É uma guerra espiritual”, finalizou.

É difícil defender um governo que desmontou políticas públicas, aviltou a democracia, devastou a Amazônia e empobreceu a população. Na ausência de argumentos objetivos, o bolsonarismo investe na tática da guerra santa. Demoniza o adversário, tenta gerar um clima de pânico, vende a ideia de que a família e as crianças estão sob ataque.

O sensacionalismo de Damares faz par com o fundamentalismo de Michelle Bolsonaro. Na sexta-feira, em outro ato que misturou culto e comício, a primeira-dama chamou o PT de “partido das trevas”. “Não é por um candidato, é por uma ideologia do bem contra o mal”, discursou.

Michelle foi ao Piauí atrás de um público bem definido: mulheres nordestinas, de baixa renda, que rejeitam o governo do marido. Essas eleitoras sofrem com a carestia, a violência urbana e a falta de investimento em creches e escolas. A extrema direita quer atraí-las com mentiras e terrorismo religioso.

Sem sair do lugar nas pesquisas, Bolsonaro levou a baixaria dos cultos para o horário eleitoral. Seu último programa resgatou o espantalho da descriminalização do aborto. “Lula quer mudar a lei e incentivar a mãe a matar o próprio filho”, apelou a apresentadora, que se licenciou da Jovem Pan para atuar na campanha oficial. No submundo das redes, o ex-presidente ainda é acusado de tramar o fechamento de igrejas e a instalação de banheiros unissex.

A máquina que sataniza Lula também tenta humanizar Bolsonaro. Na TV, o presidente que debochou dos mortos na pandemia deu lugar a um pai sensível, que se emociona e chora ao falar da filha caçula. Nem isso é original na propaganda do capitão. Ele encenou o mesmo número nas eleições de 2018.

2 comentários:

Anônimo disse...

"Sem argumentos para defender seu governo, presidente recorre a terrorismo religioso"

Nada tem, o genocida, pra apresentar de bom no seu desgoverno. Verdade.

Chamo "terrorismo religioso" por outro nome: MENTIRA.

É o q o palerma da República faz: MENTIR.

ADEMAR AMANCIO disse...

Bolsonaro precisa de oração e não de votos.