quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Maria Cristina Fernandes - O boi de piranha

Valor Econômico

Mercadante foi usado pelo Centrão e pela coalizão lulista

No evento com o qual o governo eleito encerrou os trabalhos da transição, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse que o conselho político de 16 partidos reunidos durante este período havia sido tão exitoso que avaliava mantê-lo em reuniões mensais. Neste momento o presidente eleito, fora do microfone, interveio, em tom de blague. “Desde que não seja para falar mal do governo, podem continuar a se reunir”. Eles não apenas falaram como agiram. Quatro horas depois, parlamentares desses 16 partidos votaram em favor de uma emenda-jabuti que ameaça a Lei das Estatais.

Na véspera, dia da diplomação do presidente eleito, a capital federal havia anoitecido sob o vandalismo bolsonarista. Nas 24 horas que se passaram entre as labaredas do extremismo e a votação da emenda, os parlamentares da futura coalizão governista foram acometidos de uma amnésia sobre o significado do segundo turno.

Foram os gols contra do extremismo bolsonarista que garantiram a vitória apertada da chapa Lula-Alckmin. Não resultou daí uma licença para desbaratar a governança resultante do esforço institucional de dar resposta à pirataria contra a Petrobras. O reconhecimento de que Lula foi preso injustamente não passou uma borracha sobre a gestão fraudulenta da empresa. No dia seguinte, as ações da Petrobras já derretiam.

A emenda reduziu de 36 meses para 30 dias a quarentena para que participantes de estruturas decisórias de partidos ou de campanhas eleitorais pudessem participar do conselho ou da gestão de empresas públicas. Logo trataram de nominá-la de “emenda Mercadante”. O presidente da Fundação Perseu Abramo havia sido feito de boi de piranha.

Naquela tarde, o presidente eleito, ao final de seu balanço sobre a transição, havia surpreendido a todos com o anúncio de Aloizio Mercadante, como presidente do BNDES. Mercadante vinha sustentando que a nomeação não precisava de mudança na Lei das Estatais. Valia-se de uma ata do BNDES acolhendo a indicação, em 2019, de um diretor que havia feito uma colaboração “intelectual” no PSL para a campanha do presidente Jair Bolsonaro.

O presidente da Fundação Perseu Abramo argumentava que fazia 12 anos que não disputava eleições e que sua atuação havia sido restrita à formulação do programa de governo, sem função executiva na campanha. Mercadante é um quadro político movido por muitas certezas, o que o indispõe até com seus correligionários, mas não pode ser acusado de ter enriquecido na política.

Acabou por ganhar a defesa insuspeita do autor da Lei das Estatais, o senador Tasso Jereissati: “Aloizio Mercadante não precisava disso. Como doutor em economia, sem mandato parlamentar há muitos anos, sendo apenas presidente da Fundação do PT, e não do diretório, sua indicação tem margem para uma apreciação positiva do Conselho do BNDES”.

A celeuma em torno de sua indicação, porém, já havia contaminado a transição. Haddad já havia se encontrado com o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, e com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e daria, naquela tarde, a primeira entrevista com a qual buscaria desfazer apreensões.

Os esforços de apaziguamento pareciam bem-sucedidos quando chegou à praça o nome de Mercadante embalado pela provocação de Lula sobre a resistência do "glorioso mercado". Se Haddad marcou sua passagem pelo governo pela Pasta da Educação, Mercadante foi do “núcleo duro” da gestão Dilma Rousseff, cuja política industrial é, em grande parte, responsável pelo azedume do mercado com o PT.

Ao longo dos dias que precederam sua indicação, Mercadante tratara de estreitar sua interlocução com os setores que resistiam a seu nome. À Febraban, deu sinais de comprometimento com os constrangimentos fiscais e levantou a bandeira branca contra as expectativas de uma gestão perdulária. Tudo isso ficou comprometido quando a futura coalizão governista o empurrou rio adentro.

Tanto o presidente eleito quanto os partidos que o elegeram têm legitimidade para propor uma mudança na Lei das Estatais se avaliam que o texto criminaliza a política. Nestor Cerveró, Paulo Roberto Costa, Jorge Zelada e Renato Duque ex-diretores que lesaram a Petrobras, não eram políticos. Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, ainda hoje lembrado com saudosismo por investidores, era deputado federal eleito quando assumiu.

Ainda há quem diferencie a ocupação de um banco público de desenvolvimento de uma empresa de capital aberto como a Petrobras. O conflito de interesses não é monopólio da política e o zelo pela governança não está reservado ao mercado. Tudo isso, porém, pressupõe uma discussão aberta e democrática e não um contrabando votado na calada da noite.

O que restou evidente desta celeuma é que ao longo dos seis anos desde a aprovação da Lei das Estatais, buscava-se uma oportunidade para desidratá-la. E o momento chegou. Por várias razões. A primeira delas, sem dúvida, é a destreza do dono do tabuleiro, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que arrancou o apoio do presidente eleito à sua reeleição sem entregar a PEC da Transição e passou a pedir mais - a manutenção do orçamento secreto e a ocupação de cargos na administração direta e indireta.

A segunda é a conjunção das necessidades da transição com o rearranjo parlamentar da nova legislatura. Como a transição acontece num momento em que o Congresso está em plena campanha, é natural que os partidos negociem cargos na mesa e nas comissões, sem os quais seu peso na agenda legislativa pode se tornar irrelevante. O problema é que os partidos do conselho político do governo eleito se deixaram arrastar. E não apenas pela força gravitacional do Lirismo.

Foi a liderança política de Lula que salvou o país do extremismo de direita. Este feito, somado aos 77 anos e aos 580 dias de prisão indevida (ainda) lhe conferem uma “licença poética”. O presidente eleito, porém, é mais inspirador quando emociona, como o fez na diplomação.

Nos momentos em que perde as estribeiras, ainda que dentro de quatro paredes, como o fez quando lhe foram apresentados os constrangimentos da Lei das Estatais, Lula libera aliados - e agourentos - a acreditar que têm licença para fazer o mesmo e pendurar na sua fatura o nervosismo do “glorioso mercado”.

 

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

É tanta celeuma,parece que quem governa o Brasil já é o Lula e seus ministros.

Anônimo disse...

REPETINDO: "O reconhecimento de que Lula foi preso injustamente não passou uma borracha sobre a gestão fraudulenta da empresa."
GESTÃO FRAUDULENTA DA PETROBRAS... Será possível que Lula e o PT vão querer REPETIR os crimes à frente da Petrobras? É bem verdade que o PT não agiu sozinho, tinha o MDB e outros partidos do Centrão metidos nos cambalachos!