Folha de S. Paulo
Lula 3 desperdiça otimismo que vinha desde
julho, perde dois meses e começa 23 no prejuízo
O trabalho de reconstrução de governo e de
recuperação da decência humana básica vai ser demorado, dados desastres dos
anos de trevas, 2019-2022. Na administração pública, os relatos de pessoas
razoáveis que trabalham na transição dizem que o estrago é maior do que o já
sabido em áreas como ambiente, educação, saúde, ciência e tecnologia,
assistência social (Bolsa Família etc.)
ou polícia.
Claro, na economia os problemas também são
ruins, alguns grotescos, como
não haver dinheiro para pagar contas obrigatórias básicas. Não há tempo a
perder em área alguma, mas, na economia, o governo de transição voltou para
trás.
O estrago recente não é, de modo algum, irreversível. No entanto, o clima de otimismo que se via até o segundo turno começou a se desfazer nos primeiros dez dias de novembro. Na economia, é possível fazer estrago mesmo antes do começo de um governo.
O otimismo mensurável era o das condições
financeiras: taxas de juros em tendência de queda desde julho, discussões sobre
a possibilidade de o Banco Central até
antecipar o início do corte da Selic para antes da metade de 2023, embora a
direção do BC não chancelasse essa animação de povos dos mercados. Agora, entre
outros problemas, o debate é sobre o adiamento do primeiro corte da Selic para
o último trimestre de 2023.
Não é o único aspecto a se levar em conta,
embora taxas de juros altas deprimam ânimos de expandir negócios e contratar
mais trabalho. Além dos indicadores de confiança, em baixa, não há medida do
que vai ser a atitude empresarial, porém.
Mas já é possível ouvir conversa de
"vamos segurar um pouco mais". Executivos de empresas graúdas dizem
que o primeiro trimestre vai ser de "observação". Outros, mais
numerosos, dizem que o "orçamento" (das empresas) para o ano que vem
já estava dado faz mais tempo, antes da eleição, em retranca leve, pois a
economia iria perder ritmo, de qualquer modo. O saldo dessa dúzia de conversas,
como se vê, não é bom.
Relatórios de bancões estrangeiros em geral
continuam animados com o Brasil. Não é incomum ler por aí ainda a tese de que o
país fez começou seu ajuste monetário mais cedo; que a dívida pública não
explodiu; que, por comparação com outros "emergentes", o país até se
destaca.
Alguns já notam que o "desempenho dos
ativos" brasileiros destoa negativamente, no último mês (o real não se
valorizou, títulos de dívida perderam valor, Bolsa ainda mais). Parecem
surpresos com alguma coisa, embora não devam ser ingênuos a respeito das
pendengas políticas brasileiras.
No que é possível medir, repita-se, se
andou para trás. O final do ano está aí. Alguma clareza, só em 2023. Dois meses
perdidos, fora a regressão.
Não houve indicação mais decisiva do que
pode ser a política econômica. Os primeiros
discursos de Fernando Haddad ainda são vagos. Foi péssimo nomear
Aloizio Mercadante para o BNDES com o tempero de um casuísmo
vexaminoso, mudar
a lei para evitar que sua indicação fosse contestada na Justiça. Passa a
impressão de que a Lei das Estatais pode virar trapo a qualquer momento.
Nada disso é prognóstico, mas é expectativa
ruim. Exigiria muita estupidez e esforço reviver o estrago feito pelas
políticas de crédito subsidiado por imenso endividamento público, via BNDES, e
a malversação
geral da Petrobras. Mas o eterno retorno da burrice é um motivo condutor da
história brasileira.
Para não ser assim dramático, voltando às miudezas, se pode dizer que, para compensar o climão, não houve nem ao menos um anúncio, uma ideia, um discurso ou outra cenoura que pudesse servir de distração, um motivo para sustentar otimismos.
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