O Globo
Mudança na Lei das Estatais é retrocesso,
já os temores sobre Mercadante e Haddad podem ser fantasmas. É preciso esperar
o início do próximo governo
É preciso separar os retrocessos dos
fantasmas que são levantados em torno de pessoas que ainda nem tiveram tempo de
explicar suas políticas. Retrocesso é a aprovação do
projeto do centrão de mudar a Lei das Estatais, de afogadilho. Isso
é risco real, imediato, e não apenas no governo federal. Quase 200
parlamentares não se reelegeram e estão atrás de cargos em Brasília e nas
empresas estaduais. Os temores em relação ao ministro Fernando Haddad ou ao
economista Aloizio Mercadante têm justificativas difusas e em alguns casos se
baseiam na suposição de que repetirão erros velhos.
Na equipe de transição, a análise que ouvi de fontes diversas é que Aloizio Mercadante não se enquadra na vedação da Lei das Estatais. Ele não faz parte da estrutura partidária, por ser da Fundação Perseu Abramo, e sua contribuição à campanha pode ser vista como “intelectual”. O nome dele foi usado como pretexto, para fazer andar o projeto da deputada Margarete Coelho (PP-PI), uma aliada de Arthur Lira. O mesmo projeto que Lira já tentara aprovar. Teve votos de bolsonaristas, de todo o centrão, e também do PT.
No PT, há críticas à Lei das Estatais com a
ideia de que em alguns pontos ela exagera. Mas o que ouvi tanto na área
econômica quanto na área política era de que eles estudariam com calma. Mas
dado que o assunto começou a ser ventilado, Lira colocou em votação e teve
aprovação ampla.
Isso é retrocesso e dos grandes. A Lei das
Estatais veio como uma legislação para a proteção dos interesses dos
contribuintes e dos acionistas. Nas empresas de capital fechado, somos todos
acionistas, nós que enviamos recursos ao Estado. Nas empresas de capital
aberto, existem os acionistas minoritários, e todos nós somos representados
pelo Tesouro, acionista controlador.
A lei veio após os excessos e os escândalos
da Lava-Jato, que de fato ocorreram, independentemente do que tenha havido de
distorção durante o julgamento. Tanto houve desvios que o dinheiro voltou para
a Petrobras. Eles ocorreram principalmente por causa dos indicados pelos
partidos, mesmo quando eram funcionários das estatais. A lei cria barreiras
para o conflito de interesses e para a indicação de despreparados, mas
funcionou mesmo apenas no mandato de Michel Temer, porque o governo Bolsonaro a
desmoralizou. A sanha intervencionista na Petrobras fez o governo passar por
cima da Lei das Estatais e da governança da empresa. O atual presidente da
Petrobras, mesmo sem qualquer experiência na área, foi aprovado pelo comitê de
elegibilidade. Isso não justifica derrubá-la agora. Pelo contrário, era hora de
restabelecer sua vigência.
No caso de Aloizio Mercadante, o presidente
Lula se precipitou porque o correto era esperar o anúncio do ministro do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Deve ser o
presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva. O empresário está
enfrentando uma rebelião na entidade, mas pelos seus méritos. Sindicatos sem representatividade
estão na base desse movimento liderado por Paulo Skaf. Lula, por sua vez,
confirmou o presidente do BNDES antes de anunciar o ministro.
A primeira vez que o nome de Fernando
Haddad surgiu, o mercado despencou no pressuposto de que ele faria uma política
expansionista, antes mesmo de ele montar a equipe ou dizer com que propósitos
assumirá. No almoço da Febraban, ele foi acusado de não ter falado do arcabouço
fiscal e nem era ministro ainda. As poucas nomeações que fez são boas, das
ideias que defendeu, algumas estão certas, outras são vagas demais para se
julgar.
O BNDES deve ficar dentro de um ministério
que no passado foi centro de lobby da indústria e de pressão protecionista? É
uma dúvida razoável. Mas e se o BNDES assumir mais seu papel de inovação, tirar
do congelamento o Fundo Amazônia, focar no financiamento da transição
energética? Temem-se os fantasmas dos financiamentos a projetos externos com
riscos ou a volta da política dos campeões nacionais. O próprio Mercadante
disse ao presidente da Febraban, Isaac Sidney, que não há espaço fiscal para
subsídios do BNDES. Ótimo, mas se a TLP for alterada pode acabar se recriando o
subsídio.
É preciso separar com atenção os fatos
concretos dos temores. “Vamos desmontar os fantasmas”, me disse uma fonte do
governo eleito. Tomara. E que os retrocessos não se confirmem. Ainda há a
votação no Senado que pode barrar a mudança na Lei das Estatais.
Um comentário:
Míriam Leitão sabe das coisas,quer dizer,parece que sabe,rs.
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