quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Ataque a Lei das Estatais revela desdém por regras

O Globo

Antes mesmo da posse, novo governo demonstra estar disposto a tudo para satisfazer à vontade de Lula

Luiz Inácio Lula da Silva nem tomou posse, mas já dá sinais de que exigirá vigilância constante. A aprovação de mudanças na Lei das Estatais pela Câmara na terça-feira vai além do casuísmo. Revela o desprezo do novo governo por regras institucionais que contradigam a vontade de Lula. Nada muito diferente de Jair Bolsonaro.

O presidente eleito quer indicar Aloizio Mercadante à presidência do BNDES e o senador Jean Paul Prates (PT-RN) ao comando da Petrobras, mas tem pela frente uma barreira difícil de transpor. A Lei das Estatais prevê uma quarentena para quem tenha participado de “estruturação e realização de campanha eleitoral” nos 36 meses anteriores e veda titulares de mandato no Poder Legislativo. Mercadante não foi mero figurante ao lado de Lula. Trabalhou como coordenador do plano de governo. Prates bate ponto no Senado.

Diante da impossibilidade de fazer indicações sem ferir a lei, decidiu-se então mandar a lei às favas. A pauta agrada a parlamentares ávidos por ocupar espaços nas estatais. Já tinha havido pressão por mudanças. A medida agora segue para avaliação dos senadores, de quem se espera juízo para derrubá-la.

A Lei de Responsabilidade das Estatais, sancionada no governo Temer, surgiu com um olho no passado e outro no futuro. Era uma resposta aos escândalos de corrupção do PT e uma tentativa de impor regras mais republicanas. Se o Senado não derrubar a mudança, estará de novo aberta a porteira para indicações políticas, além de um precedente para o uso do patrimônio público em benefício de aliados.

Não bastasse o impedimento legal, Mercadante é péssima escolha para presidir o BNDES. Isso ficou evidente no discurso em que Lula anunciou seu nome. Ele disse que, sob Mercadante, economista de ideias desenvolvimentistas, o Brasil voltará a se industrializar. Também afirmou que acabaria com as privatizações. A primeira afirmação é uma quimera, a segunda um retrocesso absurdo.

A desindustrialização é uma tendência global. Mesmo nos poucos países que têm mantido constante a participação da indústria no PIB, o emprego no setor cai, em razão do avanço tecnológico. Sonhar com a recuperação da indústria brasileira com a ajuda do BNDES é certeza de jogar dinheiro fora, como tantas vezes já se fez. Melhor seria preparar o país para aproveitar as oportunidades criadas pela disputa comercial entre China e Estados Unidos, com maior abertura do mercado e fechamento de indústrias zumbis mantidas graças a proteções e incentivos.

O fim das privatizações é outro delírio frequente entre petistas. Não há como um país carente de capital alavancar investimentos em infraestrutura sem o setor privado. Privatizações — de portos, aeroportos, estatais, telefônicas, correios, bancos etc. — são uma solução, não um problema. É preciso acelerá-las, já que os investimentos públicos, com toda a ajuda do BNDES que se possa imaginar, jamais terão a pujança do setor privado.

Todos esses equívocos espalhados pelo governo só aumentarão o trabalho do futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Em seus primeiros pronunciamentos, ele acertou ao fazer defesa enfática do controle das contas públicas e ao indicar para seu secretariado nomes com competência técnica. Mas, para recolocar a economia brasileira no trilho, Haddad já começará tendo de enfrentar fogo amigo dentro do governo — até do próprio Lula.

Alta de impostos estaduais evidencia necessidade de reforma tributária

O Globo

Governos elevam tributos para compensar perdas da demagogia eleitoreira de Bolsonaro com ICMS

Quando a política econômica passa a estar a serviço de objetivos político-eleitoreiros, o resultado é sempre desastroso. Ao cortar em junho o ICMS sobre combustíveis, comunicações e energia elétrica, o presidente Jair Bolsonaro fazia um gesto aos eleitores, na tentativa de se reeleger em outubro. Não deu certo. Se tivesse dado, estaria agora diante da corrida de estados para aumentar impostos com o intuito de compensar as perdas sofridas com a redução de sua principal fonte de receita. Sobrou para o novo governo.

A desordem tributária logo no início do novo mandato do presidente e dos governadores desmente a exposição de motivos do projeto que o governo encaminhou ao Congresso, alegando que a situação fiscal dos estados e municípios tinha passado por “melhoria significativa”, com “acúmulo de ativos financeiros” de R$ 226 bilhões até abril.

Era ilusão. Em 2020 e 2021, os estados haviam sido beneficiados por transferências da União para arcar com os custos de enfrentar o coronavírus. Neste ano eleitoral, os governadores reajustaram salários dos servidores, congelados durante a pandemia, e abriram a torneira dos investimentos, para ter o que mostrar aos eleitores. Os bilhões citados para justificar a demagogia com o preço dos combustíveis, a conta de luz e as tarifas de transporte eram uma fotografia efêmera. O dinheiro não ficou no caixa.

Agora, os estados se apressam para aprovar em suas assembleias legislativas aumentos do ICMS. É intensa a corrida, porque, ao contrário das receitas, boa parte dos custos dos estados — com destaque para a folha salarial — é fixa. O ICMS de Piauí e Sergipe era de 18%. Já foi elevado para 21% e 22%, respectivamente. No Pará, o ICMS foi elevado de 17% para 19% sobre alguns produtos, e o governador Helder Barbalho (MDB) avisa que é insuficiente.

O Piauí ainda criou o Fundo de Desenvolvimento da Infraestrutura Logística do Estado, só para taxar em 1,65% os produtos de exportação, uma excrescência em matéria de tributação, porque nenhum país encarece suas vendas ao exterior com impostos. Imposto não deve ser exportado, por óbvio. O Paraná vai pelo mesmo caminho. Até o nome é igual, evidência de que secretários de Fazenda têm atuado de forma coordenada.

No caso paranaense, o fundo tem como fonte de financiamento a taxação de commodities como soja e milho, com alíquotas de 0,09% a 42,18%. Por ser um estado em que a agricultura é responsável por quase 40% do PIB, as organizações de representação dos produtores conseguiram adiar a votação do tal fundo, marcada para terça-feira passada. Goiás adota a mesma fórmula do “fundo para a infraestrutura”, mas as contribuições do agronegócio são facultativas. Por enquanto.

Esse arrocho estadual é parte da conta da demagogia eleitoreira de Bolsonaro. O importante agora é o futuro governo dar prioridade à promessa de fazer uma reforma tributária que acabe com o sistema bisonho que dá aos entes federativos e à União a prerrogativa de fazer o que bem entendem, enquanto a conta sobra para o contribuinte.

O pior do PT

Folha de S. Paulo

Investida contra Lei das Estatais soma desfaçatez à corrida por cargos e gastos

Os sinais até aqui apresentados pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, para a gestão da economia e das finanças públicas se limitam ao que de pior se conhece das administrações petistas.

O partido correu a apossar-se dos cargos mais importantes já distribuídos. Apresentou uma proposta de aumento desmesurado de despesas que, tudo indica, não passou pelo escrutínio de especialistas de outras correntes de pensamento. Ao se manifestar, Lula assume um tom de desafio arrogante ante a má repercussão das decisões.

Ao que já era temerário acrescentou-se a desfaçatez com a investida contra a Lei das Estatais, na calada da noite desta terça-feira (13), a fim de facilitar a nomeação de um companheiro de campanha eleitoral para o comando do BNDES —o banco oficial de fomento que protagonizou desastres intervencionistas nos governos do PT.

A legislação aviltada de modo sorrateiro e casuístico pela Câmara dos Deputados fora aprovada em 2016 para evitar, justamente, que a ingerência politiqueira voltasse a arruinar as empresas controladas pelo Tesouro Nacional.

Para a manobra, petistas se juntaram à maioria fisiológica da Casa e contaram até com a boa vontade de bolsonaristas, todos irmanados na busca por verbas pouco transparentes e cabides de emprego.

Com o anúncio bravateiro de que acabarão as privatizações no país, Lula se dirige aos seus —sindicalistas, ideólogos do estatismo e políticos interesseiros. Não se esperava nada diferente, mas o restante do país merece um debate acima desse populismo rasteiro.

A contrapor essa saraivada de más indicações há apenas declarações vagas do futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em favor da responsabilidade fiscal, além de promessas de empenho por uma reforma tributária de complexa negociação e resultados de longa maturação.

O que foi dito e feito em menos de dois meses desde o desfecho das eleições, porém, já bastou para pôr em risco o ciclo de retomada da atividade produtiva e do emprego —a surpresa positiva do ano.

Já houve degradação das projeções para a inflação e as taxas de juros no próximo ano. O Banco Central já alertou para o impacto do desarranjo orçamentário na alta dos preços. Empresários, que geram empregos e impostos, não esperam que o pior se torne fato consumado antes de paralisar investimentos e contratações.

Se não reconhecer que há avanços a preservar, como soube fazer há 20 anos, Lula subordinará a política econômica a obsessões ideológicas e conveniências partidárias. Encurta-se o tempo para demonstrar que aprendeu algo com seus acertos do passado.

Adeus, Cuba

Folha de S. Paulo

Recorde migratório expõe falência dos embargos, caos econômico e política cruel

Há décadas, cubanos tentam fugir da ditadura e da devastação econômica, arriscando suas vidas em longas e perigosas jornadas com a esperança de alcançar uma vida melhor nos Estados Unidos. Mas, mesmo num país onde ondas migratórias são constantes, os números atuais causam assombro.

Estima-se que quase 250 mil cubanos, cerca de 2% dos 11 milhões que habitam a ilha, tenham migrado aos EUA no último ano fiscal, encerrado em setembro —o maior êxodo registrado desde a revolução comandada por Fidel Castro, no final dos anos 1950.

Composto principalmente por jovens, o fluxo é tamanho que especialistas projetam um futuro demográfico preocupante para o país, cuja população é a mais envelhecida do continente americano.
Há dois fatores a impulsionar a atual avalanche migratória. Diferentemente do passado, a maior parte dos que deixam a ilha hoje o faz por ar, e não mais pelo mar.

A mudança deve-se, sobretudo, a uma decisão do governo da Nicarágua, que em novembro do ano passado retirou a exigência de visto de entrada para cubanos —uma ação que, segundo analistas, faz parte da estratégia do governo do ditador Daniel Ortega para pressionar os EUA a retirarem as sanções impostas sobre sua família.

Uma vez na capital nicaraguense, os migrantes pagam "coiotes", como são conhecidos os traficantes de pessoas, para ajudá-los a fazer a viagem de 2.700 quilômetros por terra até a fronteira americana.

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Além disso, as condições de vida em Cuba, historicamente precárias, deterioraram-se ainda mais.

A política de "pressão máxima" do governo Donald Trump resultou no endurecimento das sanções contra um país que já sofre há décadas com um anacrônico embargo econômico —que só tem servido para prejudicar a população e oferecer justificativas persecutórias para manter a ditadura local.

Veio então a pandemia, que colapsou uma das principais fontes de recursos de Cuba, o setor de turismo. Com isso, o desabastecimento se agravou, gerando uma escassez brutal de artigos de primeira necessidade. Completa esse cenário desolador a repressão do regime à onda de insatisfação popular que emergiu no ano passado.

Entre a crueldade da ditadura e a obsoleta política americana de embargos, resta uma população profundamente empobrecida e tiranizada, que não vê outra alternativa senão abandonar o próprio país.

Lula, fiel ao atraso

O Estado de S. Paulo

Estatais não serão privatizadas, como se todas as atuais fossem imprescindíveis

Lula anuncia que não haverá mais privatizações, como se todas as atuais estatais fossem imprescindíveis – e como se não estivesse faltando dinheiro até para financiar o básico

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva começou a deixar mais claras as diretrizes econômicas que devem nortear seu governo. Nesta semana, ele disse que não haverá mais privatizações de empresas estatais e, no mesmo discurso, anunciou o nome do ex-senador Aloizio Mercadante (PT-SP) para a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

A confirmação de Mercadante para o cargo despertou o temor de que a instituição retome a concessão de empréstimos subsidiados pelo Tesouro, marca da gestão Dilma Rousseff. Antecipando-se a esses rumores, o ex-senador procurou a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) para passar algumas mensagens. Além de garantir que o governo eleito não iria reeditar essa prática, ele assegurou que o BNDES não tem competência para alterar a Taxa de Longo Prazo (TLP), indicador que hoje baliza o custo dos financiamentos do banco.

Embora tenha falado muito sobre aquilo que não vai fazer, Mercadante pouco disse sobre o que pretende executar à frente do BNDES. Defender uma participação mais ativa do banco em temas como descarbonização e transição energética, como ele mencionou na conversa à Febraban, é uma agenda óbvia diante do protagonismo conquistado pelo País nos últimos 50 anos. Por tudo isso, o que enseja preocupações reais sobre o futuro do BNDES é o discurso categórico de Lula contrário às privatizações. Afinal, se o conceito de “fábrica de projetos” que orientou a atuação do banco será abandonado, qual será o novo papel do BNDES no governo Lula?

Pela Lei do Programa Nacional de Desestatização (PND), o BNDES é o coordenador das privatizações em âmbito federal e é contratado como estruturador nos processos conduzidos pelos Estados e municípios. A venda de empresas como Vale, Telebras e Eletrobras contou com participação direta da instituição, além da privatização de bancos estaduais e de distribuidoras de energia. O BNDES colaborou também ativamente na contratação de estudos para os processos de concessão de rodovias, portos, ferrovias e aeroportos. Atualmente, está envolvido em projetos de desestatização nas áreas de saneamento, gás natural, florestas e parques, entre muitos outros setores.

A Constituição é muito clara ao restringir, em seu artigo 173, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado ao atendimento dos imperativos da segurança nacional e do relevante interesse coletivo. Dado que não há muitas dúvidas sobre questões relacionadas à segurança nacional, o que explica o fato de o País ter hoje mais de 100 estatais federais é a ampla interpretação que diferentes governos deram ao conceito de interesse coletivo.

Se há disposição do setor privado para prestar um determinado serviço, as condições excepcionais para que o Estado o execute não estão postas – e ainda que no passado a ausência desse interesse possa ter justificado a criação de uma estatal, a história mostra que a manutenção de uma empresa pública pode perder o sentido com o passar do tempo.

O papel exercido pelo BNDES no apoio aos processos de desestatização, no entanto, certamente é uma das atividades que podem ser consideradas insubstituíveis para todo o setor público e a sociedade. Bem mais barato e muito mais efetivo do que recriar o conceito do Estado empresário – seja como dono de estatais, seja como sócio de grandes empresas – seria manter a atuação do BNDES nessa área e, em paralelo, reservar mais recursos para agências reguladoras, fortalecendo a função do Estado na regulamentação e na fiscalização do setor privado.

Tratar a temática das privatizações de forma tão dogmática é absolutamente irreal e custoso, considerando a escassez de recursos do País para garantir até mesmo o Bolsa Família. É tão absurdo quanto o plano defendido pelo governo Jair Bolsonaro e por seu ministro da Economia, Paulo Guedes, que também tratava o tema das privatizações como dogma, mas no exato sentido oposto. Os resultados dessas visões de mundo tão diversas sobre o papel do Estado são incontestáveis e, em ambos os casos, muito ruins.

Os desafios do futuro chanceler

O Estado de S. Paulo

A Mauro Vieira cabe resgatar a credibilidade do País, mas não será fácil, ante a razia bolsonarista e tendo em vista os conhecidos devaneios terceiro-mundistas do lulopetismo

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva indicou o experiente embaixador Mauro Vieira para o Ministério das Relações Exteriores. Ainda que não seja possível antecipar como o sr. Vieira se desincumbirá de tão importante missão, é fato que não será nada fácil, seja porque o presidente Jair Bolsonaro destruiu a imagem do País nos últimos quatro anos, seja porque muitos petistas nutrem a expectativa de fazer o Brasil retomar a vergonhosa diplomacia terceiro-mundista que marcou a primeira passagem do lulopetismo pelo poder.

Mauro Vieira foi chanceler do governo de Dilma Rousseff, esteve à frente de alguns dos mais importantes postos diplomáticos do Brasil no exterior, como as embaixadas na Argentina e nos Estados Unidos e a representação permanente do Brasil na ONU – seu último posto de expressão até ser enviado por Bolsonaro para a embaixada do Brasil na Croácia como uma espécie de “punição”, sabe-se lá por quê. Tem, portanto, condições de representar bem o Brasil.

Deveria causar alívio ver no comando da diplomacia brasileira alguém que não considera o trambiqueiro Donald Trump como o “salvador do Ocidente”, na inesquecível definição de Ernesto Araújo, primeiro chanceler da era bolsonariana. Poucos representaram melhor a transformação do Brasil em pária internacional como o sr. Araújo, que desestruturou o Itamaraty e antagonizou o País com alguns de seus principais parceiros comerciais, como China e Argentina. Conspurcou a tradição brasileira de diálogo multilateral e alinhou a voz do Brasil à da família Bolsonaro, interessada em bajular líderes da extrema direita mundo afora e hostil a tudo o que lhe cheirasse a esquerdismo. Araújo foi sucedido por Carlos França, que se limitou a fazer o que o chefe mandava e pouco ajudou a mudar a imagem do Brasil, miseravelmente vinculada ao obscurantismo bolsonarista, em especial na área ambiental. Perde-se o fôlego só de imaginar mais quatro anos disso.

Por outro lado, não anima nada a perspectiva de ver a política externa brasileira novamente a serviço de uma ideologia deletéria, que trata ditadores sanguinários como “companheiros”, cuja tirania o PT sempre considerou como parte da “luta contra o imperialismo estadunidense”. O velho Lula da Silva já disse que havia democracia “em excesso” na Venezuela chavista e que a perseguição implacável de dissidentes em Cuba era “assunto interno” dos cubanos; já o “novo” Lula, fiel a seu estilo, foi incapaz de condenar a ditadura nicaraguense do amigo Daniel Ortega. Ademais, também é frustrante imaginar que o Brasil possa retomar o viés “sulsul”, que fez o País abrir embaixadas em lugares remotos tratados pelos ideólogos da política externa petista como parceiros “estratégicos”, em detrimento da possibilidade de bons acordos com grandes potências, como Estados Unidos e União Europeia. A intenção era mostrar-se independente. No final do mandarinato lulopetista, não havia dinheiro nem para pagar a conta de luz de várias dessas representações.

Neste momento, convém lembrar que a política externa brasileira não é algo que possa ser formulado ao sabor dos devaneios de quem ocupa a Presidência. Este jornal espera que os princípios que regem as relações internacionais do Brasil, consagrados no artigo 4.º da Constituição, voltem a ser respeitados, sobretudo o que determina a prevalência dos direitos humanos. Também espera que o Brasil procure, de maneira inteligente e proativa, retomar seu papel histórico de interlocutor indispensável em várias questões de interesse global, entre as quais o combate às mudanças climáticas, a cooperação internacional para o enfrentamento do tráfico de armas e drogas, o resgate do protagonismo de organizações multilaterais e o desenvolvimento das relações de comércio.

“A política externa é um instrumento de afirmação internacional do País e de defesa da soberania, da presença no mundo”, disse Mauro Vieira ao Estadão logo após a confirmação de sua indicação para o Itamaraty. “O Brasil esteve ausente do mundo e dos grandes centros de decisão nos últimos anos. Todas as medidas tomadas a partir de agora serão importantes nesse sentido, de trazer o Brasil de volta para o cenário internacional.” Que assim seja.

A derrapagem da economia

O Estado de S. Paulo

Indicador do BC mostra recuo da atividade e do ritmo dos negócios. É o preço dos juros altos

O Brasil ingressou no trimestre final do ano com a economia enfraquecida, depois de haver avançado, segundo o Banco Central (BC), 1,36% no período de julho a setembro. Um recuo mensal de 0,05% em outubro foi apontado pelo Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-BR), uma espécie de prévia mensal do Produto Interno Bruto (PIB). Em setembro os negócios haviam ficado estáveis, depois de uma queda de 1,13% em agosto. Perceptível, portanto, já há alguns meses, essa perda de vigor deve ser atribuível principalmente à política anti-inflacionária baseada na alta de juros e no arrocho do crédito. Em sua última reunião deste ano, realizada no começo de dezembro, o Copom, Comitê de Política Monetária do BC, decidiu manter em 13,75% a taxa básica de juros e prolongar o aperto por tempo indefinido. Apesar de algum recuo, a inflação permanece elevada no Brasil e no exterior e ainda há muita incerteza sobre a evolução das contas públicas, de acordo com o Copom.

A atividade cresceu 0,44% no trimestre móvel encerrado em outubro, depois de ter aumentado 1,36% nos três meses até setembro. Também isso evidencia a perda de vigor econômico. No ano, o desempenho da economia foi 3,41% superior ao do período de janeiro a outubro de 2021. Em 12 meses o IBC-BR avançou 3,13% em relação à fase imediatamente anterior.

Pela projeção do BC divulgada em setembro, a economia brasileira deve crescer 2,70% em 2022. No mercado, a mediana das projeções subiu em quatro semanas de 2,77% para 3,05%, de acordo com o boletim Focus divulgado na última segunda-feira. Os últimos dados do IBC-BR parecem corroborar essas expectativas. Nem as ações eleitoreiras do presidente Jair Bolsonaro parecem ter alterado de forma significativa os gastos de consumo neste bimestre final. Endividadas, pressionadas pela inflação e ainda forçadas a enfrentar condições de trabalho muito desfavoráveis, as famílias continuam sobrevivendo sem folga no orçamento.

Os números do IBC-BR são apresentados sem detalhes setoriais. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram em outubro um recuo de 0,60% do setor de serviços, o componente de maior peso na formação do PIB. Mostram também um avanço de 0,30% da produção industrial, puxado por apenas 7 dos 26 segmentos pesquisados.

Apesar da perda mensal de 0,3%, os serviços acumularam expansão de 8,7% no ano, em comparação com igual período de 2021, e um avanço de 9% em 12 meses. No caso da indústria, o resultado mensal positivo foi insuficiente para mudar o quadro de estagnação. O volume produzido de janeiro a outubro foi 0,80% menor que o de um ano antes. O total contabilizado em 12 meses foi 1,40% inferior ao dos 12 meses anteriores. Além disso, o último dado mostrou uma atividade industrial 2,10% abaixo do patamar de fevereiro de 2020, último mês antes do surto de covid-19 no Brasil. A indústria já ia mal antes da pandemia, piorou, e nada se fez, em Brasília, para sua recuperação – uma tarefa deixada inteiramente, portanto, para o próximo governo.

Fed vê inflação resistente e juro mais alto por mais tempo

Valor Econômico

Powell, ao ser questionado sobre hipóteses de estagflação ou recessão, negou que o banco afrouxaria sua política

O Federal Reserve diminuiu o ritmo de alta de juros ao fazer um ajuste de 0,5 ponto percentual ontem, elevando a taxa básica para a faixa de 4,25%-4,5%, a maior em 15 anos. Os ajustes feitos até agora, os mais rápidos dos últimos 40 anos, entretanto, ainda são insuficientes para colocar a inflação em trajetória segura de queda, rumo aos 2% da meta do Banco Central. Haverá um incremento de 0,75 ponto percentual até que se atinja o pico de 5,25%-5,5%, estimado pelos membros do Fed ontem como a taxa terminal do atual ciclo de aperto monetário.

Os juros subirão mais que o previsto, como se nota a cada reunião, como a de ontem, em que o Fed apresenta suas projeções econômicas. A carga empregada até agora vai desacelerar o crescimento para 0,5% no ano corrente e também 0,5% em 2023, ou seja, a expansão será quase nula. As projeções anteriores eram de 0,2% e 1,2%. Da mesma forma, em condições monetárias mais adversas, o desemprego deverá subir mais do que o esperado no ano que vem, para 4,6% - hoje é de 3,7% - e permanecer ao redor deste nível até 2025, pelo menos.

A premissa de mais juros tem respaldo nas projeções de inflação mais altas nos próximos três anos. O índice de gastos de consumo pessoal fechará o ano em 5,6% e todas as projeções para os três anos seguintes foram modificadas para cima. Só em 2024 o PCE cai para 2,5% e em 2025, chega na meta. Com percentuais diferentes para 2022 e 2023, o núcleo do PCE também foi elevado, e se iguala aos do índice cheio em 2024-2025.

Os juros finais, na tendência central das projeções do Fed, varia de 5,1% a 5,4%, algo como 0,5 ponto percentual a mais do que o mesmo exercício feito em setembro. “Há ainda um longo caminho pela frente”, disse Jerome Powell, presidente do Fed, que qualificou os índices declinantes do índice de preços ao consumidor em outubro como muito bem-vindos, mas insuficientes para que a autoridade monetária comece a pensar em interromper o ciclo de altas. Os riscos de maior inflação são de alta, no balanço de riscos do Fed.

Powell disse que as decisões do Fed agem mais rapidamente sobre as condições financeiras, que, no entanto, estão menos restritivas nos últimos dias. Para ele, porém, o que conta não são os movimentos de curto prazo, mas os de longo, e por isso o banco pretende torná-las ainda mais apertadas, até que a inflação se mova com consistência em direção aos 2%, o que deixou claro que não ocorrerá com dois ou três meses de indicadores cadentes de inflação.

O presidente do Fed diz que “faz sentido”, embora não tenha sido discutido em reunião, que o ritmo de ajuste nas próximas reuniões seja de 0,25 ponto percentual. No início do ciclo, segundo ele, o ponto central das discussões foi a rapidez com que as taxas subiriam, e elas subiram em velocidade raramente vista. No atual ponto, para o Fed é importante definir o pico dos juros, a taxa estimada atingir o objetivo. Com a aproximação da atual taxa do juro terminal, é hora de se concentrar na questão de por quanto tempo elas permanecerão altas. Pelas projeções, elas serão mais altas e se manterão acima do juro de longo prazo (2,5%) pelo menos até 2024.

Na análise de Powell, a inflação de bens se reduziu com a normalização das cadeias de produção e a redução do consumo. A inflação dos imóveis segue alta, mas com tendência de redução rápida pela queda da demanda por residências, fruto do aumento dos juros das hipotecas. Restam 55% do CPI, composto por serviços e influenciados diretamente pelos salários, que estão em alta forte, resultado de um mercado de trabalho “desequilibrado” e ainda “extremamente apertado”.

Powell afirmou que faltam mais de 3,5 milhões de trabalhadores para preencher vagas existentes, e que as empresas, devido à escassez, estão evitando demitir funcionários. Ele vê elementos estruturais na falta de mão de obra, porque mesmo com salários mais tentadores e farta oferta de vagas, a taxa de participação (percentual dos que trabalham em relação à população em condições de trabalhar) não sobe. Algumas explicações dadas por ele: aceleração das aposentadorias, pós-covid, a morte de meio milhão de trabalhadores durante a pandemia e, também relacionado a ela, uma diminuição dos fluxos de migração.

Powell, mesmo ao ser questionado sobre hipóteses de estagflação ou recessão, negou que o banco afrouxaria sua política. “Não vejo corte de juros até que haja evidências muito convincentes de que a inflação se move para 2%”.

 

Um comentário:

Fernando Carvalho disse...

O primeiro editorial quer que o Mercadante seja um repeteco de Paulo Guedes. O projeto da Frente Democrática de re-industrializar o país está certo. O que não pode é fazer o que Lula fez de transformar um açougueiro (Friboi), um pedreiro (Odebrecht) e agiotas (banqueiros) em "campeões nacionais". O editoriaista está certo quando diz que temos que temos que agir tendo em conta a disputa China/EUA. Nós temos a Amazônia que pode tornar o país na primeira potência mundial. A nova química é baseada no verde. A petroquímica já deu o que tinha que dar. Agora o editorialista erra ao achar que privatização é tudo (menos reforma agrária). O Brasil está na situação em que está graças às privatizações. Por que o Brasil não tem uma rede ferroviária federal de trens de alta velocidade como a China? Porque a iniciativa privada sobre pneus destruiu a tal da RFFSA. Por que a Vale do Rio Doce foi responsável pela tragédia de Brumadinho e Mariana? Porque uma empresa privada quer lucrar e não gastar dinheiro para segurar as barragens. Devia ser re-estatizada e não apenas pagar multas.