quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

MPF pede cassação da chapa do governador Cláudio Castro

Governador é acusado de abuso de poder político, econômico e conduta vedada a agente público. Na lista, há cinco secretários ou ex-secretários estaduais

Por Chico Otavio, Felipe Grinberg, Lucas Mathias, Rafael Galdo e Vera Araújo / O Globo

RIO DE JANEIRO - A Procuradoria Regional Eleitoral do Rio pediu, nesta quarta-feira, a inelegibilidade e a cassação da chapa eleita do governador Cláudio Castro (PL). Ele é acusado de abuso de poder político e econômico e de conduta vedada a agente público no escândalo das contratações secretas em ano eleitoral para a Fundação Centro Estadual de Estatística, Pesquisa e Formação de Servidores Públicos do Rio (Ceperj) e para programas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). A assessoria do governador Cláudio Castro e de Thiago Pampolha afirmou que a chapa "vai comprovar a conduta idônea" e que ambos estão "seguros de que todos os pontos levantados serão respondidos".

O Ministério Público Federal também pediu a cassação e inelegibilidade do vice eleito, Thiago Pampolha; do deputado eleito Rodrigo Bacellar (PL), atual secretário estadual de Governo e favorito na corrida pela presidência da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) em 2023; e de mais nove pessoas. Bacellar nega as acusações e foz que vai comprovar sua "integridade no exercício da função pública". Na lista, há cinco secretários ou ex-secretários de Cláudio Castro. A representação, com cerca de cem páginas, afirma que eles foram favorecidos com contratação secreta de dezenas de cabos eleitorais em prejuízo e em desigualdade clara se comparados aos adversários no pleito.

O pedido da Procuradoria não impede a diplomação do governador que está prevista para esta sexta-feira, dia 16. O corregedor, ao tomar ciência da representação, pode seguir um de três caminhos: notificar os citados, para apresentarem defesa em prazo de cinco dias; determinar a suspensão dos atos que ensejaram a ação; ou indeferir a inicial.

Com a ação ajuizada, os réus serão notificados para apresentarem suas alegações iniciais. As partes então terão tempo para apresentar provas, documentos e podem pedir que testemunhas sejam ouvidas. Ao fim, há um parecer do Ministério Público, alegações finais e a ação será julgada pelo colegiado do TRE. À decisão, cabe recurso ainda ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília.

" O vasto acervo probatório acostado à inicial evidencia a presença dos elementos caracterizadores dos ilícitos eleitorais de abuso de poder político e econômico, simultaneamente, com a prática das condutas vedadas impondo-se, portanto, a aplicação aos representados das penalidades cassação de seus registros de candidatura e/ou diplomas; da declaração de suas inelegibilidades pelo período de oito anos, a contar deste pleito eleitoral; e, por fim, da aplicação de multa, no patamar máximo fixado pela legislação eleitoral" diz trecho da representação protocolada nesta quarta-feira

Castro, reeleito no primeiro turno com 58,6% dos votos, encabeça a lista da ação. Em sabatina no GLOBO antes do primeiro turno das eleições, Castro admitiu erros no Ceperj, mas defendeu o modelo dos projetos sociais. O governo estadual também criou uma auditoria interna que, em relatório preliminar, apontou diversas irregularidades, como a contratação de servidores públicos como terceirizados, e recomendou o cancelamento dos projetos da Fundação. O governo também tentou firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público no início de agosto, mas as conversas não evoluíram. Atualmente, os projetos do Ceperj passam por Tomadas de Contas, que apuram se houve dano aos cofres públicos e quem seriam os responsáveis.

— Há erros no Ceperj? Há. A grande diferença foi a maneira como encarei. Em momento nenhum neguei. Eu fui ao Ministério Público, criei uma comissão. Todos que erraram serão punidos. A resposta para o conselho é que são nossos programas sociais e nós vamos continuar os programas sociais porque eles são importantíssimos para o estado — garantira Castro no fim de agosto.

Num encontro com jornalistas no Palácio Laranjeiras, nesta quarta-feira, Cláudio Castro respondeu às perguntas da imprensa, uma delas sobre a denúncia do MPE. Segundo ele, não há questão eleitoral para ser discutida.

— A denúncia do Ceperj foi mais de três horas e quarenta minutos na imprensa, às vésperas das eleições. Não consigo ver vantagem eleitoral, que a procuradora eleitoral achou. Estamos tranquilos em relação a isso. Zero críticas em relação ao MPE, mas isso acontece a poucos dias da diplomação — disse Castro.

O governador disse ainda que o Ceperj “foi uma ação boa e positiva”, pelo fato de não usar mais as Organizações Sociais, mas pagar como prestadores de serviço.

— Quando houve a ação do MPRJ, eu não recorri da decisão. Posso garantir que quem errou será punido — conclui.

Primeiro escalão investigado

Também foram acusados deputados e candidatos que são do primeiro escalão do governo estadual ou participaram da administração Castro: a atual secretária de Cultura, Danielle Christian Ribeiro; o ex-secretário de Esportes Gutemberg da Fonseca (PL); o ex-secretário de Obras Max Lemos (Pros); e o ex-secretário de Defesa do Consumidor Léo Vieira (PSC). O atual secretário de Trabalho e Renda, Patrique Welber, também é acusado pelo MPF. Ele não foi candidato nas últimas eleições, mas é presidente estadual do Podemos.

O deputado federal Áureo Ribeiro (Solidariedade) também está na lista de acusados pelos procuradores. Constam ainda os nomes do ex-deputado, não eleito este ano, Bernardo Rossi (Solidariedade) e do candidato Marcus Venissius (Podemos). O subsecretário de Habitação, Allan Borges, completa a relação.

A representação, ao ser ajuizada junto ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE-RJ), passa a tramitar como ação de investigação judicial eleitoral (AIJE). Por lei, a competência natural para assumir a relatoria do caso é do corregedor do TRE, desembargador estadual João Ziraldo Maia (no total, são sete membros).

O pedido, assinado pela procuradora regional eleitoral do Rio, Neide Mara Cavalcanti Cardoso de Oliveira, e pelo procurador substituto, Flávio Paixão, entende que Castro e os demais envolvidos estão incursos nos artigos 73 da Lei 9504/97 (que estabelece normas para as eleições) e 22 da LC 64/90 (Lei de Inelegibilidade), ambas relacionadas a condutas vedadas aos candidatos. A investigação não atingiu só os políticos eleitos, mas também os que não se candidataram, mas contribuíram com o ilícito.

"Tal esquema tinha claro objetivo de utilização da máquina pública estadual, à exclusiva disposição dos representados, e permitiu o escoamento de recursos públicos que foram indevidamente utilizados para promover as suas candidaturas e cooptar votos para as suas respectivas vitórias nas urnas, atendendo interesses pessoais escusos para a perpetuação desses políticos nos cargos eletivos do Estado do Rio de Janeiro, sobrepondo-se ao interesse coletivo" diz outro trecho do documento.

No caso do artigo 73, o parágrafo III proíbe o acusado de ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado.

Em nota, o ex-secretário Gutemberg da Fonseca afirmou que se surpreendeu com a representação e que nunca teve qualquer vínculo com o Ceperj. Já o deputado federal reeleito Aureo Ribeiro disse, por meio de nota enviada por sua assessoria, que não tem conhecimento de nenhuma denúncia, e reiterou seu compromisso com a lisura eleitoral.

O deputado Max Lemos diz que enquanto esteve à frente da secretaria de Obras, sua atuação "foi exclusivamente dedicada à causa pública". Marcos Venissius afirma que não é agente público e "jamais exerceu qualquer influência sobre o Ceperj". Allan Borges também negou as acusações.

As investigações no âmbito eleitoral começaram em julho, com a abertura de um procedimento preparatório eleitoral logo após a divulgação do escândalo dos cargos secretos e saques na boca do caixa de funcionários do Ceperj.

Na investigação, O MPF trocou informações com o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), que produziu relatórios sobre as contratações do Ceperj e Uerj sem amparo legal, e com a 6ª Promotoria de Tutela Coletiva da Capital, do Ministério Público do Estado (MPRJ), que abriu uma ação civil pública e já obteve decisão junto à Justiça fluminense para sustar os pagamentos ao alegar “nítida afronta às normas de prevenção à lavagem de dinheiro”.

A lista do Ceperj soma cerca de 27 mil beneficiados, que receberam em torno de R$ 248 milhões este ano para supostamente atuar em ações sociais. Um cruzamento de dados feito pelo GLOBO expôs a conexão política de quem trabalhou na fundação. Ao todo, há cerca de 500 ex-funcionários do Ceperj que participaram das campanhas de candidatos a deputados federais e cerca de 180 nomes na lista de pagamentos que atuaram no pleito junto a candidatos a deputados estaduais.

Além disso, o orçamento da fundação cresceu mais de 20 vezes de 2020 até este ano: passou de cerca de 21 milhões em 2020 para 127 milhões em 2021. Já em 2022, tinha até agosto em torno de 500 milhões em despesas empenhadas.

Mas a explosão de gastos do governo do Rio com a contratação de pessoal terceirizado este ano não se restringiu à Fundação Ceperj. Dados da Transparência fluminense mostram que, na Uerj, os valores empenhados para cobrir esse tipo de despesa até 1º de dezembro de 2022 já superavam em 361% os registrados no mesmo período de 2021. As contratações para 21 projetos da universidade em parceria com secretarias e fundações chegaram a motivar, em agosto, um pedido da Comissão de Tributação da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) para que o TCE-RJ as analisasse.

Os acordos estão na mira de duas auditorias no Tribunal de Contas. Na que examina especificamente o projeto Observatório Social da Operação Segurança Presente, os conselheiros apontaram indícios de irregularidades que poderiam resultar em “grave dano ao erário”, com práticas parecidas com as do Ceperj. A Uerj nega qualquer irregularidade em seus projetos.

Decreto de Castro abriu caminho para aumento de despesas

Em decreto publicado no Diário Oficial do Estado em 9 de março, Castro mudou os objetivos principais do órgão. Antes voltado apenas para o recrutamento de pessoal, capacitação e formação de servidores públicos, e a coleta de dados estatísticos e cartográficos passou a incluir a execução de programas e projetos de cooperação entre os órgãos integrantes da administração pública e apoio a “projetos de experimentação”.

O decreto permitiu o fornecimento de mão de obra a órgãos do governo estadual, em contratos com prazo determinado e mediante contratação direta por Recibo de Pagamento Autônomo (RPA).

Durante a campanha eleitoral, ao se pronunciar pela primeira vez sobre o Ceperj, o governador disse que, após surgirem questionamentos sobre a gestão de programas sociais desenvolvidos pela fundação em parceria com secretarias estaduais, determinou a imediata a instauração de uma comissão para apurar “com rigor e energia” o que ocorria. Em setembro, um resultado preliminar da auditoria apontou irregularidades e recomendou o cancelamento dos projetos do Ceperj.

Quando as primeiras denúncias surgiram, Castro anunciou a substituição do então presidente do Ceperj, Gabriel Lopes, “assim como a proposição imediata de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o MP estadual para corrigir rumos e não prejudicar importantes programas sociais”. O governador disse que era o “maior interessado para que tudo seja esclarecido o quanto antes”. Em meio a essa turbulência, Gabriel Lopes informou que havia pedido exoneração do cargo no dia anterior.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Rio de Janeiro se transformou numa lambança generalizada,e faz tempo.