Caso Telegram reforça urgência de PL das Fake News
O Globo
Justiça ordenou suspensão do aplicativo por
recusa em revelar à PF integrantes de grupo neonazista
O histórico recente do Telegram no Brasil
dava a entender que a empresa dona do aplicativo de mensagens, antes sem
representante no país e resistente a obedecer a ordens da Justiça, havia se
emendado. Mas na quarta-feira a Justiça Federal se viu obrigada a atender a um
pedido da Polícia Federal (PF) para suspender o Telegram em todo o país. O
episódio demonstra perfeitamente por que é tão urgente a aprovação do Projeto de
Lei (PL) das Fake News, cuja votação está prevista para a semana que vem.
O Telegram cumpriu apenas parcialmente a decisão judicial para que entregasse à PF dados sobre conteúdos neonazistas acessados pelo assassino de 16 anos que matou quatro pessoas e feriu 12 em ataque a duas escolas em Aracruz (ES) no final do ano passado. A 1ª Vara Federal de Linhares impôs multa diária de R$ 1 milhão até a empresa entregar todas as informações. Na investigação, a PF constatou que o assassino interagia, via Telegram, com os neonazistas. Nas mensagens, havia textos de teor antissemita e descrições de como matar com as próprias mãos.
É injustificável que o Telegram permita a
transmissão em massa desse tipo de conteúdo, sob a alegação de se tratar de
comunicação privada. A decisão de repassar à PF apenas dados do administrador
do grupo, mas não de seus integrantes, é um acinte às famílias dos mortos: as
professoras Maria da Penha Pereira Banhos, Cybelle Lara e Flávia Leonardo —
alvejadas na Escola Estadual Primo Bitti — e a estudante Selena Sagrillo, 12
anos, morta no Centro Educacional Praia de Coqueiral.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, mostrou
estar atento ao dizer que os grupos neonazistas ativos nas redes sociais e nos
aplicativos de mensagens são a “base da violência contra nossas crianças”. Na
semana passada, ele anunciara a abertura de um processo administrativo contra o
Telegram depois de a empresa desrespeitar o prazo dado pelo governo para que as
plataformas digitais informassem os mecanismos usados para barrar a circulação
de conteúdos ilegais.
Não é a primeira vez que o Telegram faz
pouco-caso das autoridades brasileiras. Em março de 2022, o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes teve de determinar a suspensão do
serviço no Brasil para a empresa enfim se manifestar sobre as regras para
combater a desinformação durante a campanha eleitoral. Na ocasião, Pavel Durov,
fundador do Telegram, deu uma desculpa inverossímil para ter ignorado o
Judiciário brasileiro. Disse que o endereço de e-mail usado pelo STF não
funcionava mais. Em janeiro, o Telegram foi multado em R$ 1,2 milhão por
descumprir ordem judicial para bloquear o canal de um deputado que incentivou
atos golpistas.
O Telegram se comporta como se operasse
numa terra sem lei. Se o PL das Fake News já estivesse em vigor, não poderia se
esconder atrás do biombo mambembe da defesa da liberdade de expressão. Teria de
cumprir o “dever de cuidado” pelo conteúdo ilegal que faz circular, em vez de
dar de ombros aos riscos, como a maioria das plataformas digitais. É urgente
que o Congresso ajude a aprimorar a legislação com o intuito de civilizar o
espaço digital que hoje dá guarida a preconceito, desinformação e conspirações
macabras. Quem permite a divulgação na internet de discursos e informações
ilegais que resultam em crimes hediondos como os massacres nas escolas deve ser
considerado cúmplice.
Crise argentina revela consequências
nefastas do populismo econômico
O Globo
Eleição mais relevante em décadas definirá
futuro de país incapaz de enfrentar sua insolvência crônica
As crises econômica e política se misturam
na Argentina. No domingo, o presidente Alberto Fernández anunciou que não
tentará a reeleição em 22 de outubro. Com menos de 20% de aprovação, juntou-se
à vice-presidente, a também peronista Cristina Kirchner, e ao ex-presidente
Mauricio Macri, de centro-direita, que já haviam decidido não participar das
primárias previstas para agosto. Enquanto isso, o dólar em disparada passa de
500 pesos no câmbio paralelo, 120% acima do oficial. A inflação acumulada em 12
meses rompeu os 100%.
Ninguém arrisca dizer o que será do país. A
Argentina anda em círculos desde o fim da ditadura militar, em 1983. A política
cambial fixa do governo Carlos Menem debelou a inflação, mas o câmbio
artificial fracassou, ao pôr em risco uma economia essencialmente exportadora.
As eleições deste ano se mostram as mais importantes para o futuro desde o
naufrágio do governo Fernando de la Rúa no final do século passado, cujos
reflexos ainda se fazem sentir.
Em nenhum momento os argentinos levaram a
sério a insolvência crônica do Estado e jamais equacionaram o endividamento
explosivo, interno e externo. O país vai, de calote em calote, depositando
confiança nas soluções mágicas de economistas heterodoxos a serviço dos
diversos matizes de peronismo. Mesmo o governo Macri, que prometia resgatar a
sanidade monetária e fiscal, fracassou por ceder às pressões.
Agora, com o peronismo mais dividido que
nunca e a crise econômica, a direita populista ganha espaço. O economista e
deputado Javier Milei se inspira em Jair Bolsonaro e Donald Trump para avançar
no eleitorado. A ex-ministra Patricia Bullrich, dos governos De la Rúa e Macri,
aparece como alternativa à direita. Os peronistas deverão lançar candidato o
ministro da Economia, Sergio Massa. Quem quer que vença terá o desafio de
revigorar um país falido.
A Argentina assinou no ano passado um
acordo com o FMI — o 13º desde a redemocratização — para reestruturar sua
dívida externa e evitar que a inflação disparasse. Não funcionou. Para
complicar, o país enfrenta a pior seca desde 1929, um desastre para a agricultura
e para as exportações. Estão garantidas, portanto, a escassez de divisas e mais
pressão inflacionária. No mês passado, em cumprimento ao acordo em vigor, o FMI
liberou US$ 5,4 bilhões. Mas não se vê, da parte do governo, nem sinal da
austeridade necessária para resgatar as finanças públicas e reconquistar a
confiança.
Em vez disso, Massa diz que usará “todas as ferramentas” disponíveis para estabilizar a economia. Tradução: quer reivindicar do FMI condições mais suaves no ajuste das contas públicas. Provavelmente para descumpri-las, como tem sido frequente na História recente. Conflagrada por diferentes tons de populismo, a campanha eleitoral será tensa. Maior parceiro do Brasil na América Latina, a Argentina também é um alerta, contraexemplo mostrando tudo o que pode dar errado quando se acredita em fábulas econômicas e se desafia a realidade fiscal.
Esgoto para todos
Folha de S. Paulo
Saída para impasse em torno do marco do
saneamento é derrubar decretos de Lula
O maior retrocesso na regulação econômica e
setorial patrocinado até agora pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi
a revisão de pontos essenciais do marco legal do saneamento, aprovado em 2020
pelo Congresso Nacional.
Por meio de dois decretos, a atual gestão
alterou dispositivos da legislação em favor de empresas estatais, que ganharam
prazo e condições mais permissivas para comprovar capacidade financeira e,
assim, manter seus contratos sem necessidade de licitação.
Foi eliminada
ainda a exigência de concorrência para a prestação de serviços em regiões metropolitanas,
e estendido para 2025 o prazo para a formação de blocos regionais que deverão
agregar municípios e garantir atendimento a todos.
Por fim, o governo ampliou de 25% para 100%
o limite para a formação de parcerias público-privadas, com o argumento de que
haverá mais oportunidades para a formatação de contratos, além da prestação
privada onde as estatais não mostrarem capacidade.
Na prática, contudo, abriu-se espaço
ilimitado para que estatais ineficientes continuem atuando como intermediárias
nos contratos, com os problemas de sempre.
Em suma, elementos centrais do marco foram
enfraquecidos, o que coloca em risco a atração de investimentos e a meta de
universalização da coleta de esgoto até 2033.
A alteração tão profunda numa lei recente,
com resultados iniciais palpáveis e sem consulta ao Legislativo, provocou a
compreensível reação de parlamentares.
O presidente da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira (PP-AL), indicou prazo
de uma semana para que o Planalto reveja seus decretos, sob pena de
deixar prosperar a votação de um decreto legislativo para sustar as novas
regras.
Embora haja chance de derrota do governo,
dadas as insatisfações que ainda grassam na Casa legislativa com atrasos na
liberação de verbas e desorganização na articulação política, não é claro que o
Senado alimente a mesma disposição. Por ora o Planalto resiste em voltar atrás.
Lira e outros parlamentares, ademais, já
defendiam o que chamam de aperfeiçoamentos na lei, em especial na formação de
blocos regionais, certamente movidos por interesses locais. O risco, nesse
caso, seria uma reabertura ampla e indesejável das discussões, que pode
resultar em mais danos e instabilidade das regras.
O melhor para o setor, sem dúvida, é a
manutenção dos dispositivos da lei aprovada em 2020. Há que deixar
para trás o estatismo e o corporativismo que hoje mantêm quase
metade da população brasileira sem acesso a redes de esgoto —um direito básico
e um serviço essencial para a saúde pública.
Quem paga o ônibus
Folha de S. Paulo
Distorções do transporte municipal elevam
custos para contribuintes paulistanos
Se a passagem no transporte público em São
Paulo está congelada em R$ 4,40 desde 2020, e se parte da população da capital
tem gratuidade, é porque a prefeitura paga subsídios às empresas que prestam o
serviço. E paga caro.
Em 2021, foram R$ 3,4 bilhões, e o montante
saltou para pouco mais de R$ 5,1 bilhões no ano passado. Aplicando
a correção dos valores pelo IPCA, o aumento em apenas um ano foi de 40,5%. O
aporte público —isto é, bancado pelos contribuintes— preenche um déficit já
intrínseco ao sistema.
Segundo relatório da SPTrans, empresa que
gerencia o transporte público municipal, a receita total obtida pelo serviço de
ônibus subiu 19% entre 2021 e 2022, passando de R$ 4,3 bilhões para R$ 5,1
bilhões. Entretanto o custo do sistema passou de R$ 7,8 bilhões para R$ 10,3
bilhões, o que representa uma alta de quase 32,1%.
A SPTrans atribui o avanço da subvenção à queda
da quantidade de passageiros a partir da pandemia de Covid-19. Embora o número
de embarques tenha crescido cerca de 23% entre 2021 e 2022 (de 1,67 bilhão para
2,05 bilhões), ainda não alcançou o patamar de 2,6 bilhões em 2019.
Acrescenta-se na conta o impacto do preço
do diesel, que aumentou 74% no período.
Mesmo considerando as dificuldades da
conjuntura econômica e da emergência sanitária, é fato que a manutenção
artificial do preço da passagem e a falta de critérios na gratuidade causam
distorções que precisam ser pagas com dinheiro dos contribuintes, tanto ricos
como pobres. Em bom português, não existe transporte grátis.
A subvenção pelo poder público é
socialmente correta, mas devem-se estabelecer prioridades, sendo o parâmetro de
renda preferível aos demais, incluindo idade dos beneficiários.
Além disso, para renovar a frota,
implementar novas tecnologias e redesenhar as linhas de modo a aumentar a
eficiência do sistema e o número de passageiros, é fundamental enfrentar o
oligopólio dos ônibus na capital. Para isso, o excesso de
exigências para que novas e pequenas empresas adentrem na operação por meio de
licitação precisa ser revisto.
Mais transparência, ajustes periódicos de tarifas, revisão de gratuidades, maior concorrência: são princípios básicos do funcionamento do mercado que podem gerar melhorias no serviço sem tanto custo aos cofres públicos.
A adolescência irresponsável da esquerda
O Estado de S. Paulo
Em nota, PT e mais seis partidos da base
prometem trabalhar para desidratar ainda mais a proposta de arcabouço fiscal.
Fascinados com a possibilidade de gastar, não aceitam limites
No dia 25 de abril, sete partidos de
esquerda – PT, PSB, PDT, PV, PSOL, PCdoB e Rede – publicaram uma nota que
parece ter sido escrita pela oposição, e não por legendas que, a rigor, fazem
parte da base aliada do governo. Em vez de manifestarem apoio à principal
proposta do Executivo apresentada até agora ao Legislativo – o Projeto de Lei
Complementar (PLC) 93/2023, sobre o novo arcabouço fiscal –, elas informam que
vão trabalhar por mudanças no texto. Querem “debater as novas regras fiscais
encaminhadas pelo governo ao Congresso Nacional, de forma a aperfeiçoá-las às
necessidades do programa eleito nas urnas e à reconstrução do País”.
É realmente peculiar o modo de atuar dessas
legendas de esquerda, capitaneadas – eis o paradoxismo máximo – pelo próprio
partido do presidente da República, o PT. Elas estão no governo federal,
chefiam Ministérios, têm filiados presentes em toda a estrutura da União,
participam prioritariamente na distribuição das verbas públicas, mas não querem
a responsabilidade de ser governo. Querem brincar de ser oposição.
O mais estranho é que a proposta de novo
arcabouço fiscal foi cuidadosamente elaborada para atender às demandas e
idiossincrasias dos partidos de esquerda. Trata-se de texto tímido, sem nenhuma
regra especialmente exigente e permeado de exceções liberando o governo para
gastar. Mesmo assim, as sete legendas querem desidratar ainda mais a proposta
no Congresso.
Com esse modo de atuar, os partidos de
esquerda explicitam uma profunda e perigosa imaturidade política. Se nem eles
estão fechados com o texto do governo, quem estará? A proposta de novo
arcabouço fiscal será aprovada por passe de mágica?
Tal atitude de intransigência reitera
também outro velho traço das legendas de esquerda: a incapacidade de diálogo e
de negociação. Em sua pretensão de superioridade moral e de hegemonia política,
elas não conseguem sequer chegar a uma posição consensual com seu próprio
governo. Fica então a pergunta: se agem assim com seus aliados, esses partidos
serão capazes de assumir compromissos com outras forças e grupos políticos?
Sob a aparência de defesa apaixonada de
princípios e posições ideológicas, o que os sete partidos fazem é desautorizar,
na prática, o governo de Lula da Silva. Julgam que o trabalho feito por seu
grupo político não expressa o interesse público, precisando ser modificado para
– assim diz a nota – “levar em conta as necessidades do povo brasileiro”.
A confirmar a grave incompreensão dessa
turma sobre a política e o País, o texto afirma que o tal aperfeiçoamento do
arcabouço fiscal seria necessário para “garantir que seja executado o programa
que nos levou à vitória nas urnas”. É simplesmente acintosa a manipulação da
realidade – talvez fosse mais correto dizer, “explícito negacionismo” – dessa
turma. As eleições de 2022 não deram aval a nenhum programa de governo
irresponsável, menos ainda acolheram as intransigências ideológicas dos partidos
de esquerda. Até mesmo porque Lula da Silva não apresentou nenhum programa de
governo ao eleitor.
Entre todas essas incompreensões,
negacionismos e pretensas espertezas, quem mais sofre é o País. O interesse
público fica desamparado. E os problemas nacionais permanecem à espera de um
mínimo de responsabilidade, que as legendas de esquerda se esforçam em afirmar,
com todas as letras, que não estão dispostas a ter. O fato de elas estarem no
governo não as leva nem mesmo a simular alguma preocupação com as questões
reais que afligem a população. Estão, antes, fascinadas com a oportunidade de
gastarem recursos públicos em seus projetos e em seus rincões. E – como diz a
mensagem da nota conjunta – farão ferrenha oposição a quem queira fixar
limites, exigir alguma racionalidade ou lembrar que o País é um tanto maior que
seus torcidos e limitados interesses.
Que os adultos na sala, especialmente no
Congresso, não se deixem impressionar com as birras dos partidos de esquerda.
Elas são velhas conhecidas – e atendê-las nunca fez o País andar para a frente.
Golpismo não é efeito colateral de remédio
O Estado de S. Paulo
Jair Bolsonaro nunca precisou de
medicamentos para dar vazão aos seus desígnios liberticidas. O problema nem de
longe está no remédio. O problema é o prontuário do paciente
O ex-presidente Jair Bolsonaro escarneceu
da inteligência e da memória de muitos brasileiros ao dizer, durante depoimento
à Polícia Federal (PF), que publicou “por equívoco” em uma rede social um vídeo
que lançava suspeitas infundadas sobre o resultado da eleição. É curioso que um
“equívoco” desses tenha sido cometido logo por Bolsonaro, tido como um ás no
manuseio de smartphones. Mas, vá lá. A explicação dada pelo ex-presidente é que
ele estaria fora de seu juízo normal, “sob tratamento com morfina” para aliviar
fortes dores abdominais. Ora, a farmacologia descreve uma série de efeitos que
o uso de morfina pode provocar no organismo, mas incitação ao golpe não está
entre eles. Ademais, o problema nem de longe está no remédio; está no
prontuário do paciente.
Por mais estapafúrdia que tenha sido a
versão apresentada por Bolsonaro à PF, que investiga a responsabilidade do
ex-presidente pelo 8 de Janeiro, nem original ela é. Não faz muito tempo, a
deputada norte-americana Marjorie Taylor Greene, do Partido Republicano, talvez
a mais fiel adoradora de Donald Trump, publicou vários tuítes de conteúdo
racista, islamofóbico e antissemita. Sob a ameaça de ter de responder por suas
palavras na Justiça, a parlamentar alegou que estaria sob efeito de um
ansiolítico quando fez as publicações. Foi desmentida peremptoriamente pelo
laboratório, sob a alegação de que o tal medicamento poderia apresentar muitos
efeitos colaterais, mas não transformava ninguém em uma pessoa preconceituosa.
É importante considerar que o vídeo
golpista foi publicado por Bolsonaro no dia 10 de janeiro, enquanto ele se
homiziava na Flórida. Veio a público, portanto, apenas 48 horas depois do
assalto às sedes dos Poderes em Brasília perpetrado por uma horda de bolsonaristas
furiosos pela vitória do presidente Lula da Silva. Ou seja, o País mal estava
refeito da mais grave tentativa de subversão da ordem democrática desde a
ditadura militar, enquanto Bolsonaro jogava mais gasolina na fogueira ao
espalhar uma teoria da conspiração segundo a qual a vitória de Lula decorrera
de um conluio entre a cúpula do Poder Judiciário, e não da supremacia da
vontade popular.
Em que pese a extrema gravidade do vídeo,
sobretudo tendo sido difundido por ninguém menos que o candidato derrotado na
eleição, é preciso dar àquela postagem a exata dimensão que ela tem. A
publicação golpista se tratou de uma entre uma infinidade de atitudes e
palavras de Bolsonaro nos últimos quatro anos para desqualificar o sistema
eleitoral brasileiro, seus adversários políticos e as instituições
democráticas, em particular o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE). Nesse sentido, poder-se-ia considerar que Bolsonaro
pudesse mesmo estar atrapalhado das ideias caso, ao invés de publicar o vídeo
que publicou, tivesse publicado outro, de teor diametralmente oposto,
reconhecendo a vitória de seu adversário na eleição. Todo o seu comportamento
ao longo do mandato indicava um desfecho exatamente como aquele a que o País
tristemente assistiu no segundo domingo do ano. A suposta conspirata entre
ministros do STF e do TSE em tudo se coaduna com o discurso de Bolsonaro.
Estranho seria se acaso ele posasse como genuíno democrata.
A versão de Bolsonaro para sua postagem
sediciosa nas redes sociais soa tão abilolada que, talvez, o ex-presidente não
tenha se dado conta de que ele possa ter lançado suspeitas sobre muitos atos de
sua administração. Ora, Bolsonaro assumiu a Presidência depois de ter
sobrevivido a um grave atentado a faca. Logo, já iniciou o mandato fazendo uso
de medicações fortes para dar conta das dores decorrentes daquela agressão e de
uma série de cirurgias.
Seria o caso de suspeitar que algumas de
suas decisões de governo foram tomadas sob efeito desses medicamentos? É
evidente que não. Eis por que o depoimento de Bolsonaro à PF não se prestou a
outra coisa senão a uma tentativa de tirar dos ombros do ex-presidente a
responsabilidade por ter incitado, para dizer o mínimo, uma insurreição contra
sua derrota.
Obstáculos à vacinação
O Estado de S. Paulo
Ampliação da cobertura vacinal requer apoio
às famílias, algo que as escolas podem fazer
O Brasil precisa urgentemente ampliar a
cobertura vacinal de crianças e adolescentes − e farão bem as autoridades
sanitárias se prestarem atenção aos resultados de uma recente pesquisa do
Instituto
Locomotiva. Como noticiou o Estadão, foram
ouvidas duas mil mães em todas as regiões do País, a fim de identificar as
causas de tamanha negligência. Ainda que o negacionismo científico e a
disseminação de informações falsas façam parte do problema, as razões que levam
tantas mães a não vacinar os filhos estão mais ligadas a questões práticas e
logísticas, como falta de tempo, esquecimento e a distância até o posto de
saúde.
Como sabe todo bom gestor, identificar o
problema já é meio caminho andado para sua solução. Ao jogar luz sobre o que
mais trava a vacinação de crianças e adolescentes, a nova pesquisa abre uma
avenida de possibilidades para a atuação do poder público. Os depoimentos das
entrevistadas indicam que os maiores obstáculos não decorrem necessariamente de
desconfianças atávicas nem de receios infundados em relação à eficácia ou à
segurança dos imunizantes − algo que a indústria das fake news explora à
exaustão. Na verdade, os motivos alegados envolvem questões mais concretas e,
por extensão, mais simples de resolver.
Vale reproduzir alguns dos achados da
pesquisa. A razão mais citada para justificar atrasos ou mesmo a não vacinação
de crianças é o puro e simples esquecimento: 50% das entrevistadas, todas elas
com filhos de 15 anos ou menos, relataram não lembrar as datas do calendário de
vacinação; 38% mencionaram a falta de tempo; e 35% fizeram referência ao fato
de morarem longe dos postos de saúde. A falta de confiança no imunizante −
justificativa que pode estar associada a atitudes negacionistas e à influência
de falsas notícias − foi apontada por parcela bem menor de mães: apenas 17%.
Não é preciso ser especialista para
perceber que há espaço para inúmeras estratégias a serem articuladas pelos
governos municipais, estaduais e federal, desde a abertura de postos de saúde
em horários mais flexíveis ou mesmo nos fins de semana até o envio de SMS para
lembrar mães, pais e responsáveis acerca das datas de vacinação dos filhos.
Ademais, é preciso levar em conta as especificidades de cada Estado, cidade e
bairro, como bem realçou o presidente do Departamento de Imunizações da
Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Renato Kfouri: “Precisamos de
múltiplas saídas, pois o motivo que faz alguém não se vacinar não é o mesmo no
Pará, em São Paulo ou no interior do Rio Grande do Sul”, disse ele ao Estadão.
A pesquisa tocou ainda em outro ponto importante: para 88% das entrevistadas, as escolas poderiam facilitar o acesso à vacinação, seja aplicando os imunizantes, seja repassando informações. Nesse sentido, 91% delas afirmaram que provavelmente autorizariam os filhos a receber doses na escola. É evidente que as redes de ensino têm enorme colaboração a dar, e cabe às autoridades da saúde e da educação somar esforços. O Brasil precisa ampliar a vacinação infantil com urgência − um motivo a mais para escutar atentamente o que as mães têm a dizer.
Governo usa subterfúgios para começar a
reduzir juros
Valor Econômico
Falta o governo dizer o que pretende com o
crédito direcionado
Enquanto mantém fogo cerrado de críticas
aos juros altos e à política do Banco Central, o governo abre caminhos furtivos
para baratear o custo dos empréstimos de bancos estatais. Os enormes subsídios
do Tesouro nos créditos do BNDES, o uso dos bancos públicos para impulsionar o
crescimento e a interferência na definição de juros pelo BC compuseram o fim do
governo de Dilma Rousseff com a maior recessão em quase cem anos. Durante
viagem a Portugal, o presidente Lula reafirmou que bancos estatais terão a
mesma função.
A primeira iniciativa foi mudar o indexador
dos empréstimos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
repassados pela Finep. Saiu a Taxa de Longo prazo, criada em 2018 para
substituir a TJLP, muito abaixo da taxa Selic, principal instrumento do BC para
manter a inflação sob controle e na meta. Já em seus primeiros pronunciamentos,
o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, disse que uma de suas prioridades
era ter outros indexadores para o crédito além da TLP.
Logo em seguida veio uma manobra mais
explícita com o mesmo objetivo. O líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE),
relator de Medida Provisória que altera o Programa de Retomada do Setor de
Eventos (Perse), acolheu um “jabuti” - tema que nada tinha a ver com o texto da
MP - e substituiu a TLP pela TR também dos recursos do FAT repassados pelo
BNDES em financiamentos à inovação e digitalização. O benefício, segundo o que
foi aprovado, ficará limitado a 1,5% dos repasses do fundo, embora o percentual
possa ser mudado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
A diferença de custo que a mudança traz é
enorme. Em março, as taxas médias para capital de giro do BNDES eram de 15,3%,
para capital de giro, 14,7% para financiamentos e investimentos, de 10,2% para
a agroindústria. O custo médio do crédito fornecido pelo banco foi de 14,5% ao
ano. A TR, nos doze meses encerrados em março, foi de 2,01%. No ano, acumula
0,53%.
A taxa de juros real é sem dúvida muito
alta (ao redor de 8%) e, ao contrário do que parecem indicar os protestos do PT
e do governo, não vai durar para sempre, mas o tempo suficiente para que a
inflação volte aos limites estabelecidos para a meta, ainda que isso possa
atrapalhar os planos políticos do Executivo. Seu objetivo é frear a economia,
entre outros meios encarecendo e reduzindo os empréstimos. O custo médio do
crédito com recursos livres para as empresas no mês passado foi de 24,1% e para
as pessoas físicas, a enormidade de 58,3% ao ano. O custo do crédito de todas
as fontes, livres e direcionadas, foi de 22,3%.
Diante disso, a TLP usada como baliza dos
empréstimos do BNDES é a menor da praça, ainda que proibitiva de investimentos
de curto prazo. A TLP custa IPCA mais a variação trimestral da NTN-B de 5 anos.
O problema é que a inflação ainda é alta, assim como as expectativas, que se
espraiam nas taxas de longo prazo. De qualquer forma, a TLP tem um custo um
pouco superior ao de captação do Tesouro, enquanto que a TJLP era muito
inferior e tinha em si altos subsídios.
Além disso, não há abundância de recursos
no FAT. Ele banca o seguro desemprego, o abono salarial e financiamentos dos
BNDES, e o governo colocou novos programas sob sua responsabilidade, com gastos
adicionais de R$ 4,6 bilhões, de forma que o fundo, baseado nos recursos do
PIS-Pasep, voltará ao vermelho em 2023, com carência de R$ 5,1 bilhões. As
projeções no PLDO indicam resultados negativos até 2026 (Folha de S. Paulo, 23
de abril). O BNDES tinha no fim de 2022 operações de crédito com base nos
recursos do FAT de R$ 305,5 bilhões. Os juros desse dinheiro são baseados na
TJLP e na TLP, e uma parte dele será indexado à irrisória Taxa de Referência
(TR).
Subsídios nas mãos de governos petistas se
mostraram desastrosos. É possível incentivar setores sem os quais o país não
avançará no futuro, mas sua escolha é complexa e deve ser precedida de debates
amplos sobre os objetivos a se alcançar no médio e longo prazos. Os recursos à
disposição do Estado sempre foram escassos, caros, e precisam ser bem
empregados. Cobrar TR no crédito do BNDES hoje é quase como fornecer dinheiro
de graça. É preciso justificar sua necessidade e indicar o rumo das políticas
das quais ele faz parte, e não escondê-lo em um “jabuti” em uma MP que não
trata disso. Como tantas outras definições, falta o governo dizer o que
pretende com o crédito direcionado - como agiu, parece uma volta ao passado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário