sexta-feira, 28 de abril de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Caso Telegram reforça urgência de PL das Fake News

O Globo

Justiça ordenou suspensão do aplicativo por recusa em revelar à PF integrantes de grupo neonazista

O histórico recente do Telegram no Brasil dava a entender que a empresa dona do aplicativo de mensagens, antes sem representante no país e resistente a obedecer a ordens da Justiça, havia se emendado. Mas na quarta-feira a Justiça Federal se viu obrigada a atender a um pedido da Polícia Federal (PF) para suspender o Telegram em todo o país. O episódio demonstra perfeitamente por que é tão urgente a aprovação do Projeto de Lei (PL) das Fake News, cuja votação está prevista para a semana que vem.

O Telegram cumpriu apenas parcialmente a decisão judicial para que entregasse à PF dados sobre conteúdos neonazistas acessados pelo assassino de 16 anos que matou quatro pessoas e feriu 12 em ataque a duas escolas em Aracruz (ES) no final do ano passado. A 1ª Vara Federal de Linhares impôs multa diária de R$ 1 milhão até a empresa entregar todas as informações. Na investigação, a PF constatou que o assassino interagia, via Telegram, com os neonazistas. Nas mensagens, havia textos de teor antissemita e descrições de como matar com as próprias mãos.

É injustificável que o Telegram permita a transmissão em massa desse tipo de conteúdo, sob a alegação de se tratar de comunicação privada. A decisão de repassar à PF apenas dados do administrador do grupo, mas não de seus integrantes, é um acinte às famílias dos mortos: as professoras Maria da Penha Pereira Banhos, Cybelle Lara e Flávia Leonardo — alvejadas na Escola Estadual Primo Bitti — e a estudante Selena Sagrillo, 12 anos, morta no Centro Educacional Praia de Coqueiral.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, mostrou estar atento ao dizer que os grupos neonazistas ativos nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens são a “base da violência contra nossas crianças”. Na semana passada, ele anunciara a abertura de um processo administrativo contra o Telegram depois de a empresa desrespeitar o prazo dado pelo governo para que as plataformas digitais informassem os mecanismos usados para barrar a circulação de conteúdos ilegais.

Não é a primeira vez que o Telegram faz pouco-caso das autoridades brasileiras. Em março de 2022, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes teve de determinar a suspensão do serviço no Brasil para a empresa enfim se manifestar sobre as regras para combater a desinformação durante a campanha eleitoral. Na ocasião, Pavel Durov, fundador do Telegram, deu uma desculpa inverossímil para ter ignorado o Judiciário brasileiro. Disse que o endereço de e-mail usado pelo STF não funcionava mais. Em janeiro, o Telegram foi multado em R$ 1,2 milhão por descumprir ordem judicial para bloquear o canal de um deputado que incentivou atos golpistas.

O Telegram se comporta como se operasse numa terra sem lei. Se o PL das Fake News já estivesse em vigor, não poderia se esconder atrás do biombo mambembe da defesa da liberdade de expressão. Teria de cumprir o “dever de cuidado” pelo conteúdo ilegal que faz circular, em vez de dar de ombros aos riscos, como a maioria das plataformas digitais. É urgente que o Congresso ajude a aprimorar a legislação com o intuito de civilizar o espaço digital que hoje dá guarida a preconceito, desinformação e conspirações macabras. Quem permite a divulgação na internet de discursos e informações ilegais que resultam em crimes hediondos como os massacres nas escolas deve ser considerado cúmplice.

Crise argentina revela consequências nefastas do populismo econômico

O Globo

Eleição mais relevante em décadas definirá futuro de país incapaz de enfrentar sua insolvência crônica

As crises econômica e política se misturam na Argentina. No domingo, o presidente Alberto Fernández anunciou que não tentará a reeleição em 22 de outubro. Com menos de 20% de aprovação, juntou-se à vice-presidente, a também peronista Cristina Kirchner, e ao ex-presidente Mauricio Macri, de centro-direita, que já haviam decidido não participar das primárias previstas para agosto. Enquanto isso, o dólar em disparada passa de 500 pesos no câmbio paralelo, 120% acima do oficial. A inflação acumulada em 12 meses rompeu os 100%.

Ninguém arrisca dizer o que será do país. A Argentina anda em círculos desde o fim da ditadura militar, em 1983. A política cambial fixa do governo Carlos Menem debelou a inflação, mas o câmbio artificial fracassou, ao pôr em risco uma economia essencialmente exportadora. As eleições deste ano se mostram as mais importantes para o futuro desde o naufrágio do governo Fernando de la Rúa no final do século passado, cujos reflexos ainda se fazem sentir.

Em nenhum momento os argentinos levaram a sério a insolvência crônica do Estado e jamais equacionaram o endividamento explosivo, interno e externo. O país vai, de calote em calote, depositando confiança nas soluções mágicas de economistas heterodoxos a serviço dos diversos matizes de peronismo. Mesmo o governo Macri, que prometia resgatar a sanidade monetária e fiscal, fracassou por ceder às pressões.

Agora, com o peronismo mais dividido que nunca e a crise econômica, a direita populista ganha espaço. O economista e deputado Javier Milei se inspira em Jair Bolsonaro e Donald Trump para avançar no eleitorado. A ex-ministra Patricia Bullrich, dos governos De la Rúa e Macri, aparece como alternativa à direita. Os peronistas deverão lançar candidato o ministro da Economia, Sergio Massa. Quem quer que vença terá o desafio de revigorar um país falido.

A Argentina assinou no ano passado um acordo com o FMI — o 13º desde a redemocratização — para reestruturar sua dívida externa e evitar que a inflação disparasse. Não funcionou. Para complicar, o país enfrenta a pior seca desde 1929, um desastre para a agricultura e para as exportações. Estão garantidas, portanto, a escassez de divisas e mais pressão inflacionária. No mês passado, em cumprimento ao acordo em vigor, o FMI liberou US$ 5,4 bilhões. Mas não se vê, da parte do governo, nem sinal da austeridade necessária para resgatar as finanças públicas e reconquistar a confiança.

Em vez disso, Massa diz que usará “todas as ferramentas” disponíveis para estabilizar a economia. Tradução: quer reivindicar do FMI condições mais suaves no ajuste das contas públicas. Provavelmente para descumpri-las, como tem sido frequente na História recente. Conflagrada por diferentes tons de populismo, a campanha eleitoral será tensa. Maior parceiro do Brasil na América Latina, a Argentina também é um alerta, contraexemplo mostrando tudo o que pode dar errado quando se acredita em fábulas econômicas e se desafia a realidade fiscal.

Esgoto para todos

Folha de S. Paulo

Saída para impasse em torno do marco do saneamento é derrubar decretos de Lula

O maior retrocesso na regulação econômica e setorial patrocinado até agora pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi a revisão de pontos essenciais do marco legal do saneamento, aprovado em 2020 pelo Congresso Nacional.

Por meio de dois decretos, a atual gestão alterou dispositivos da legislação em favor de empresas estatais, que ganharam prazo e condições mais permissivas para comprovar capacidade financeira e, assim, manter seus contratos sem necessidade de licitação.

Foi eliminada ainda a exigência de concorrência para a prestação de serviços em regiões metropolitanas, e estendido para 2025 o prazo para a formação de blocos regionais que deverão agregar municípios e garantir atendimento a todos.

Por fim, o governo ampliou de 25% para 100% o limite para a formação de parcerias público-privadas, com o argumento de que haverá mais oportunidades para a formatação de contratos, além da prestação privada onde as estatais não mostrarem capacidade.

Na prática, contudo, abriu-se espaço ilimitado para que estatais ineficientes continuem atuando como intermediárias nos contratos, com os problemas de sempre.

Em suma, elementos centrais do marco foram enfraquecidos, o que coloca em risco a atração de investimentos e a meta de universalização da coleta de esgoto até 2033.

A alteração tão profunda numa lei recente, com resultados iniciais palpáveis e sem consulta ao Legislativo, provocou a compreensível reação de parlamentares.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), indicou prazo de uma semana para que o Planalto reveja seus decretos, sob pena de deixar prosperar a votação de um decreto legislativo para sustar as novas regras.

Embora haja chance de derrota do governo, dadas as insatisfações que ainda grassam na Casa legislativa com atrasos na liberação de verbas e desorganização na articulação política, não é claro que o Senado alimente a mesma disposição. Por ora o Planalto resiste em voltar atrás.

Lira e outros parlamentares, ademais, já defendiam o que chamam de aperfeiçoamentos na lei, em especial na formação de blocos regionais, certamente movidos por interesses locais. O risco, nesse caso, seria uma reabertura ampla e indesejável das discussões, que pode resultar em mais danos e instabilidade das regras.

O melhor para o setor, sem dúvida, é a manutenção dos dispositivos da lei aprovada em 2020. Há que deixar para trás o estatismo e o corporativismo que hoje mantêm quase metade da população brasileira sem acesso a redes de esgoto —um direito básico e um serviço essencial para a saúde pública.

Quem paga o ônibus

Folha de S. Paulo

Distorções do transporte municipal elevam custos para contribuintes paulistanos

Se a passagem no transporte público em São Paulo está congelada em R$ 4,40 desde 2020, e se parte da população da capital tem gratuidade, é porque a prefeitura paga subsídios às empresas que prestam o serviço. E paga caro.

Em 2021, foram R$ 3,4 bilhões, e o montante saltou para pouco mais de R$ 5,1 bilhões no ano passado. Aplicando a correção dos valores pelo IPCA, o aumento em apenas um ano foi de 40,5%. O aporte público —isto é, bancado pelos contribuintes— preenche um déficit já intrínseco ao sistema.

Segundo relatório da SPTrans, empresa que gerencia o transporte público municipal, a receita total obtida pelo serviço de ônibus subiu 19% entre 2021 e 2022, passando de R$ 4,3 bilhões para R$ 5,1 bilhões. Entretanto o custo do sistema passou de R$ 7,8 bilhões para R$ 10,3 bilhões, o que representa uma alta de quase 32,1%.

A SPTrans atribui o avanço da subvenção à queda da quantidade de passageiros a partir da pandemia de Covid-19. Embora o número de embarques tenha crescido cerca de 23% entre 2021 e 2022 (de 1,67 bilhão para 2,05 bilhões), ainda não alcançou o patamar de 2,6 bilhões em 2019.

Acrescenta-se na conta o impacto do preço do diesel, que aumentou 74% no período.

Mesmo considerando as dificuldades da conjuntura econômica e da emergência sanitária, é fato que a manutenção artificial do preço da passagem e a falta de critérios na gratuidade causam distorções que precisam ser pagas com dinheiro dos contribuintes, tanto ricos como pobres. Em bom português, não existe transporte grátis.

A subvenção pelo poder público é socialmente correta, mas devem-se estabelecer prioridades, sendo o parâmetro de renda preferível aos demais, incluindo idade dos beneficiários.

Além disso, para renovar a frota, implementar novas tecnologias e redesenhar as linhas de modo a aumentar a eficiência do sistema e o número de passageiros, é fundamental enfrentar o oligopólio dos ônibus na capital. Para isso, o excesso de exigências para que novas e pequenas empresas adentrem na operação por meio de licitação precisa ser revisto.

Mais transparência, ajustes periódicos de tarifas, revisão de gratuidades, maior concorrência: são princípios básicos do funcionamento do mercado que podem gerar melhorias no serviço sem tanto custo aos cofres públicos.

A adolescência irresponsável da esquerda

O Estado de S. Paulo

Em nota, PT e mais seis partidos da base prometem trabalhar para desidratar ainda mais a proposta de arcabouço fiscal. Fascinados com a possibilidade de gastar, não aceitam limites

No dia 25 de abril, sete partidos de esquerda – PT, PSB, PDT, PV, PSOL, PCdoB e Rede – publicaram uma nota que parece ter sido escrita pela oposição, e não por legendas que, a rigor, fazem parte da base aliada do governo. Em vez de manifestarem apoio à principal proposta do Executivo apresentada até agora ao Legislativo – o Projeto de Lei Complementar (PLC) 93/2023, sobre o novo arcabouço fiscal –, elas informam que vão trabalhar por mudanças no texto. Querem “debater as novas regras fiscais encaminhadas pelo governo ao Congresso Nacional, de forma a aperfeiçoá-las às necessidades do programa eleito nas urnas e à reconstrução do País”.

É realmente peculiar o modo de atuar dessas legendas de esquerda, capitaneadas – eis o paradoxismo máximo – pelo próprio partido do presidente da República, o PT. Elas estão no governo federal, chefiam Ministérios, têm filiados presentes em toda a estrutura da União, participam prioritariamente na distribuição das verbas públicas, mas não querem a responsabilidade de ser governo. Querem brincar de ser oposição.

O mais estranho é que a proposta de novo arcabouço fiscal foi cuidadosamente elaborada para atender às demandas e idiossincrasias dos partidos de esquerda. Trata-se de texto tímido, sem nenhuma regra especialmente exigente e permeado de exceções liberando o governo para gastar. Mesmo assim, as sete legendas querem desidratar ainda mais a proposta no Congresso.

Com esse modo de atuar, os partidos de esquerda explicitam uma profunda e perigosa imaturidade política. Se nem eles estão fechados com o texto do governo, quem estará? A proposta de novo arcabouço fiscal será aprovada por passe de mágica?

Tal atitude de intransigência reitera também outro velho traço das legendas de esquerda: a incapacidade de diálogo e de negociação. Em sua pretensão de superioridade moral e de hegemonia política, elas não conseguem sequer chegar a uma posição consensual com seu próprio governo. Fica então a pergunta: se agem assim com seus aliados, esses partidos serão capazes de assumir compromissos com outras forças e grupos políticos?

Sob a aparência de defesa apaixonada de princípios e posições ideológicas, o que os sete partidos fazem é desautorizar, na prática, o governo de Lula da Silva. Julgam que o trabalho feito por seu grupo político não expressa o interesse público, precisando ser modificado para – assim diz a nota – “levar em conta as necessidades do povo brasileiro”.

A confirmar a grave incompreensão dessa turma sobre a política e o País, o texto afirma que o tal aperfeiçoamento do arcabouço fiscal seria necessário para “garantir que seja executado o programa que nos levou à vitória nas urnas”. É simplesmente acintosa a manipulação da realidade – talvez fosse mais correto dizer, “explícito negacionismo” – dessa turma. As eleições de 2022 não deram aval a nenhum programa de governo irresponsável, menos ainda acolheram as intransigências ideológicas dos partidos de esquerda. Até mesmo porque Lula da Silva não apresentou nenhum programa de governo ao eleitor.

Entre todas essas incompreensões, negacionismos e pretensas espertezas, quem mais sofre é o País. O interesse público fica desamparado. E os problemas nacionais permanecem à espera de um mínimo de responsabilidade, que as legendas de esquerda se esforçam em afirmar, com todas as letras, que não estão dispostas a ter. O fato de elas estarem no governo não as leva nem mesmo a simular alguma preocupação com as questões reais que afligem a população. Estão, antes, fascinadas com a oportunidade de gastarem recursos públicos em seus projetos e em seus rincões. E – como diz a mensagem da nota conjunta – farão ferrenha oposição a quem queira fixar limites, exigir alguma racionalidade ou lembrar que o País é um tanto maior que seus torcidos e limitados interesses.

Que os adultos na sala, especialmente no Congresso, não se deixem impressionar com as birras dos partidos de esquerda. Elas são velhas conhecidas – e atendê-las nunca fez o País andar para a frente.

Golpismo não é efeito colateral de remédio

O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro nunca precisou de medicamentos para dar vazão aos seus desígnios liberticidas. O problema nem de longe está no remédio. O problema é o prontuário do paciente

O ex-presidente Jair Bolsonaro escarneceu da inteligência e da memória de muitos brasileiros ao dizer, durante depoimento à Polícia Federal (PF), que publicou “por equívoco” em uma rede social um vídeo que lançava suspeitas infundadas sobre o resultado da eleição. É curioso que um “equívoco” desses tenha sido cometido logo por Bolsonaro, tido como um ás no manuseio de smartphones. Mas, vá lá. A explicação dada pelo ex-presidente é que ele estaria fora de seu juízo normal, “sob tratamento com morfina” para aliviar fortes dores abdominais. Ora, a farmacologia descreve uma série de efeitos que o uso de morfina pode provocar no organismo, mas incitação ao golpe não está entre eles. Ademais, o problema nem de longe está no remédio; está no prontuário do paciente.

Por mais estapafúrdia que tenha sido a versão apresentada por Bolsonaro à PF, que investiga a responsabilidade do ex-presidente pelo 8 de Janeiro, nem original ela é. Não faz muito tempo, a deputada norte-americana Marjorie Taylor Greene, do Partido Republicano, talvez a mais fiel adoradora de Donald Trump, publicou vários tuítes de conteúdo racista, islamofóbico e antissemita. Sob a ameaça de ter de responder por suas palavras na Justiça, a parlamentar alegou que estaria sob efeito de um ansiolítico quando fez as publicações. Foi desmentida peremptoriamente pelo laboratório, sob a alegação de que o tal medicamento poderia apresentar muitos efeitos colaterais, mas não transformava ninguém em uma pessoa preconceituosa.

É importante considerar que o vídeo golpista foi publicado por Bolsonaro no dia 10 de janeiro, enquanto ele se homiziava na Flórida. Veio a público, portanto, apenas 48 horas depois do assalto às sedes dos Poderes em Brasília perpetrado por uma horda de bolsonaristas furiosos pela vitória do presidente Lula da Silva. Ou seja, o País mal estava refeito da mais grave tentativa de subversão da ordem democrática desde a ditadura militar, enquanto Bolsonaro jogava mais gasolina na fogueira ao espalhar uma teoria da conspiração segundo a qual a vitória de Lula decorrera de um conluio entre a cúpula do Poder Judiciário, e não da supremacia da vontade popular.

Em que pese a extrema gravidade do vídeo, sobretudo tendo sido difundido por ninguém menos que o candidato derrotado na eleição, é preciso dar àquela postagem a exata dimensão que ela tem. A publicação golpista se tratou de uma entre uma infinidade de atitudes e palavras de Bolsonaro nos últimos quatro anos para desqualificar o sistema eleitoral brasileiro, seus adversários políticos e as instituições democráticas, em particular o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nesse sentido, poder-se-ia considerar que Bolsonaro pudesse mesmo estar atrapalhado das ideias caso, ao invés de publicar o vídeo que publicou, tivesse publicado outro, de teor diametralmente oposto, reconhecendo a vitória de seu adversário na eleição. Todo o seu comportamento ao longo do mandato indicava um desfecho exatamente como aquele a que o País tristemente assistiu no segundo domingo do ano. A suposta conspirata entre ministros do STF e do TSE em tudo se coaduna com o discurso de Bolsonaro. Estranho seria se acaso ele posasse como genuíno democrata.

A versão de Bolsonaro para sua postagem sediciosa nas redes sociais soa tão abilolada que, talvez, o ex-presidente não tenha se dado conta de que ele possa ter lançado suspeitas sobre muitos atos de sua administração. Ora, Bolsonaro assumiu a Presidência depois de ter sobrevivido a um grave atentado a faca. Logo, já iniciou o mandato fazendo uso de medicações fortes para dar conta das dores decorrentes daquela agressão e de uma série de cirurgias.

Seria o caso de suspeitar que algumas de suas decisões de governo foram tomadas sob efeito desses medicamentos? É evidente que não. Eis por que o depoimento de Bolsonaro à PF não se prestou a outra coisa senão a uma tentativa de tirar dos ombros do ex-presidente a responsabilidade por ter incitado, para dizer o mínimo, uma insurreição contra sua derrota.

Obstáculos à vacinação

O Estado de S. Paulo

Ampliação da cobertura vacinal requer apoio às famílias, algo que as escolas podem fazer

O Brasil precisa urgentemente ampliar a cobertura vacinal de crianças e adolescentes − e farão bem as autoridades sanitárias se prestarem atenção aos resultados de uma recente pesquisa do Instituto

Locomotiva. Como noticiou o Estadão, foram ouvidas duas mil mães em todas as regiões do País, a fim de identificar as causas de tamanha negligência. Ainda que o negacionismo científico e a disseminação de informações falsas façam parte do problema, as razões que levam tantas mães a não vacinar os filhos estão mais ligadas a questões práticas e logísticas, como falta de tempo, esquecimento e a distância até o posto de saúde.

Como sabe todo bom gestor, identificar o problema já é meio caminho andado para sua solução. Ao jogar luz sobre o que mais trava a vacinação de crianças e adolescentes, a nova pesquisa abre uma avenida de possibilidades para a atuação do poder público. Os depoimentos das entrevistadas indicam que os maiores obstáculos não decorrem necessariamente de desconfianças atávicas nem de receios infundados em relação à eficácia ou à segurança dos imunizantes − algo que a indústria das fake news explora à exaustão. Na verdade, os motivos alegados envolvem questões mais concretas e, por extensão, mais simples de resolver.

Vale reproduzir alguns dos achados da pesquisa. A razão mais citada para justificar atrasos ou mesmo a não vacinação de crianças é o puro e simples esquecimento: 50% das entrevistadas, todas elas com filhos de 15 anos ou menos, relataram não lembrar as datas do calendário de vacinação; 38% mencionaram a falta de tempo; e 35% fizeram referência ao fato de morarem longe dos postos de saúde. A falta de confiança no imunizante − justificativa que pode estar associada a atitudes negacionistas e à influência de falsas notícias − foi apontada por parcela bem menor de mães: apenas 17%.

Não é preciso ser especialista para perceber que há espaço para inúmeras estratégias a serem articuladas pelos governos municipais, estaduais e federal, desde a abertura de postos de saúde em horários mais flexíveis ou mesmo nos fins de semana até o envio de SMS para lembrar mães, pais e responsáveis acerca das datas de vacinação dos filhos. Ademais, é preciso levar em conta as especificidades de cada Estado, cidade e bairro, como bem realçou o presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Renato Kfouri: “Precisamos de múltiplas saídas, pois o motivo que faz alguém não se vacinar não é o mesmo no Pará, em São Paulo ou no interior do Rio Grande do Sul”, disse ele ao Estadão.

A pesquisa tocou ainda em outro ponto importante: para 88% das entrevistadas, as escolas poderiam facilitar o acesso à vacinação, seja aplicando os imunizantes, seja repassando informações. Nesse sentido, 91% delas afirmaram que provavelmente autorizariam os filhos a receber doses na escola. É evidente que as redes de ensino têm enorme colaboração a dar, e cabe às autoridades da saúde e da educação somar esforços. O Brasil precisa ampliar a vacinação infantil com urgência − um motivo a mais para escutar atentamente o que as mães têm a dizer.

Governo usa subterfúgios para começar a reduzir juros

Valor Econômico

Falta o governo dizer o que pretende com o crédito direcionado

Enquanto mantém fogo cerrado de críticas aos juros altos e à política do Banco Central, o governo abre caminhos furtivos para baratear o custo dos empréstimos de bancos estatais. Os enormes subsídios do Tesouro nos créditos do BNDES, o uso dos bancos públicos para impulsionar o crescimento e a interferência na definição de juros pelo BC compuseram o fim do governo de Dilma Rousseff com a maior recessão em quase cem anos. Durante viagem a Portugal, o presidente Lula reafirmou que bancos estatais terão a mesma função.

A primeira iniciativa foi mudar o indexador dos empréstimos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico repassados pela Finep. Saiu a Taxa de Longo prazo, criada em 2018 para substituir a TJLP, muito abaixo da taxa Selic, principal instrumento do BC para manter a inflação sob controle e na meta. Já em seus primeiros pronunciamentos, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, disse que uma de suas prioridades era ter outros indexadores para o crédito além da TLP.

Logo em seguida veio uma manobra mais explícita com o mesmo objetivo. O líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE), relator de Medida Provisória que altera o Programa de Retomada do Setor de Eventos (Perse), acolheu um “jabuti” - tema que nada tinha a ver com o texto da MP - e substituiu a TLP pela TR também dos recursos do FAT repassados pelo BNDES em financiamentos à inovação e digitalização. O benefício, segundo o que foi aprovado, ficará limitado a 1,5% dos repasses do fundo, embora o percentual possa ser mudado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

A diferença de custo que a mudança traz é enorme. Em março, as taxas médias para capital de giro do BNDES eram de 15,3%, para capital de giro, 14,7% para financiamentos e investimentos, de 10,2% para a agroindústria. O custo médio do crédito fornecido pelo banco foi de 14,5% ao ano. A TR, nos doze meses encerrados em março, foi de 2,01%. No ano, acumula 0,53%.

A taxa de juros real é sem dúvida muito alta (ao redor de 8%) e, ao contrário do que parecem indicar os protestos do PT e do governo, não vai durar para sempre, mas o tempo suficiente para que a inflação volte aos limites estabelecidos para a meta, ainda que isso possa atrapalhar os planos políticos do Executivo. Seu objetivo é frear a economia, entre outros meios encarecendo e reduzindo os empréstimos. O custo médio do crédito com recursos livres para as empresas no mês passado foi de 24,1% e para as pessoas físicas, a enormidade de 58,3% ao ano. O custo do crédito de todas as fontes, livres e direcionadas, foi de 22,3%.

Diante disso, a TLP usada como baliza dos empréstimos do BNDES é a menor da praça, ainda que proibitiva de investimentos de curto prazo. A TLP custa IPCA mais a variação trimestral da NTN-B de 5 anos. O problema é que a inflação ainda é alta, assim como as expectativas, que se espraiam nas taxas de longo prazo. De qualquer forma, a TLP tem um custo um pouco superior ao de captação do Tesouro, enquanto que a TJLP era muito inferior e tinha em si altos subsídios.

Além disso, não há abundância de recursos no FAT. Ele banca o seguro desemprego, o abono salarial e financiamentos dos BNDES, e o governo colocou novos programas sob sua responsabilidade, com gastos adicionais de R$ 4,6 bilhões, de forma que o fundo, baseado nos recursos do PIS-Pasep, voltará ao vermelho em 2023, com carência de R$ 5,1 bilhões. As projeções no PLDO indicam resultados negativos até 2026 (Folha de S. Paulo, 23 de abril). O BNDES tinha no fim de 2022 operações de crédito com base nos recursos do FAT de R$ 305,5 bilhões. Os juros desse dinheiro são baseados na TJLP e na TLP, e uma parte dele será indexado à irrisória Taxa de Referência (TR).

Subsídios nas mãos de governos petistas se mostraram desastrosos. É possível incentivar setores sem os quais o país não avançará no futuro, mas sua escolha é complexa e deve ser precedida de debates amplos sobre os objetivos a se alcançar no médio e longo prazos. Os recursos à disposição do Estado sempre foram escassos, caros, e precisam ser bem empregados. Cobrar TR no crédito do BNDES hoje é quase como fornecer dinheiro de graça. É preciso justificar sua necessidade e indicar o rumo das políticas das quais ele faz parte, e não escondê-lo em um “jabuti” em uma MP que não trata disso. Como tantas outras definições, falta o governo dizer o que pretende com o crédito direcionado - como agiu, parece uma volta ao passado.

 

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