terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Míriam Leitão - Os elos do golpe e o risco restante

O Globo

O país correu riscos porque foram mantidos em posições estratégicas oficiais que conspiraram contra a democracia

O risco de um golpe militar não acabou no fim do governo Bolsonaro e nem está afastado ainda. É preciso saber melhor as circunstâncias que abortaram a trama e os elementos que permanecem em sedição contra a democracia dentro das Forças Armadas. O coronel Bernardo Romão Correa Neto, que foi preso no domingo ao voltar para o Brasil, é da ativa e foi protegido ao ser enviado para um curso no Colégio Interamericano de Defesa, no qual ficaria até 2025. O general quatro estrelas Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira permaneceu nas Forças Armadas por mais um ano em posição estratégica de comando de tropas.

O coronel Correa Neto está preso entre os seus. Foi detido pela Polícia Federal no aeroporto e entregue à polícia do Exército. Dos três passaportes que possuía, um era diplomático. Ele ganhou um curso de aperfeiçoamento no exterior, pago com os nossos impostos, depois de ter feito o que fez. O coronel, como mostrou a operação Tempos Veritatis, combinou diretamente com Mauro Cid a reunião com os kids pretos, os militares formados nas Forças Especiais. Ele quebrou a hierarquia, passou por cima dos seus comandantes imediatos, falou diretamente com o ajudante de ordens do presidente, intermediou reunião de militares da ativa, selecionando apenas os da linha dura, nos preparativos de um golpe de estado. E, mesmo assim, foi enviado para um curso nos Estados Unidos.

Há muitos sinais de que o contágio das Forças Armadas pelo golpismo atravessou o dia da posse. As transições de comando mostraram isso. Houve apenas uma mudança normal, a da Aeronáutica. O general Freire Gomes saiu antes, passando ao general Arruda, que hoje é um dos investigados. Entre outros sinais da permanência do golpismo está a insistência do primeiro comandante do Exército do governo Lula, general Júlio César Arruda, de manter a decisão de entregar o estratégico Batalhão de Operações Especiais, sediado em Goiânia, para o coronel Mauro Cid. Sediado em Goiânia, o batalhão é o que logisticamente está mais próximo a Brasília. O almirante Almir Garnier foi o comandante mais explícito em sua insubordinação, ao sequer ir à transmissão do posto para o almirante Marcos Olsen, apesar de ter se deixado ver em outros eventos no mesmo dia.

Em conversas que tive recentemente com oficiais generais nas três Forças, e que relatei aqui na coluna de 24 de dezembro, o que eu ouvi é que sim houve contaminação de parte das Forças Armadas pelas ideias do bolsonarismo. Mas eles também disseram que houve contenção desse fenômeno no governo Lula, principalmente depois do 8 de janeiro, quando ficou explícita a ilegalidade embutida no projeto do governante derrotado nas urnas. Sobre a apuração do que houve dentro das Forças, a posição defendida pelos militares é que seria necessário aguardar as apurações do processo comandado pelo ministro Alexandre de Moraes.

O país correu riscos porque foram mantidos em posições estratégicas oficiais que conspiraram contra a democracia. O caso mais evidente é o do general Estevam Cals Theóphilo, que assumiu o comando das Operações Terrestres em 30 de março de 2022. Não foi colocado lá por acaso, evidentemente. E só saiu do cargo em 30 de novembro de 2023 quando foi para a reserva. Essa permanência é perigosa e dela não sabemos todas as ramificações. Que outros oficiais estiveram dispostos a entrar numa trama para derrubar o regime democrático e que ainda estão em postos importantes com seus ideais? E que perigo o acobertamento ainda representa para a democracia?

O golpe fracassou porque havia militares legalistas. Alguns por convicção, como o general Tomás, outros por talvez avaliarem que o balanço de risco era negativo. O general Freire Gomes acompanhou a redação da minuta do golpe até recuar. E foi chamado de “cagão” pelo conspirador general Braga Netto. O brigadeiro Batista Jr, alvo também de Braga Netto — “senta o pau no Batista”— foi o mesmo que defendeu a nota que ameaçou a CPI da Covid quando a investigação se aproximava dos militares. Na época, em entrevista a Tânia Monteiro para O Globo, deixou uma frase pendendo sobre nossas cabeças. Perguntado se a nota era ameaça, ele respondeu, “homem armado não ameaça”.

Esse é o ponto em que estamos. Muito ainda a entender sobre circunstâncias e permanências dos riscos.

 

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