Folha de S. Paulo
Polarização protege líderes de denúncias,
como a entrevista que precipitou impeachment de Collor em 1992
Fernando
Collor de Mello está preso.
Por corrupção.
Não como consequência de atos cometidos durante sua Presidência (1990-92), mas
por material mais recente —um dos poucos braços da Operação
Lava Jato que não foi anulado pelo STF—, dos tempos de
senador (2007-23).
Collor, como se sabe, sofreu impeachment, isto é, foi condenado politicamente pelo Senado, mas escapou da condenação penal. Em 1994, a maioria do STF entendeu que as provas apresentadas eram insuficientes para um veredicto de culpado.
Na ocasião, o mundo jurídico foi mais cético
do que o político, o que faz sentido do ponto de vista das instituições. Você
só manda alguém para a cadeia se sua culpa tiver sido demonstrada para além da
"dúvida razoável". Tal exigência não é necessária em juízos
políticos.
Collor caiu porque seu governo produziu uma
grave crise econômica que derrubou sua popularidade —e esse é o pano de fundo
de qualquer impeachment. Mas o
que deflagrou o processo foi a entrevista que Pedro Collor, irmão do
presidente, deu à revista Veja na qual ele detalhava histórias de corrupção.
Exceto pela tropa de choque collorida, todo mundo acreditou que Pedro dizia a
verdade, ao menos em linhas gerais.
Nos dias de hoje uma entrevista, ou qualquer
outra denúncia, seria capaz de fazer tamanho estrago? Meu palpite é que não.
Vivemos tempos de grande ceticismo político.
Por causa da polarização, adversários de um
determinado líder político já o consideram culpado antes mesmo de ele cometer
qualquer crime, mas não há nível de evidência que convença seus partidários de
que ele delinquiu. Denúncias, às vezes muito bem escoradas em outras provas,
mal fazem cócegas em sua popularidade/rejeição.
Ceticismo é fundamental. Sem ele, ainda
estaríamos presos às crenças animistas de nossos ancestrais. Mas, quando ele
vem em excesso, pode nos levar ao solipsismo, que nos faz duvidar até de que
existam outras mentes além da nossa. Precisamos do ceticismo, mas em doses que
o tornem saudável em vez de patológico.
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