O Globo
Só a reação interna pode deter o presidente
americano. Além da sabedoria e da paciência milenares dos chineses
Da posse de Trump até ontem, o valor das
companhias americanas listadas em Bolsas caiu cerca de 10%. É coisa de trilhões
de dólares. Afeta principalmente as empresas que têm cadeias globais de
produção, as maiores vítimas do tarifaço.
Mas, se a tendência foi claramente de queda
nesse período, a característica principal do mercado foi a volatilidade. A
partir não apenas de fatos, mas especialmente das declarações de Trump.
Esta semana foi assim. Começou bem
pessimista, repercutindo ainda as falas do presidente ameaçando engrossar com
a China e
demitir o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central), Jerome Powell,
se ele não reduzisse imediatamente a taxa de juros.
Ações desabaram.
Assustados, assessores de Trump chamaram sua
atenção. Ele próprio, um homem de negócios, também se inquietou. Resultado:
declarações mais amenas dizendo que as negociações com a China começavam e que
ele seria “gentil”. Mais: acrescentou que as tarifas de importação sobre
produtos chineses ficariam bem abaixo do teto atual de 145%. Já isso de demitir
o presidente do Fed, era coisa de uma imprensa que sempre “exagera”.
Acalmou os mercados, Bolsas voltaram a subir,
mas isso ficou longe de tranquilizar o pessoal de lá e do mundo todo. Gerou
desconfiança, manifestada reservadamente por empresários e executivos
americanos. Se a Bolsa oscila na base de declarações, fica óbvio que pode haver
manipulação. Se um assessor sabe que Trump desmentirá a ameaça de demissão de
Powell, sabe então que as ações subirão. Uma comprinha rápida dá um caminhão de
lucros em poucas horas de pregão. Quem soube antes que Trump atacaria o Fed pode
ter lucrado duas vezes.
São desconfianças, claro, mas alimentadas
pela conhecida falta de escrúpulos de Trump. E de seu pouco apreço pela
verdade. Ele não apenas disse que demitiria Powell, como escreveu isso em sua
rede social. Ainda o ofendeu, também por escrito, chamando-o de “atrasadão” e
“grande perdedor”. Depois, com a maior cara de pau, diz que foi coisa da
imprensa.
No caso da China, foi ainda pior. Enquanto
Trump afirmava que cabia a Xi Jinping dar
o primeiro telefonema e, depois, que negociações estavam em andamento, o
governo chinês negou tudo. Segundo Pequim, não há qualquer conversa. Xi não
telefonou. E não telefonará enquanto Trump não suspender as tarifas e zerar o
jogo. O governo chinês também quer que Washington designe
um negociador responsável.
Trump ficou quieto, pelo menos até ontem.
Feitas as contas, a disputa tarifária afeta
mais os Estados Unidos que a China. Do total de exportações chinesas, 13% vão
para empresas e consumidores americanos. Os outros 87% estão distribuídos por
diversos países, praticamente no mundo todo. A China já vinha reduzindo a
dependência em relação aos Estados Unidos.
Do outro lado, 15% das importações americanas
vêm da China. Outros 15%, do México, mais 14%, do Canadá. Quase a metade das
importações vem de três países, todos duramente atingidos pelo tarifaço.
Executivos de supermercados advertiram
Washington de que seus consumidores em breve poderiam topar com prateleiras
vazias e produtos muito mais caros, uma péssima combinação. Em geral, os
executivos evitam entrar em conflito com Trump, dada sua política vingativa.
Mas não tiveram como evitar o tarifaço na apresentação de seus resultados
trimestrais. Aí apareceram com frequência as palavras inflação e
recessão. Eis o ponto: só a reação interna pode deter Trump. Além da sabedoria
e da paciência milenares dos chineses.
Por falar em tarifaço e países
protecionistas, a Nintendo acaba de lançar seu game Switch nos Estados Unidos
por US$ 450. Para o Brasil, o lançamento oficial está marcado para 5 de junho,
ao preço sugerido de R$ 4.500. É só fazer as contas para verificar onde está o
protecionismo. É curioso: nos meios econômicos brasileiros, a crítica a Trump é
praticamente unânime. E os nossos tarifaços?
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