O Globo
Presidente da Câmara quer passar imagem de
democrata, mas adiar problemas pode ser visto como fraqueza política
O recesso branco da Câmara neste feriadão foi
interrompido pela greve de fome do deputado Glauber Braga e pela precipitação
do PL, que não esperou o coelho da Páscoa para protocolar o pedido de urgência
ao projeto de anistia dos condenados do 8 de Janeiro. Nos dois casos, o
presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), agiu com o mesmo
expediente: à distância, procurou ganhar tempo e empurrar os pepinos para a
frente.
Como se sabe que problemas adiados não deixam de existir, apenas se prolongam, a pauta da Casa presidida por Motta segue à mercê de fatos que passam ao largo daquilo que, ele prometeu, seria sua prioridade quando sucedeu a Arthur Lira: os grandes temas econômicos de interesse do Brasil, que não dissessem respeito apenas à polarização a cada ano acentuada entre PT e bolsonarismo.
Ao delegar ao colégio de líderes a decisão
sobre o projeto de anistia — que, conforme o ministro Gilmar Mendes apontou, de
forma absolutamente pertinente, é apenas um cavalo de Troia de dentro do qual
sairão Jair Bolsonaro e seus aliados na tentativa de golpe —, Hugo Motta posa
de democrata, mas mostra que sua imagem como presidente da Câmara ainda está em
construção.
A depender da maneira como conduzir as
tratativas, pode ser visto pelos pares e pela imprensa como democrata
—distante, portanto, do perfil centralizador que marcou os dois mandatos de
Lira —, mas também pode se mostrar hesitante, inexperiente ou pouco corajoso
para o desafio de, tão jovem, comandar uma das Casas do Legislativo federal. O
limite entre sucesso e fracasso em pauta tão divisiva quanto complexa é quase
imperceptível.
O mesmo se aplica à discussão a respeito do
pedido de cassação do mandato de Glauber Braga. O psolista só está com o
mandato por um fio por suas posições muitas vezes contrárias a grupos
econômicos com grande ascendência sobre as bancadas e a interesses corporativos
dos próprios colegas. Em outras palavras: a antipatia e o gostinho de ir à
forra explicam que Braga seja alvo de uma dureza que não se viu com outros
deputados autores de agressões similares à dele ou acusados de crimes
concretos.
Qual é o papel de Motta nisso? De novo,
tentar equilibrar pratinhos para evitar a escalada da crise. Aliados seus e de
Braga convergem para o mesmo diagnóstico: a mão invisível que move as peças
nesse tabuleiro é de Lira, cujo poder acumulado em quatro anos foi tamanho que
não se extinguiu com a passagem do bastão e do gabinete.
Adiar para o segundo semestre o desfecho da
novela ajudou o atual maestro da Câmara a evitar que a situação de saúde de
Braga se deteriorasse a ponto de se tornar preocupante. Um prolongamento da
greve de fome que o levasse a ser internado em estado grave faria com que a
responsabilidade recaísse sobre a presidência da Câmara, não só pelos óbvios
dois pesos e duas medidas na pena, como pela desmobilização da cúpula da Casa
no feriadão.
Colegas de Motta atestam que, até aqui, nada
muda no prognóstico de que Braga deve, no segundo semestre ou agora, perder
mesmo o mandato. Mas a suspensão de sua greve de fome evita o pior para a
imagem da instituição e dá a ele, ao menos, a chance de articular a própria
salvação por mais tempo.
Com as decisões que empurraram os prazos no
calendário, Motta espera que o governo Lula deixe de ser um espectador das
crises e passe a agir. Aliados lembram que não é função do presidente da Câmara
apagar incêndios que atingem o Executivo, como a proposta da anistia, e que ele
tem sido um aliado confiável na intenção de facilitar a tramitação de projetos
de interesse do governo, como o do Imposto de Renda. Mas, para que eles andem e
os bodes sejam tirados da sala, Lula precisa mostrar força, algo cada vez mais
distante da realidade, a cada semana que passa.
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