Correio Braziliense
Povos indígenas defenderam, em Brasília, mais
espaços nas discussões que envolvam não somente o seu futuro, mas o de toda a
humanidade
Com grandes desafios pela frente, o país
celebra neste sábado, dia 19, o Dia dos Povos Indígenas, após a realização do
21º Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília. Durante a última semana,
quem atravessou o portal que se abria para o acampamento com mais de 7 mil
indígenas, representando 200 povos, sentiu o impacto da mobilização que reuniu
desde líderes históricos, como Raoni Metuktire, a jovens que discutiram e
levaram reivindicações aos representantes dos Três Poderes.
A caminhada dos indígenas até 2025 exigiu resistência para enfrentar grandes obstáculos. Durante a década de 1970, em pleno regime militar, para a realização de encontros, era preciso burlar a vigilância da Funai e dos órgãos de segurança do governo. Os primeiros de maior porte foram organizados pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em Diamantino, no Mato Grosso, e o segundo na Missão Cururu, no Pará, terra dos índios Munduruku.
No Pará, bispos e missionários
transportaram em pequenos aviões e canoas representantes de diferentes etnias
até o local, onde muitos grupos se viram frente a frente pela primeira vez.
Dali saíram determinados a lutar em defesa de suas terras e de sua cultura.
Outros encontros regionais foram desmobilizados pela Funai, com o apoio da
Polícia Federal, como o de Roraima, realizado pouco tempo depois.
Paralelamente, sertanistas,
indigenistas e organizações não governamentais (Ongs) se juntavam à luta pelos
direitos das populações indígenas, ampliando a mobilização. A Funai demitiu
arbitrariamente muitos de seus servidores, e a anistia só viria anos depois.
Líderes também faziam ouvir suas vozes, como Raoni e Mario Juruna, que chegou a
Brasília com um gravador nas mãos. Ele cobrava ações do governo nas áreas dos
Xavantes ameaçadas por fazendeiros no Mato Grosso.
O movimento cresceu desde então, e a primeira
grande vitória foi garantir, na Constituição de 1988, um capítulo especial
sobre os direitos e deveres do Estado. O Brasil chegou à Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco 92) com uma legislação que
reconheceu aos povos indígenas a terra e o usufruto exclusivo de suas riquezas,
a sua organização social e a sua autodeterminação.
No entanto, os avanços obtidos na nova
Constituição fizeram eclodir um novo quadro em que os avanços garantidos aos
indígenas começaram a ser bombardeados pelo agronegócio, por garimpeiros,
madeireiros, construção de hidrelétricas e de outros empreendimentos, muitos
deles de interesse dos governos estaduais e federal. A situação persiste até
hoje, atingindo seu ponto crítico durante o governo de Jair Bolsonaro. A luta
tem sido impedir retrocessos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
assumiu tendo de encarar um legado pesado, além de um Congresso Nacional
majoritariamente anti-indígena. Mesmo com a criação do Ministério dos Povos
Indígenas, as dificuldades persistem. Diante de um governo quase engessado
pelas pressões, o ATL 2025 defendeu, em Brasília, mais espaços nas discussões
que envolvam não somente o seu futuro, mas o de toda a humanidade.
"A resposta somos nós" foi
uma das principais bandeiras da marcha até o Congresso Nacional que acabou em
pancadaria pela polícia. Os indígenas querem ser ouvidos sobre alternativas de
mitigação no enfrentamento das mudanças do clima. Hoje são eles que mais
preservam o meio ambiente no país. Estudo do MAPbiomas Brasil revela que, nos
últimos 38 anos, as terras indígenas perderam 1% de sua vegetação nativa,
enquanto em áreas particulares a perda foi de 17%.
Mulheres presentes em Brasília alertaram que
os desmatamentos e as queimadas já estão afetando a qualidade de vida em muitas
aldeias, com a poluição do ar e da água. O movimento quer, ainda, ter voz ativa
na polêmica que envolve a exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas e no
processo de transição do uso de combustíveis fósseis para energias menos
poluentes.
A carta final da mobilização, assinada pela Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), aponta para impasses pela frente. Um deles envolve as discussões da Câmara de Conciliação no STF sobre o Marco Temporal. "É o maior ataque aos direitos indígenas desde a Constituição de 1988" . O documento também reforça que os embates continuarão no Legislativo. "Exigimos o arquivamento de todas as propostas anti-indígenas em tramitação no Congresso Nacional".
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