O Estado de S. Paulo
No debate sobre o Orçamento, a pergunta que vale é: o que queremos da política pública?
Na economia, aprendemos que ter mais
instrumentos melhora a capacidade de ação dos governos. Se há mais de um
objetivo – estabilizar a economia, reduzir desigualdades, manter o equilíbrio
fiscal –, então, faz sentido ter mais de uma ferramenta à disposição.
No Brasil, porém, há uma resistência curiosa
a isso. Um exemplo é a vinculação do salário mínimo aos benefícios
previdenciários. A regra, firmada nos governos Lula, tem peso simbólico, mas
cria um problema prático: amarra dois instrumentos diferentes, que deveriam ser
usados com autonomia.
O salário mínimo pode ser uma boa política de valorização do trabalho – especialmente em mercados onde empresas têm poder demais na fixação de salários. Em contextos assim, como o do Brasil, há evidências de que o aumento do salário mínimo ajudou a reduzir a desigualdade entre trabalhadores formais, sobretudo entre mulheres e trabalhadores menos qualificados. Um estudo do Ipea mostrou que, entre 2001 e 2011, a política teve impacto redistributivo importante, especialmente nas regiões Nordeste e Sul.
Já a Previdência cumpre outro papel. É uma
forma de seguro. Amortece riscos ao longo da vida e protege quem tem menor
capacidade de poupança. Ajuda a suavizar o consumo no tempo, especialmente
quando a jornada no mercado de trabalho termina.
Mas ela tem custo. Em 2023, os gastos com
benefícios previdenciários chegaram a R$ 1 trilhão – cerca de 8,3% do PIB. É
uma fatia relevante do Orçamento e, por isso, sua gestão importa para a
sustentabilidade fiscal do País.
Com a vinculação atual, o governo perde
margem de manobra. A cada aumento do salário mínimo – pensado como política
para trabalhadores ativos –, há impacto automático sobre as contas da
Previdência, mesmo quando essa não é a intenção.
É por isso que economistas defendem mais
instrumentos, e não menos. Isso daria ao governo mais liberdade para decidir
onde atuar com mais força – aposentados ou trabalhadores ativos – dependendo do
momento. Separar os instrumentos não é abandonar o compromisso com ninguém. É
tentar torná-lo mais eficaz. O debate costuma ser moralizado, como se fosse
indigno propor regras diferentes.
No fundo, a pergunta que importa é: o que queremos da política pública? Se o objetivo é melhorar a vida das pessoas de forma consistente, é preciso aceitar que momentos diferentes exigem respostas diferentes. Há períodos em que impulsionar a renda do trabalho é prioritário. Em outros, proteger aposentados pode ser mais urgente. Ter instrumentos distintos para essas escolhas não é tecnocracia – é política com mais precisão.
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