Asilo para peruana é injustificável
O Globo
Itamaraty não justificou por que Nadine
Heredia sofreu perseguição política ao ser condenada por crime
Não há, até o momento, justificativa
plausível para a decisão do governo brasileiro de conceder asilo diplomático a
Nadine Heredia, mulher do ex-presidente peruano Ollanta Humala. Os dois foram
condenados a 15 anos de prisão no Peru por lavagem
de dinheiro, ao receber US$ 3 milhões da empreiteira Odebrecht para financiar a
campanha eleitoral que levou Humala à Presidência em 2011. Nadine, influente
durante o governo, foi cofundadora do Partido Nacionalista. Os detalhes foram
revelados em 2016, durante as investigações da Operação Lava-Jato no Brasil.
Por aqui, processos por corrupção envolvendo
a Odebrecht e outras empresas que confessaram crimes têm sido questionados com
sucesso na Justiça, mas não sem controvérsia ou estranhamento da opinião
pública. Independentes, os peruanos não têm nada a ver com isso — os fatos que
levaram à condenação do casal foram examinados por juízes autônomos, de acordo
com a lei do Peru. Em nome da relação estável entre os dois países, o governo
brasileiro não deveria questionar as decisões do Judiciário peruano.
Em Lima, chamou a atenção a rapidez com que foram tomadas as decisões relativas ao asilo político. Nadine e seu filho chegaram à embaixada brasileira quando a sentença estava prestes a ser proferida. Em questão de horas, ela recebeu sinal verde da diplomacia brasileira. O salvo-conduto das autoridades locais não demorou, e logo os dois estavam num avião da FAB enviado especialmente para fazer o transporte ao Brasil. A deferência, além de incomum, é inexplicável do ponto de vista jurídico ou diplomático.
Em nota breve, o Itamaraty relatou a chegada
de Nadine ao país na quarta-feira, em companhia de um filho menor de idade. O
texto afirma que a decisão de acolher a ex-primeira-dama foi baseada na
Convenção de Asilo Diplomático. Firmada no âmbito da Organização dos Estados
Americanos (OEA), ela prevê outorga de asilo a perseguidos políticos,
estabelecendo, em seu artigo IV, que compete ao país hospedeiro classificar a
natureza do delito ou os motivos da perseguição. Nada disso foi explicado a
contento. Há uma distinção evidente entre perseguição política e uma condenação
criminal.
Durante o período de investigação, há sete
anos, Nadine e Humala chegaram a ser presos preventivamente. Depois de nove
meses na cadeia, o Tribunal Constitucional peruano atendeu ao pedido da defesa
por liberdade. O julgamento se arrastou por anos, garantindo amplo direito de
defesa ao casal. Mesmo condenados, os dois têm direito a recorrer. Já cumprindo
pena, Humala afirma que contestará a condenação — um sinal de que a própria
Justiça peruana dispõe dos mecanismos necessários para rever qualquer sentença
que se revele descabida.
Convenções de asilo, como a existente entre
os países das Américas, servem para proteger quem sofre perseguição política.
Em regimes ditatoriais, as embaixadas são uma saída comum para quem se vê
acossado por um regime autoritário. No ano passado, o líder da oposição
venezuelana Edmundo González passou mais de um mês escondido na representação
da Holanda em Caracas antes de conseguir refúgio na Espanha. Mas a situação no
Peru é outra. A democracia por lá passou por período disfuncional, com
repetidas crises e quedas de presidentes. Daí a descrever o país como regime de
exceção há enorme distância.
Queda na área atingida por incêndios é
positiva, mas inspira cautela
Globo
Nos primeiros meses do ano, chuva ajudou a
conter incêndios, mas riscos persistem. Governo deve se preparar
Depois do recorde de incêndios do ano
passado, é boa notícia a redução de 70% na área atingida por queimadas no
Brasil no primeiro trimestre deste ano, em comparação com o mesmo período de
2024. Mas a queda, constatada por meio de imagens de satélite pelo Monitor do
Fogo, do MapBiomas, deve ser vista com cautela. Primeiro, porque costuma chover
mais nos primeiros meses do ano, especialmente no Norte e Centro-Oeste.
Segundo, porque o início de 2025 ainda registra mais incêndios que em 2021,
2022 e 2023, ficando atrás apenas de 2019 e 2020.
Entre janeiro e março, foram queimados no
país 913 mil hectares, quase 2,1 milhões a menos que os 3 milhões consumidos
pelo fogo no mesmo período de 2024. As chamas destruíram principalmente
vegetação nativa. A Amazônia concentrou
a maior superfície devastada: 774,5 mil hectares, ou 84% do total. Apesar de
expressivo, o número representa queda de 72% em relação ao ano anterior.
Roraima sozinho foi responsável por mais da metade da destruição (415 mil
hectares). Uma explicação é que lá vigora um regime de chuvas distinto. Em
seguida, aparecem Pará (208,6 mil) e Maranhão (123,8 mil). Os três estados
respondem por 81% da área queimada.
É auspiciosa a redução de 86% na superfície
devastada pelo fogo no Pantanal, região que nos últimos anos tem sofrido com os
incêndios. Em contraste, o Cerrado continua a preocupar. Foram destruídos 91,7
mil hectares, aumento de 12% em relação ao primeiro trimestre de 2024. Foi o
único bioma a registrar aumento. O Cerrado concentra uma das principais
fronteiras agrícolas e tem desafiado as promessas de reduzir as queimadas.
No início do ano, a ministra do Meio Ambiente,
Marina Silva, assinou uma portaria estabelecendo estado de emergência ambiental
em áreas vulneráveis a incêndios. O instrumento permite que governo federal,
estados e municípios contratem brigadistas e implementem ações preventivas. A
ideia é aumentar o pessoal de combate ao fogo em 25%. Embora sejam positivas,
as medidas só foram anunciadas após a crise do ano passado, quando diferentes
regiões arderam em chamas, alimentadas pela seca severa. Somente depois que
Brasília foi tomada pela fumaça das queimadas o Planalto se deu conta da
gravidade da situação.
A queda no desmatamento e o combate às
queimadas foram bandeiras de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva. Não se pode
dizer que não tenha havido avanço, como a redução da devastação na Amazônia.
Mas a situação ainda está longe do razoável, como mostrou a calamidade das
queimadas em 2024. O governo faz bem em fortalecer estados e municípios para
enfrentar o fogo, mas faria melhor se investisse mais em treinamento de pessoal
e fiscalização para coibir focos de incêndio. Agir depois é sempre pior. O
problema está concentrado em determinas regiões, e isso deveria facilitar as
ações. Por enquanto, tem chovido nessas áreas críticas. Mas há possibilidade de
novas secas. O governo precisa estar preparado.
Criação de novo Código Civil não pode ter
ritmo acelerado
Folha de S. Paulo
Projeto no Congresso exige debate cuidadoso;
várias alterações são necessárias, mas outras ameaçam segurança jurídica
Abaixo da Constituição Federal,
nenhuma lei afeta tanto a vida das pessoas quanto o Código Civil. É de esperar,
portanto, que uma proposta de modificar esse conjunto de normas seja conduzida
com o máximo cuidado —algo que, infelizmente, parece faltar aos envolvidos
nesse ambicioso projeto.
De saída, procura-se apresentar a iniciativa
como simples reforma do Código Civil de 2002, uma adaptação de seu conteúdo à
luz da realidade contemporânea. A vingar essa compreensão, é possível que
o Congresso
Nacional conduza o trabalho em ritmo acelerado, sem realizar as
discussões que a matéria demanda.
Seria um equívoco perigoso. Está em jogo a
potencial mudança de nada menos que 1.122 artigos em um diploma legal que
termina no número 2.046. Dessa perspectiva, soa mais preciso falar em novo
código do que em reforma do velho —o que deveria, portanto, ensejar uma
tramitação mais demorada e cuidadosa.
Diante de um projeto dessa magnitude, o
debate é mais que necessário. Não se questiona a pertinência de atualizar
certos dispositivos normativos. Quando foi aprovado, no início do século, o
atual Código Civil nasceu ultrapassado em vários aspectos, e outros tantos se
tornaram obsoletos pouco tempo depois.
Para ficar em poucos exemplos, tome-se o
direito de família. A lei de 2002 trata do casamento como
uma relação entre um homem e uma mulher, desconsiderando
a união entre pessoas do mesmo sexo (reconhecida pelo Supremo Tribunal
Federal em 2011).
Também ignora outras modalidades de família,
como as monoparentais (só mãe ou só pai com filhos) e as não conjugais (irmãos
e primos que moram juntos).
O problema é que, na esteira de alterações
bem-vindas em relação a esses e outros pontos, o projeto de novo Código Civil
traz propostas que, longe da mera modernização de regras, representam uma
modificação conceitual profunda e controversa.
Um
dos casos mais patentes diz respeito aos contratos. Se o novo código for
aprovado sem mudança nessa parte, tais acordos poderão ser anulados com base em
critérios como confiança e função social, sem que se saiba ao certo o que essas
ideias significam.
Pode-se imaginar o grau de insegurança
jurídica decorrente de uma única inovação dessa natureza. E o mais grave é que,
assim como nesse exemplo, há previsão de outras situações em que aumenta
sobremaneira o poder da Justiça de arbitrar a relação privada entre os cidadãos
—tudo com base em critérios vagos.
Com isso não se pretende sugerir que se
congele a iniciativa de reformar o Código Civil. É evidente que todo texto
legal deve ser permeável a revisões, mas daí não decorre que qualquer mudança
seja positiva, nem que alterações no atacado sejam melhores do que no varejo.
O Congresso precisa encontrar um caminho que
de fato modernize a lei, mas sem prejudicar sua necessária estabilidade.
O estranho caso da ex-primeira-dama peruana
Folha de S. Paulo
Condenada por crime comum, Nadine Heredia
recebeu asilo do governo Lula; recurso se dá em caso de perseguição política
Logo após ser condenada
por lavagem de dinheiro pela Justiça peruana na terça (15), a
ex-primeira-dama Nadine Heredia escapou da pena de 15 anos de prisão ao ser
acolhida na embaixada brasileira em Lima. Em seguida, obteve asilo concedido
pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT).
O episódio parece não ter gerado rusgas
diplomáticas. Afinal, a presidente Dina Boluarte, de centro-direita, emitiu o
salvo-conduto para Heredia embarcar num avião da Força Aérea Brasileira para
São Paulo (SP), aonde
chegou na quarta (16).
O caso, todavia, é intrigante, sobretudo pela
falta de explicação da gestão petista para decidir com base na Convenção sobre
Asilo Diplomático (1954) e no artigo 4º da Constituição brasileira.
Isso porque, a rigor, Heredia não sofre
perseguição política em seu país —critério fundamental para a concessão de
asilo. Sua condição é de condenada por um crime comum pelo Tribunal Superior
Nacional peruano, com direito a apelação à Corte Suprema de Justiça, o que
inviabilizaria qualquer pedido de acolhida.
O governo Lula poderia ter negado a
solicitação. Mas preferiu desconsiderar o rito judicial do vizinho e se apoiar
no argumento dos advogados da ex-primeira-dama, segundo o qual não havia provas
para a condenação.
Heredia e o marido, o ex-presidente de
esquerda Ollanta Humala, foram penalizados por lavar cerca de US$ 3 milhões
recebidos ilegalmente da empreiteira brasileira Novonor (à época, chamada
Odebrecht) e US$ 200 mil de Hugo Chávez, ex-presidente da Venezuela já
falecido, para financiar as campanhas eleitorais de 2011 e 2006,
respectivamente.
Humala está no mesmo presídio onde dois
outros ex-presidentes peruanos cumprem penas por corrupção.
São sequelas das relações nefastas da Odebrecht com líderes estrangeiros. A
empresa também esteve envolvida no escândalo que levou a punições pela Justiça
de figuras do alto escalão do PT —a condenação de Lula foi posteriormente
derrubada.
O inquérito contra o casal, iniciado em 2016,
considerou as provas obtidas no acordo de leniência fechado pela Odebrecht no
âmbito da Operação
Lava Jato, que foram mantidas pela promotoria peruana mesmo depois de o
Supremo Tribunal Federal (STF), no
Brasil, tê-las
anulado em 2023.
Tal dissenso entre as Justiças peruana e a brasileira, contudo, não exime o governo Lula de explicar por que decidiu abrir o precedente de conceder asilo político a uma condenada por crime comum que tem garantido o direito à ampla defesa em seu país.
Picuinha perigosa
O Estado de S. Paulo
Espanha nega extradição de bolsonarista por
considerar seu processo ‘político’. Ato contínuo, Moraes manda soltar
traficante requisitado pela Espanha. Isso não é reciprocidade, é birra
O bom senso costuma levar uma surra quando o
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes se irrita com
algo ou alguém que o contrarie. Fiel à aura mercurial que cultiva com denodo,
Moraes suspendeu o processo de extradição do búlgaro Vasil Georgiev Vasilev –
considerado pelo governo espanhol um traficante de drogas com atuação em
Barcelona – imediatamente após a Justiça da Espanha negar a extradição do
blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio, foragido da Justiça brasileira
naquele país.
Segundo Moraes, a decisão de não extraditar
Eustáquio, tomada pela 3.ª Seção Penal da Audiência Nacional, uma das mais
altas instâncias judiciais da Espanha, teria violado o princípio da
reciprocidade inscrito no acordo de extradição firmado entre Brasil e Espanha
em 1988 e entronizado no ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto 99.340/1990.
Pode até ser, mas a reciprocidade não é um “toma lá, dá cá” automático.
Espera-se de qualquer juiz a temperança necessária para uma avaliação mais
detida das implicações das decisões que toma, um cuidado que Moraes decerto não
teve.
A reciprocidade nos processos de extradição
não deveria ser tratada como uma barganha rasteira, mas como um princípio que
visa a garantir a prevalência do melhor interesse da Justiça de duas nações
amigas e soberanas. Ao colocar o caso do blogueiro no mesmo patamar que o de um
traficante de drogas, Moraes não apenas rebaixou o nível do debate jurídico
entre Brasil e Espanha, como também prestou um desserviço à imagem do STF, já
tão conspurcada pelo ativismo exacerbado de alguns de seus membros.
Moraes poderia perfeitamente ter aguardado as
explicações solicitadas à Embaixada da Espanha em Brasília antes de tomar uma
decisão tão açodada e perigosa. O ministro poderia, ainda, requisitar o auxílio
do governo, por meio do Itamaraty, para tentar convencer as autoridades
espanholas sobre a importância de Eustáquio responder pelos graves crimes de
que é acusado aqui no Brasil. Mas, bem ao seu estilo, Moraes optou por pisar no
acelerador e, pasme o leitor, ordenou a soltura do búlgaro – preso em Mato Grosso
do Sul em fevereiro deste ano – como corolário da suspensão do processo de
extradição do traficante no STF.
O resultado dessa picuinha é a nada
desprezível possibilidade de Vasilev fugir do Brasil, agora que foi enviado à
prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica. Se isso acontecer, será
uma humilhação para o Poder Judiciário brasileiro e uma derrota para o sistema
de persecução criminal da Espanha. Não é pouca coisa o que está em jogo.
Segundo a Audiência Nacional, os fatos que
instruíram o pedido de extradição de Eustáquio teriam “evidente ligação e
motivação política”, o que, em tese, impede sua entrega às autoridades
brasileiras com base no acordo de extradição. De fato, o artigo IV, item 1,
alínea f do Decreto 99.340/1990 é taxativo ao determinar que não será
concedida a extradição “quando a infração construir delito político ou fato
conexo”.
A esse propósito, é preciso registrar que é
bastante significativo que a Justiça da Espanha – país plenamente democrático,
governado pela esquerda e amigo do Brasil, portanto insuspeito de simpatias por
bolsonaristas e afins – considere que o processo contra esse blogueiro é
“político”. Deveríamos prestar atenção nisso.
Mas, claro, o ministro Alexandre de Moraes
tem certeza absoluta de que o processo contra Oswaldo Eustáquio não tem nada de
político, provável razão pela qual reagiu de maneira destrambelhada para
retaliar a Justiça espanhola, relaxando a prisão de um perigoso criminoso
internacional. Para o sr. Moraes, ao que parece, um traficante e um blogueiro
que falou demais são ameaças semelhantes à sociedade.
É esse tipo de desequilíbrio que contribui
para desmoralizar o esforço das instituições para punir todos os que
participaram da trama golpista que assombrou o País. Mais uma vez, é preciso
insistir: o momento excepcional que talvez justificasse medidas excepcionais já
passou faz tempo.
O assalto de Trump à razão
O Estado de S. Paulo
A pretexto de combater o antissemitismo e o
ativismo identitário nas universidades, Trump vem num processo de asfixia do
mundo acadêmico americano, com indisfarçável propósito de subjugá-lo
O presidente dos EUA, Donald Trump, declarou
guerra à razão. A pretexto de combater o antissemitismo e o ativismo
identitário nas universidades, Trump vem num processo de brutal asfixia do
mundo acadêmico americano, com indisfarçável propósito de subjugá-lo.
Faz todo sentido. A razão, entendida como a
capacidade de refletir criticamente sobre o mundo e de fazer julgamentos sobre
o que é falso e verdadeiro, sobre o que é certo e errado, é evidentemente
inimiga da doutrina trumpista. Para a seita liderada pelo presidente americano,
quem determina o que é certo e o que é errado, ou o que é verdadeiro e o que é
falso, é Trump, e não a razão. Se com suas tarifas tresloucadas Trump atirou os
EUA diretamente para o século 19, com sua ofensiva contra as universidades o
presidente quer jogar seu país na idade das trevas.
Se Trump for bem-sucedido, o dano aos EUA
será infinitas vezes maior do que seu projeto de reindustrializar o país na
marra e de comprar briga com o mundo todo. Países com economias danificadas
eventualmente retomam algum vigor. Países que renunciam ao conhecimento,
tirando o financiamento de pesquisas científicas e tratando professores e
alunos como inimigos, como Trump está fazendo, levam muito mais tempo para se
recuperar, se é que um dia se recuperam.
A grandeza dos EUA nunca esteve em suas
fábricas, como Trump quer fazer crer. Sempre esteve em suas universidades,
centros de excelência que tiveram tempo e dinheiro para desenvolver tudo o que
ajudou o país a ser o colosso econômico que é hoje. Nenhuma empresa privada,
por mais bem intencionada que seja, esperaria décadas até que experimentos e
pesquisas, a um custo enorme, mostrassem resultados. Somente as universidades
fazem isso, e é por isso que precisam de financiamento e liberdade acadêmica –
exatamente o que Trump está atacando.
O governo americano suspendeu o envio de
dinheiro para as principais universidades americanas, alegando que essas
escolas se tornaram celeiros de radicais antissemitas e da militância
identitária. Ainda que seja parcialmente verdadeira, a acusação mal esconde sua
natureza cínica. Trump não está minimamente preocupado com os judeus, pois, se
estivesse, não cortejaria os neonazistas alemães, para começo de conversa. Seu
objetivo, já está claro, é fazer as universidades se dobrarem a seus caprichos,
liquidando a liberdade acadêmica, que é sua essência.
Ao mesmo tempo, Trump partiu para a
intimidação pura e simples, deportando estudantes estrangeiros que ousam
manifestar sua opinião, como se fossem perigosos subversivos e os EUA
estivessem sob estado de exceção. Pode-se gastar muita tinta discutindo os aspectos
legais das decisões draconianas de Trump contra esses estudantes, mas o
objetivo primário dessa campanha de terror certamente já foi alcançado: quem
dissentia vai pensar duas vezes antes de dissentir de novo. Isso obviamente não
tem nada a ver com uma democracia digna do nome.
Ao assaltar a inteligência, Trump atinge dois
objetivos: o primeiro, imediato, é satisfazer uma parte significativa de seus
eleitores, que desprezam profundamente a elite acadêmica americana por
considerá-la insensível a seus problemas e contrária a seus valores familiares
e religiosos; o segundo, de prazo mais longo, é liquidar uma das principais
fontes de oposição a suas políticas e a seu projeto de poder.
Não será, contudo, uma tarefa tão simples. A
Universidade Harvard acaba de anunciar que não vai se dobrar às exigências de
Trump por considerá-las ilegais e frontalmente contrárias à autonomia
acadêmica, sobretudo numa universidade privada. Não foi a primeira grande
instituição a fazer isso, mas certamente é a mais importante, e esse gesto de
coragem terá imensas repercussões.
Que outras universidades americanas sigam
esse exemplo, não se acovardem diante da truculência de Trump e ergam
obstáculos no caminho autoritário do presidente americano.
Problema debaixo do tapete
O Estado de S. Paulo
Gastos com precatórios de R$ 115,7 bi em 2026
prenunciam cenário insustentável em 2027
Os gastos com precatórios devem chegar a R$
115,7 bilhões em 2026, o último ano do mandato de Lula da Silva, elevando a
pressão sobre as contas públicas. Como determina o acordo firmado entre o
governo federal e o Supremo Tribunal Federal (STF), a partir de 2027 essas
despesas devem voltar a ser integralmente contabilizadas no limite de gastos do
arcabouço fiscal. Hoje, parte significativa está fora do arcabouço. Do total
estimado para o ano que vem, por exemplo, R$ 55,7 bilhões ficarão excluídos.
A fórmula, desenhada no fim de 2023 para
permitir que o governo Lula pudesse regularizar até 2026 o pagamento do estoque
dos precatórios – sentenças de ações judiciais desfavoráveis ao governo para as
quais não cabe mais nenhum recurso –, aproxima-se do fim do prazo sem que o
governo tenha encontrado uma solução definitiva para a fatura.
O acordo com o STF corrigiu um erro flagrante
da gestão de Jair Bolsonaro, que conseguiu aprovar no Congresso, no final de
2021, a “PEC do Calote”, que, entre outras manobras, estabeleceu um teto para
pagamento dos precatórios e empurrou a dívida para um futuro incerto. Com a
medida, desafogou o Orçamento para viabilizar “bondades” no ano eleitoral de
2022, como o aumento generoso do Auxílio Brasil.
O represamento das dívidas judiciais foi
suspenso com o acordo, que retirou parte dessas despesas da meta de resultado
primário. O arcabouço fiscal substituiu o teto de gastos, mas a solução
definitiva para a quitação do estoque sem prejuízo das regras fiscais ainda não
foi encontrada. Logo depois da decisão do STF, o governo destinou R$ 92,4
bilhões para regularizar o estoque de precatórios, em dezembro de 2023.
Mas, assim como a escalada das despesas
previdenciárias, as dívidas com precatórios não param de crescer, resultado de
políticas públicas mal estruturadas ao longo dos anos, que abrem caminho para
questionamentos judiciais marcados por perdas para a União. Em 2026, o governo
estará premido entre a bola de neve dos precatórios, os limites de gastos
impostos pelo arcabouço fiscal e a gana do presidente Lula da Silva pela
gastança de programas eleitoreiros.
A ministra do Planejamento e Orçamento,
Simone Tebet, já alertou que em 2027, com a inclusão integral dos precatórios
na contabilidade do arcabouço, o próximo presidente, seja quem for, não
governará com as atuais regras fiscais. A ministra, que viu uma série de
propostas para contenção de gastos elaboradas por seu ministério serem
rejeitadas pelo Planalto no fim do ano passado, propôs um corte mais severo de
gastos no ano que vem, depois das eleições.
Ora, se Lula da Silva estivesse de fato preocupado com a moralização das despesas públicas, não teria submetido a equipe econômica ao constrangimento de enxertar, no desidratado pacote de corte de gastos do ano passado, o anúncio de ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda. O gasto com precatórios é um dos principais fatores de pressão sobre a regra fiscal. É muito pouco prudente que uma questão urgente como essa seja varrida para debaixo do tapete e continue refém do calendário eleitoral.
Novo diabetes desafia médicos e governos
Correio Braziliense
É preciso unir forças para conhecer melhor a
nova classificação de diabetes, ligada à desnutrição. Casos são subnotificados
e pouco compreendidos
Não bastasse sermos o sexto país com o maior
número de casos de diabetes no mundo — foram 16,6 milhões de brasileiros
com a doença em 2024 —, a Federação Internacional de Diabetes (IDF) reconheceu
oficialmente, na semana passada, uma nova forma de classificação da
enfermidade. O tipo 5 é associado a um dos fenômenos mais característicos dos
países de baixa renda ou em vias de desenvolvimento: a desnutrição. Ainda que
tenha sido descrita, pela primeira vez, há quase 70 anos, a "versão mais
atual" ainda é subnotificada e pouco compreendida.
E os desafios não param por aí. A IDF
divulgou o Atlas de Diabetes em seu congresso mundial, em Bangcoc, na
Tailândia, demonstrando o crescimento da doença, de uma forma geral, nos cinco
continentes: 589 milhões de adultos, com idade entre 20 e 79 anos, vivem com
diabetes atualmente, o que corresponde a uma a cada nove pessoas.
O impacto nos governos é robusto. Ainda que o
Brasil tenha programas de assistência no Sistema Único de Saúde (SUS), como a
Farmácia Popular e a Prevenção de Diabetes, nos últimos 17 anos a doença e suas
implicações causaram pelo menos US$ 1 trilhão em gastos com saúde, um aumento
de 338% durante esse período, de acordo com o Atlas.
Segundo os especialistas, o diabetes tipo 5
geralmente afeta pessoas abaixo dos 30 anos, com baixo peso (índice de massa
corporal igual ou menor a 19), extremamente magras e com deficiências
nutricionais crônicas — ao contrário do diabetes tipo 2, comumente ligado ao
excesso de peso e ao sedentarismo, além de ser mais frequente em adultos acima
de 35 anos. De acordo com a IDF, a "nova versão" atinge mais homens
do que mulheres, especialmente aqueles que vivem em áreas rurais, onde o
diagnóstico é mais limitado.
Por outro lado, se assemelha ao tipo 1 por
afetar jovens e pessoas mais magras, podendo até ser confundida com ele, mas,
devido à desnutrição, está relacionada à menor formação de células no pâncreas
— e não pela destruição da produção de insulina pela glândula. Até o momento,
os médicos desconhecem o mecanismo exato da doença, além de dados oficiais que
atestem sua prevalência, já que muitos casos podem ter sido equivocadamente
classificados.
Fato é que a reversão do novo diabetes ainda
é nebulosa, porque não há experiências clínicas em pacientes diagnosticados.
Além disso, dizem os médicos, apenas a reposição de insulina não é suficiente
para reverter o quadro, que, se não for tratado adequadamente, pode elevar o
risco de complicações, como cegueira, amputações e doenças renais.
Trata-se, portanto, de mais um desafio para a
comunidade médica, pesquisadores e poder público. É preciso unir forças para
conhecer melhor essa nova classificação, como lidar com ela e multiplicar as
informações sobre alertas e cuidado. E em países que, como o Brasil, enfrentam
uma espécie de sobreposição de vulnerabilidades — casos significativos tanto de
excesso de peso quanto de desnutrição — esse enfrentamento multidisciplinar se
torna ainda mais essencial.
A boa notícia é que a IDF anunciou a criação
de um grupo de trabalho que vai, nos próximos dois anos, elaborar diretrizes
terapêuticas específicas de diagnóstico e tratamento para essa forma de
diabetes. A expectativa é de que a união de esforços resulte em protocolos —
que não podem se limitar apenas a intervenções médicas — que permitam aos
pacientes um atendimento adequado, humano e eficaz.
PM faz cerimônia com símbolos associados ao
extremismo
O Povo
Torna-se necessária uma boa explicação para o
que aconteceu no interior de São Paulo, para punir eventuais responsáveis, em
caso de culpa ou dolo
Uma cerimônia para marcar o fim de um
treinamento para ingresso de policiais militares no 9º Batalhão de Ações
Especializadas de Polícia (Baep), em São José do Rio Preto (SP), levou o
Ministério Público de São Paulo (MP-SP) a abrir investigações para apurar o
episódio. O acontecimento foi gravado em vídeo pelos próprios PMs e divulgado
no perfil do Baep em uma rede social.
Na filmagem, eles aparecem em frente a uma
cruz em chamas, fazendo gestos que lembram a saudação nazista. A prática de
atear fogo em cruzes remete à organização de extrema direita, supremacista
branca, Ku Klux Klan, que atua nos Estados Unidos desde o século XIX.
Após a repercussão do caso, o Baep retirou o
vídeo de circulação e a Polícia Militar (PM-SP) manifestou-se em nota oficial
afirmando não ter havido "intenção de fazer associação com ideologias de
natureza religiosa, racial ou política", garantindo que a PM também
investigará o caso.
Na quarta-feira, o comandante do 9º batalhão
do Baep, tenente-coronel José Thomaz Costa Júnior, também falou sobre o
assunto. Ele disse que o único objetivo do ato foi representar a
"vitória" dos formandos que estavam entrando na corporação, simbolizando
"a vitória, sobre os sacrifícios, e o peso que doravante os policiais
adquirem para honrar esse período de estágio".
O problema é que existe disseminada nas PMs
uma cultura da violência, que contraria inclusive uma boa política de segurança
pública. Não se nega, nem se poderia negar, às polícias o direito de usar a
força proporcional a uma ameaça. No entanto, são comuns os casos em que essa
linha é ultrapassada.
O Brasil é um dos países com as polícias mais
letais do mundo. Ao mesmo tempo, é onde mais morrem policiais em serviço por
existir relação entre uma situação e outra. Os policiais brasileiros matam mais
do que 15 países do G20 somados.
Leve-se ainda em conta que aumenta a atuação
de neonazistas em todo o mundo, causando preocupação às democracias, O fenômeno
acontece inclusive no Brasil. Em abril do ano passado, autoridades brasileiras
enviaram um comunicado à Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o
crescimento de grupos neonazistas no País. Segundo o informe, no início de 2022
havia mais de 530 grupos extremistas espalhados por todas as regiões, conforme
registrou a Agência Brasil.
Na França, Itália, Alemanha, a situação não é
diferente. Nos Estados Unidos, o bilionário Elon Musk emulou orgulhosamente a
saudação nazista em plena posse do presidente Donald Trump.
Assim, torna-se necessária uma boa explicação
para o que aconteceu no interior de São Paulo, para punir eventuais
responsáveis, em caso de culpa ou dolo. O que não é razoável é normalizar
atitudes desse tipo por parte de quem tem o dever de
proteger a sociedade.
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