domingo, 20 de abril de 2025

O apagão orçamentário – Elio Gaspari

O Globo

Para gastar, os ministérios são 39. Mas quando se fala que vai faltar dinheiro, surgem apenas dois: Saúde e Educação

Na semana passada os brasileiros souberam de duas novidades: é possível que haja vida no planeta K2-12b, a 124 anos-luz de Brasília, e foram avisados por Fernando Haddad e Simone Tebet de que em 2027 o governo não terá dinheiro para honrar os compromissos de verbas para a Educação e Saúde.

A primeira novidade pertencia ao campo da busca do conhecimento. O telescópio James Webb varre o espaço desde 2021 procurando sinais de vida. A segunda novidade pertencia ao campo da empulhação, pois nada há de novo no fato de que o governo ficaria sem dinheiro para fechar suas contas, honrando os compromissos constitucionais.

Sabe-se pouco sobre o K2-12b, pois ele está a 124 anos-luz, e uma notícia vinda agora de lá teria sido emitida em 1901, quando aqui na Terra um sinal de rádio de Guglielmo Marconi atravessou o Atlântico. Já o apagão orçamentário é coisa atual, por perene.

Em 2016 tentou-se conter os gastos do governo criando-se um teto constitucional para as despeas. Deveria vigorar por 20 anos, mas pfff. Apareceram PECs emergenciais, e o teto acabou virando arcabouço. O teto caiu e o arcabouço está ruindo. Como avisa um sábio: “Lula não sabe governar com pouco dinheiro”.

Percebidos o buraco de R$ 10,9 bilhões e a possibilidade de um apagão, entrou em cena o lero-lero: “Tem muitos desafios aí pela frente. Tem a questão dos precatórios. A gente precisa abrir uma discussão com a sociedade e com o próprio Poder Judiciário de como tratar esse tema, que ganhou tração no último governo”, avisou o ministro da Fazenda. Fernando Haddad.

Os precatórios são dívidas da União que a Justiça mandou pagar. A sociedade tem pouco a ver com isso, afinal, ela é composta por famílias que pagam suas dívidas ou caem nas listas negras. Margaret Thatcher (1925-2013), ensinava: “Esse negócio de sociedade não existe. Existem homens, mulheres e famílias.” Se existe, no Brasil seu santo nome é usado em vão, sobretudo para onerar homens, mulheres e famílias.

A possibilidade de um apagão orçamentário para o próximo governo será cruel com o de Lula 3.0. Ele chegou à segunda metade do mandato sem qualquer vestígio de austeridade. Ministros aninharam-se em conselhos de estatais e até mesmo em empresas privadas para bombar seus rendimentos. O pacote de contenção de gastos revelou-se exercício de marquetagem. A única despesa deixada de lado foi a da compra de um novo avião, com chuveiro, para o presidente.

Antes de tudo, governos obrigam-se a passar a impressão de austeridade. Se o presidente dos Estados Unidos pede um hambúrguer à cozinha da Casa Branca, paga por ele. A Viúva só paga por eventos oficiais. Caronas privadas do Air Force One pagam pela viagem. Na Corte Suprema dos Estados Unidos, só o presidente tem carro oficial. Com seu gosto por gestos, quando o general De Gaulle foi para o palácio, em 1958, instalou um relógio na ala residencial para pagar a conta de sua luz.

Percebida a possibilidade do apagão orçamentário, os çábios de Brasília sopraram que poderá faltar dinheiro para os compromissos com a Saúde e a Educação. Para gastar, os ministérios são 39, mas quando se fala que vai faltar dinheiro, surgem logo esses dois.

Lula na China

No próximo dia 12, Lula descerá em Beijing. Poucas vezes uma viagem presidencial foi tão favorecida e ela tem tudo para dar certo. Tratando-se do maior parceiro comercial do Brasil, quanto mais certo der, melhor. Essa será a quarta visita de Lula à China. Dilma Rousseff foi lá em 2011.

As visitas de brasileiros à China e de chineses ao Brasil sofrem com a verborragia nacional. Na primeira viagem de Lula, saiu de sua comitiva a informação de que seria discutida a cooperação no setor de energia nuclear. Os chineses assustaram-se.

Quando o presidente Hu Jintao visitou Brasília, em 2004, um intérprete inexperiente traduziu fluxo comercial (maoy) como se fosse volume de investimentos (touzi). Pareceu que ele anunciava iniciativas da ordem de US$ 100 milhões. Os chineses fizeram uma discreta correção.

Quando Dilma Rousseff foi a Beijing, sua comitiva anunciou que a empresa Foxconn investiria US$ 12 bilhões no Brasil, fabricando equipamentos da Apple e gerando cem mil empregos. Passados, quatro anos, gerou cinco mil, de baixa qualificação.

Em 2015, o primeiro-ministro Li Keqiang veio a Brasília, e saiu do Planalto a informação de que a China financiaria a construção de uma ferrovia até o Oceano Pacífico. Lorota nacional.

Lula ainda nem embarcou e já tem gente falando que os chineses comprarão bilhões de dólares do agro brasileiro. No lado chinês, fala-se pouco e calcula-se muito.

No mundo das compras e vendas reais, as montadoras de veículos brasileiros pedem que seja antecipada a elevação de 25% para 35% da tarifa de importação para os carros elétricos. Razão: o mercado brasileiro teve um pico de entrada de carros chineses. As montadoras têm pressa, porque sabem que depois do embarque de Lula, essa elevação fica mais difícil. Antes, envenenará a agenda.

A ideia de que os chineses estão prontos para comprar seja o que for é um velho mito, e os americanos acreditaram nele. Deu no que deu.

Energia mais barata

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou um pacote típico da busca de Lula 3.0 pela popularidade perdida. Pretende baixar as contas de luz de 60 milhões de pessoas e zerar as tarifas de 16 milhões de famílias carentes.

Junto com o benefício, o governo pretende atender a um antigo pleito do mercado tradicional, reduzindo os estímulos à geração de energia solar e eólica.

O atraso ganhou mais uma. Afinal, uma coisa pouco tem a ver com a outra.

Trump x Harvard

Quando a universidade Harvard topou a briga com Donald Trump ela sabia seu peso.

Saída do espólio de um taverneiro em 1636, pelo seu gramado passaram oito presidentes americanos e 188 bilionários vivos.

Sua máquina é tão segura de si que, segundo a lenda, em 1971, deu-se o seguinte diálogo entre o professor licenciado Henry Kissinger, então poderoso assessor do presidente americano para assuntos de segurança nacional e um burocrata da administração:

Quero lhe comunicar que resolvi renunciar.

A qual dos dois cargos? Perguntou o funcionário.

Olhem para o BRB

De um papeleiro com décadas de traquejo.

Está todo mundo olhando para o banco Master, com sua moderna e folclórica rede de conexões. Estão frangando a cena do BRB, um banco estatal que ecoa os costumes do Banespa ou do Banerj, com suas conexões do século passado.

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