Correio Braziliense
O vale tudo no Brasil não é só um objeto de
duas edições de novela, é um processo histórico recorrente de nosso passado,
presente e será que ainda do futuro?
O vale tudo no Brasil não é só um objeto de
duas edições de novela, é um processo histórico recorrente de nosso passado,
presente e será que ainda do futuro? A começar com a própria Proclamação da
República (1889), que, desde então, sofre algumas ocorrências em processo
contínuo, sob o controle das elites econômicas que dominam as políticas
regionais e nacionais. Foram várias as tentativas de golpe que não tiveram
punição e, mutatis mutante, se repetiram. Com anistia garantida a todos seus
executores, essas recorrências foram acontecendo ao longo de nossa história
republicana.
Três períodos podem ser compreendidos com similaridades e diferenciações do vale tudo que vem dominando a nação brasileira: o primeiro, ao longo da ditadura (anos 60 a 80), garantiu aos militares torturadores a isenção de um processo de anistia; o segundo — a partir de 1985, no início do processo de democratização, conclusão da nova Constituição (1988) — ocorreu até 2002, com a primeira eleição presidencial direta e o (primeiro) governo Lula.
Por fim, houve um terceiro momento do vale
tudo nacional, que teve início no segundo governo Lula e chegou aos tempos mais
recentes, com o domínio do Congresso Brasileiro por elites
econômico-empresariais que tanto levaram à ocorrência de processos como o
Mensalão e o Petrolão, como à posterior deposição da presidenta Dilma
Rousseff.
Mas não só, vale tudo também ocorre com a
entrega total dos governos a um Centrão conjugado a outros partidos políticos,
inclusive de uma direita mais radical. Não exclui o atual governo Lula, que
continua patinando com as elites.
Trata-se de momentos similares, apesar de
algumas diferenças quanto aos detentores pessoais do poder que continuam a
realizar o que venha a ser interesse lucrativo em detrimento de demandas
nacionais. No "mostra a sua cara", o Brasil atual continua o mesmo:
dos poderes voltados às elites e do povo abandonado.
A novidade atual é que, pela primeira vez,
está em curso uma proposta de anistia preventiva — dado que o crime de
tentativa de golpe ainda não foi julgado e, portanto, ainda não há sequer a
condenação de seus mentores. Esse novo vale tudo entrou em ritmo acelerado de
execução num Congresso Nacional turbinado com mais de R$ 50 bilhões, vantagem
ganha mesmo após o fim do financiamento privado que tanto o corrompia, e com
uma nova aliança dos políticos em exercício, representantes das novas elites
(bélica, do agronegócio e evangélicos).
Começa-se a acelerar uma tentativa que visa
não só a "anistia preventiva" dos mentores do ataque à democracia.
Configura-se, ainda, a vingança especial ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela
condenação e, também, pela vigilância ao descontrole nas emendas
parlamentares.
Essa nova edição do vale tudo Brasil
dependerá, além da anistia preventiva, do que vier a acontecer em breve com
relação às votações de políticas redistributivas em curso no Congresso. Já se
sabe que as riquezas nacionais deverão continuar, no campo legal, a serem
direcionadas para elites donas da dívida interna, que gozam de subsídios
tributários empresariais e a quase total isenção de impostos de renda pessoal e
familiar.
E no campo ilegal? Será que continuarão, por
exemplo, os desvios de recursos públicos por "propinas" e
"rachadinhas"? Negarão a isenção de impostos para os pobres e
remediados de renda até R$ 5 mil, compensada pelo aumento compensatório da hoje
parca tributação dos rendimentos que sejam maiores que R$ 50 mil mensais ou
milhão anual?
Ressalte-se que o período proposto para o tal
projeto de anistia preventiva antecede, em meses, os atos golpistas de 8 de
janeiro de 2023. Sem dúvidas, denunciando que nada é em defesa da massa popular
manejada nos atos de vandalismo, mas direcionado para o tal grupo político
militar que os controlava. Nesse lamaçal, nós, o real povo brasileiro,
derrapamos, há centena de anos, num potentíssimo vale tudo em defesa dos
privilégios dominantes. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos: Brasil,
mostra a tua cara!
*Dra. aposentada da UnB, professora no Departamento de Ecologia, ex-decana/pró-reitora de Extensão Universitária e ex-presidente da ADUnB
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